terça-feira, 25 de agosto de 2020

Pecado capital

           Segundo reportagem que circula na imprensa, a Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), que administra o Santuário Basílica de Trindade, tem o formato de “uma grande empresa”, à vista do resultado de investigações do Ministério Público sobre as movimentações financeiras da entidade.

Embora o principal envolvido, que é padre, se comprometeu em provar que não houve crime, há denúncia sobre o possível desvio pela referida associação do valor de R$ 120 milhões, dinheiro com origem em doações de fiéis, que destinaram à compra de casa em praia, fazendas e outros tantos investimentos altos e estranhos às atividades daquela associação.

As investigações apontaram que algumas empresas com as quais a Afipe negociava tinham os mesmos sócios e funcionavam no mesmo endereço e que, em dez anos, houve a movimentação financeira do valor de R$ 2 bilhões, cujo dinheiro teria sido usado, entre outras finalidades, para a construção da nova Basílica, orçada, inicialmente, em 2012, no valor de R$ 100 milhões, mas as obras ainda se encontram na fase de fundação, com previsão de conclusão para 2026, no custo total de R$1,3 bilhão.

Os promotores afirmam que o dinheiro não foi usado somente na citada construção, porque “As contas bancárias da Afipe foram usadas para comprar fazendas, residências em condomínio fechado, apartamentos em São Paulo, em Goiânia, fazendas em todo Brasil, mineração. A Afipe, hoje, é uma grande empresa. Ela tem o argumento religioso, mas ela se converteu em uma grande empresa do estado de Goiás, que explora inúmeras atividades, agropecuária, mineração. Ela compra inúmeros imóveis e vende inúmeros imóveis”.

Entre os bens sob sub suspeitas foram elencados pelo Ministério Público uma fazenda, no valor de R$ 6 milhões, em Abadiânia, e uma casa de praia na Bahia, no valor de R$ 2 milhões.

Os advogados do padre negam irregularidades na aplicação do dinheiro referentes às doações de fiéis, que atinge o montante mensal de aproximadamente R$ 20 milhões, e que os investimentos em outras áreas eram forma de aumentar os lucros da igreja e ainda expandir as obras sociais.

Eles também afirmaram que, “Para que nós possamos chegar a essa evangelização do maior e do melhor modo possível, nós precisávamos de investimentos. Esses investimentos nunca foram exclusivamente em conta corrente. Muitos deles são em atividades, negócios que existem e todo seu rendimento é aplicado nas atividades fins da Afipe”.

Na decisão que autorizou as buscas e apreensões e o sequestro de bens dentro da operação, consta que a KD Administradoras de Bens teria sido beneficiada por pagamento de dezenas de imóveis de propriedades da Afipe, “e que em todas as transações foram evidentes os prejuízos suportados pelas associações”.

Os promotores citam, a título de exemplo de negócios suspeitos a operação envolvendo um imóvel que a Afipe deu como forma de pagamento à KD, avaliado pelo valor de R$ 1,35 milhão, mas, para fins fiscais, o valor dele foi de R$ 2 milhões e, depois de dois meses desse negócio, o mesmo bem foi hipotecado pelo valor de R$ 7,35 milhões.

Em outra negociação, a Afipe comprou uma fazenda pelo valor de R$ 6,8 milhões e, três anos depois, ela foi vendida pelo mesmo valor, para uma empresa do grupo suspeito de participar dos esquemas de desvio de dinheiro da igreja.

Em vídeo publicado em sua rede social, o padre se defendeu das acusações, tendo afirmando que, in verbis: “Sempre estive e continuo à disposição do Ministério Público. Por isso, esse meu pedido de afastamento vai me permitir colaborar com as apurações da melhor forma e com total transparência para que seja confirmado que toda doação que fazemos ao Pai Eterno - terços rezados, o dinheiro doado, tempo, carinho, trabalho empregado na evangelização - foi toda, repito, toda empregada na própria associação Afipe em favor da evangelização”.

Na decisão sobre o caso, a juíza decretou, verbis: “Forte nesses elementos, os Promotores de Justiça sustentaram a existência de indícios da prática de crimes de apropriação indébita, organização criminosa e lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores pelos investigados. Os elementos informativos coletados indicam que as doações feitas por fiéis de todo o país para o custeio das atividades da Afipe e para o pagamento das obras e projetos de cunho social da mencionada associação, na verdade, estariam sendo utilizadas para finalidades espúrias”.

Nesse episódio, há fortes indícios de que o gigantesco patrimônio formado pela igreja, com provável movimentação financeira de dois bilhões de reais, algo extraordinariamente fantástica, considerando que se trata de patrimônio proveniente de doações e fiéis, que foram certamente iludidos e enganados na sua boa-fé, foi desviado por grupo de criminosos, que se aproveitaram das facilidades propiciadas pela fartura de dinheiro, que pode sim ter saído do controle do padre, talvez não por intenção de desviar recursos, mas por experiência no manejo de muito dinheiro.

