sexta-feira, 28 de agosto de 2020

À mulher de César...

 

Integrantes da cúpula do Palácio do Planalto,  em especial os principais assessores presidenciais, querem blindar o presidente da República do mais novo capítulo da crise envolvendo o policial militar aposentado, amigo do presidente e ex-assessor de um de seus filhos.

Assessores do presidente admitem que a estratégia adotada desde que esse imbróglio veio à tona agora tem interpretação mais complicada, já que envolve a primeira-dama brasileira, que vive com o presidente no Palácio da Alvorada.

Os assessores compartilharam e discutiram a reportagem da revista Crusoé, que revelou que a quebra do sigilo bancário do ex-assessor de seu filho revela novos empréstimos do amigo do presidente à sua esposa, em valores que precisam ser esclarecidos à opinião pública.

É curioso que os auxiliares palacianos monitoram as reações e se disseram na expectativa de como o presidente irá reagir ao ser confrontado por jornalistas.

Conforme foi publicado pela revista Crusoé, os elementos constantes dos extratos do assessor  contrariam a versão apresentada até aqui pelo presidente do país, uma vez que, as transações feitas por ele eram no sentido de que haveria repasses que somavam o valor de R$ 24 mil, para a mulher do presidente.

Na ocasião, o presidente do país disse que o ex-assessor repassou à sua esposa dez cheques no valor individual de R$ 4.000, para a quitação do valor de R$ 40 mil que tinha com ele, mas, estranhamente, essa dívida nunca foi declarada junto ao Fisco, e que os recursos foram para a conta de sua mulher em razão de "não ter tempo de sair".

Segundo a revista Crusoé, os cheques em questão foram depositados na conta da primeira-dama, no total de R$ 72 mil e não de R$ 24 mil, até então revelados pelo presidente, que também são diferentes do valor de R$ 40 mil, que teria sido o total da dívida.

De acordo com levantamento da regista Crusoé, pelo menos 21 cheques foram depositados pelo assessor na conta da primeira-dama, no perde 2011 a 2018.

A quebra de sigilo bancário do assessor teve acesso à sua movimentação financeira, no período de 2007 a 2018, período em que não há depósitos do presidente do país na conta do ex-assessor, a comprovem o possível empréstimo alegado.

O jornal Folha de S.Paulo confirmou as informações obtidas pela revista Crusoé, tendo  apurado ainda que a mulher do assessor também depositou pelo menos quatro cheques na conta da primeira-dama brasileira, em 2011, no valor total de R$ 11 mil.

Em síntese, os repasses ocorreram em dois períodos, de 2011 a 2013, com os depósitos do assessor e da sua mulher, no valor de R$ 40 mil, por meio de cheques à primeira-dama, enquanto,  em 2016, foram outros nove cheques, no valor de R$ 4.000 cada.

Acerca dessas novas e gravíssimas acusações, o Palácio do Planalto se mantém em completo silêncio, tendo contribuído seriamente para que o presidente fique cada vez mais explosivo quando alguém questiona sobre assunto que exige que ele preste os devidos esclarecimentos à sociedade, à vista de se tratar da transparência dos atos envolvendo a pessoa dele e a da sua família, a exemplo a primeira-dama.

O homem público, não importa o cargo ocupado por ele, precisa demonstrar plena transparência sobre seus atos, na vida pública e qualquer suspeita de ato inquinado de irregularidade precisa ser imediata e prontamente esclarecida, sob pena de se admitir que ela é verdadeira, fato este que não condiz com a figura de estadista de verdade.

Nesse caso nebuloso da esposa do presidente do país, não resta a menor dúvida de que é preciso que os fatos sejam imediatamente esclarecidos, tendo em vista que não é nada normal que alguém deposite, de maneira continuada, dinheiro na conta de alguém sem que não haja motivação plausível para isso, segundo a tradição da ética e da moralidade, como forma de preservação dos valores ínsitos da dignidade da cidadania, de modo a justificar a regularidade das transações, à luz dos comezinhos princípios da legalidade e da transparência.  

Diante da relevância do assunto, convém que o presidente do país tenha sensibilidade suficiente para que não é caso de se delegar a seus assessores a incumbência de prestar os devidos esclarecimentos sobre a verdade que precisa urgentemente vir a público, tendo em vista que se trata de grave acusação envolvendo família dele, em caso particular anterior ao atual mandato, cujo fato se reporta a possível irregularidade da maior gravidade, que diz respeito à suspeita do recebimento de dinheiro cujas origem e destinação precisam ser devidamente justificadas, à luz da verdade e da regularidade.

Não tem o menor cabimento que o presidente da nação espere que seus auxiliares encontrem motivos para justificar fatos extraídos de documentos bancários, dando conta de transações efetivamente concretizados, que exigem a maior transparência possível, sob pena de serem aceitos como sem a devida explicação, o que é bastante grave, para quem se vangloria de ser o suprassumo da honestidade, enquanto os extratos autênticos evidenciam que a primeira-dama pode ter participado de esquema ilegal.

O presente episódio suscita a invocação de fato histórico famosíssimo, ocorrido em 62 a.C., em que a primeira-dama de então, de nome Pompeia, esposa de César, pontífice máximo, o sumo-sacerdote da religião estatal romana, realizou, no palácio pontifício, festival em homenagem a Bona Dea (boa deusa), com restrição à participação de homem, mas o jovem Públio Pulcro conseguiu entrar no local da festa, disfarçado de mulher, que foi pego e processado por sacrilégio.

Como César não apresentou evidência sobre o crime contra Públio, ele foi inocentado, mas, mesmo assim, o pontífice se divorciou da esposa, sob o argumento de que: "minha esposa não deve estar nem sob suspeita".

A célebre frase deu origem ao igualmente famoso provérbio, cujo texto tem sido usado por grandes intelectuais, que diz o seguinte: "À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta".

O presidente da República precisa, com a máxima urgência, vir a público para esclarecer, de maneira minudente, os fatos relacionados com a presente acusação, sob pena de ser considerado conivente e cúmplice com atos nada republicanos, eis que os fatos envolvendo a primeira-dama colocam o seu esposo em situação de responsabilidade solidária, à luz do ordenamento jurídico pátrio, o que pode comprometer seriamente a dignidade da figura do presidente do país, quando ele se esquiva a demonstrar a regularidade dos fatos questionados.       

          Brasília, em 28 de agosto de 2020 

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