segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O silêncio papal


O noticiário bombástico do momento se reporta à acusação feita por antigo núncio apostólico (embaixador) do Vaticano nos EUA, nos anos de 2013 a 2016, de que o papa teria acobertado casos de abusos sexuais de um clérigo americano, ou seja, de um eminente cardeal, que havia sido denunciado por ele e o caso foi abafado.
O referido ex-núncio considera da maior gravidade a atitude do pontífice, tendo aproveitado para pedir a renúncia dele, sob a alegação de que o papa sabia, desde 23 de junho de 2013, que o mencionado religioso se relacionava com jovens seminaristas, ou seja, que ele era potencial predador, considerado indigno para os conceitos e padrões religiosos da Igreja Católica, mas, mesmo assim, não foi punido pelo chefe da igreja.
Diante dessa notícia, o papa disse que não responderia às referidas acusações, porque entende que o documento “fala por si só”.
Ele disse que “não dirá uma palavra”, tendo pedido que os jornalistas lessem cuidadosamente o documento e decidissem por si mesmos sobre a sua “credibilidade”.   
Em resumo, o pontífice afirmou, ipsis litteris: “Eu não vou dizer uma palavra sobre isso. Eu acho que a declaração fala por si e você (o jornalista) tem capacidade jornalística suficiente para chegar às suas próprias conclusões (sic)”.
Em verdade, o santo padre, nesse episódio, comete gravíssimo pecado de ofício, notadamente porque a acusação, mesmo que seja de facílima interpretação, é tão alarmante diante do rebanho da Igreja Católica que meras conclusões de jornalistas poderiam ser suficientes para elucidar o imbróglio apenas no seio da classe de jornalistas, mas ficam sem as devidas justificativas do próprio acusado para os católicos do resto do mundo, como se imagina que seja do dever dele prestar amplos esclarecimentos sobre o objeto da denúncia, que é da maior implicação, em termos da religiosidade cristã.
Embora o documento em referência tenha o papa como signatário, parece estranho que ele ache por bem delegar aos jornalistas – que não têm nada a ver com a história de que se trata - a incumbência de o lerem e tirarem as suas conclusões sobre o objeto da acusação, quando, por questão de respeito ao dignitário acusatório e em especial à comunidade católica, cabe exclusivamente ao santo pontífice fazer as próprias conclusões e, na melhor maneira da sociabilidade, conforme recomenda a liturgia papal, responder à altura a tão pesada acusação, que não faz o menor sentido ficar no vácuo, sem a devida importância.
A toda evidência, não se trata de simplista interpretação de jornalista com capacidade para o encerramento do grave episódio, considerando que o documento sinaliza para a necessidade da renúncia do papa, dando a entender  que ele perdeu, pelos menos no entendimento de quem acusa, as necessárias condições de comandar e dirigir a santa Igreja Católica e isso, por si só, seria mais do que suficiente para que o papa defendesse a dignidade do seu postulado, sobretudo porque não se pode olvidar o importante adágio popular segundo o qual “quem cala consente”.   
Além do mais, a autoridade papal foi acusada de ser cúmplice, por importante cardeal da igreja, que exerceu relevante cargo de embaixador do Vaticano nos EUA, com a prática do gravíssimo crime de abusos sexuais e ele não teria agido prontamente no âmbito da sua competência de autoridade máxima da instituição que, nas circunstâncias, precisa mostrar aos seguidores da Igreja Católica que inexiste impunidade na igreja, mesmo que envolvido em denúncia seja cardeal, que precisa sim também ser punido, para servir de exemplo acerca de seu péssimo comportamento como cristão e em termos de lição pedagógica ao rebanho do mestre Jesus Cristo.
Em que pese o papa dá a entender não acreditar no que consta escrito na peça acusatória, isso, por si só, não é suficiente para que a documento não seja respondido por ele, que precisa desmascarar, se for o caso, os falsos religiosos ou aqueles que estão querendo se opor a ele, com acusações infundadas e inconsistentes, mas é preciso que o santo padre diga isso com a devida clareza, para evitar que o seu silêncio tenha o condão de contribuir para piorar ainda mais esse caldeirão de más notícias envolvendo a Igreja Católica, nos últimos tempos.
O papa precisa ser informado, a tempo, que, por a Igreja Católica ser instituição milenar, que tem por regras consolidadas e consagradas ao longo da sua existência, a verdade suprema precisa ser dita e jamais omitida, como nesse caso, porque não há a menor justificativa que ele fique calado diante de tamanha e gravíssima acusação sobre os possíveis pecados da omissão e da complacência com relação à prática de crime de abusos sexuais praticados por cardeal da Igreja Católica, porque o silencia dele, nas circunstâncias, mostra-se como o antítese da transparência onde se assenta a essência da verdade, que precisa ser dita em contribuição ao importante processo evolutivo e construtivo da humanidade. Acorda, Brasil!
Brasília, em 27 de agosto de 2018

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