Afora os rendimentos resultantes dos investimentos do patrimônio da Afipe, a arrecadação mensal atingia, pasmem, o montante de vinte milhões de reais e todo esses valores eram confiados a empresas que transacionavam com a associação comandada pelo padre, que parece ter sido levado pela amizade e confiança, as quais, ao que evidenciam as investigações não correspondiam na mesma lealdade demonstrada pelo padre, vindo resultar em gigantescos rombos nas contas da Afipe, conforme mostram as investigações.     

Os fatos mostram, com muita robusteza, que são notórios os prejuízos causados à igreja e não se pode afastar, em hipótese alguma, a culpa do religioso, que era o principal controlador do dinheiro que existia em quantidade extraordinária, mas ele não se cansava de pedir mais ajuda dos fiéis, nos programas de rádio e televisão que participava.

À toda evidência, trata-se de religioso sem coração caridoso, porque todo autêntico religioso tem coração bondoso que somente cabe o amor de Jesus Cristo e este jamais se coadunaria com casa de luxo e muito menos com roubalheira de dinheiro de tão expressivo montante, porque a igreja foi transformada em enorme e fabulosa empresa comercial, com negócios impressionantes envolvendo mineração, fazendas, agropecuária, ramo imobiliário e outras transações milionárias, sob a administração da Santa Igreja Católica, que tem por princípio o Evangelho de Jesus Cristo, que, em vida, somente pregou o amor à pobreza.

Fica a lição de que esse padre foi longe de mais com negócios mirabolantes, à luz da simplicidade secular que norteia a existência da igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, tendo se perdido completamente na montanha de tanto dinheiro, que jamais poderia existir com esse exuberância que ultrapassou todos os níveis de controle, à vista do patrimônio de bilhões de reais, que ultrapassam soberbamente às necessidade para a sua destinação, qual seja a construção da catedral.

Não há a menor dúvida de que esse padre precisaria retornar ao seminário, para ser apresentado novamente ao verdadeiro Evangelho de Nosso Senhor de Jesus Cristo, que tem como princípio essencial o respeito sagrado às coisas alheias, uma vez que fica muito claro que ele cometeu abusos em continuar arrecadando e pedindo mais dinheiro aos fiéis, quando a igreja já tinha tanto dinheiro que ele nem conseguia mais controlar, à vista do que foi apurado.

Para a verdadeira Igreja Católica, qualquer desvio de recursos já constitui pecado gravíssimo, mas a considerável apropriação indébita de 60 milhões de reais, logo oriundos de doações de ingênuos fiéis da igreja, certamente na maioria gente pobre da comunidade, isso não tem enquadramento nos mandamentos da igreja, porque é simplesmente imperdoável, cujo castigo, de tão grave ato, é a perda da batina, com a proibição da celebração de qualquer sacramento da Santa Apostólica Romana Igreja Católica, que precisa punir com severidade todos aqueles que são seduzidos pela malignidade do demônio, ao crescer a mão desregrada sobre o que não lhe pertence.

Ainda como forma de reparação dessa gravíssimo gesto de desprezo aos sagrados mandamentos de Deus, todos os valores desviados precisam retornam às origens, para que eles possam ter a serventia para a qual houve a doação e recebimento, tudo de boa-fé por parte dos fiéis.

Normalmente, os religiosos de verdade fazem votos, espécie de juramento de pobreza, em estrita harmonia com os princípios instituídos pelo criador da Igreja Católica, que basicamente tem por finalidade o arraigado apego à conduta segundo a qual sem o respeito à honestidade não há salvação para alma e muito menos para o corpo, porque vai ser preciso o pagamento de dívida gigantesca perante a sociedade, que normalmente tem como sede o Código Penal.

À vista de muitas preces em apoio e solidariedade ao famoso padre, é até compreensível que ele seja poderoso na fé e na religiosidade, mas os fatos investigados demonstram, de maneira indiscutível, que ele foi omisso, descuidado e irresponsável com o controle do dinheiro oriundo dos fiéis, os filhos de Deus, para quem ele foi desonesto em conseguir tirar deles recursos suficientes para esbanjamentos, desperdícios, enriquecimentos ilícitos, luxúrias e outros tantos e graves pecados condenadas pela Igreja Católica, que tem por pregação importantes lições de muita humildade e respeito aos filhos de Deus, ao contrário do que cultuava o padre acusado, que simplesmente nadava de braçada em dinheiro extraído da pobreza, que é a base do povo de Deus.

          Brasília, em  de agosto de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário