quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Ausência de princípios?

Por dois votos a um, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu excluir de processo da Operação Lava-Jato contra o ex-presidente da República petista a delação do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos petistas.

No processo em que o ex-presidente é réu, na 13ª Vara Federal de Curitiba, no Paraná, contém denúncia segundo a qual ele teria recebido propina da empreiteira Odebrecht, na forma de terreno destinado à construção da sede do “Instituto Lula”.

Não obstante, o dinheiro teria sido usado para a compra do apartamento vizinho ao que o ex-chefe do Executivo mora em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

Votaram para a exclusão da delação dois ministros que são declaradamente simpatizantes do ex-presidente, enquanto o relator do processo votou contra o pedido da defesa, por não ter concordado com o motivo alegado por ela.

O então juiz da Lava-Jato havia juntado a delação premiada do ex-ministro e então amigo do ex-presidente ao processo contra o réu e retirado o sigilo do documento, na proximidade do primeiro turno da última eleição presidencial, em 2018.

Além de votar pela exclusão, o ministro “rei” da liberação de habeas corpus, no Supremo, considerou que o ex-juiz quis criar “fato político” contra o ex-presidente e criticou a falta de imparcialidade do então magistrado. 

O mencionado ministro disse que “Verifica-se que o acordo foi juntado aos autos da ação penal cerca de três meses após a decisão judicial que o homologara. Essa demora parece ter sido cuidadosamente planejada pelo magistrado para gerar verdadeiro fato político na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018”.

Ele acrescentou o seguinte: “Resta claro que as circunstâncias que permeiam a juntada do acordo de delação de Antonio Palocci no sexto dia anterior à realização do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018 não deixam dúvidas de que o ato judicial encontra-se acoimado de grave e irreparável ilicitude”.

O outro ministro, que é ligado à intimidade da família do ex-presidente, afirmou em seu voto que “A determinação da juntada dos termos de colaboração premiada consubstancia, quando menos, inequívoca quebra de imparcialidade”.

Em entendimento contrário aos ministros citados, o relator do caso disse que “é permitido ao juiz juntar documentos relativos ao processo, além de alegar que não há como provar o objetivo de Moro ao anexar a delação. O caso não revelou gravidade suficiente para caracterizar prejuízo à defesa de Lula.”.

Com esse mesmo placar de 2x1, houve a determinação para que o processo volte à fase de alegações finais, o que atrasará o desfecho para o caso, permitindo o acesso aos trechos dos autos que digam respeito ao ex-presidente.

Desde fevereiro deste ano, o processo de que trata a presente decisão estava concluso, à espera da decisão do juiz da Lava-Jato, mas esse procedimento pende agora da análise da nova apresentação de considerações finais das partes envolvidas no caso.

Em síntese, os simpatizantes do ex-presidente comemoraram, de forma efusiva a estrondosamente a vitória nesse caso, que se encerra em não ser possível a apensação aos autos de delação premiada que apenas poderia corroborar com os fatos denunciados, ou seja, os doutos ministros do Supremo entenderam, por maioria de dois contra um, que aquela manifestação não fizesse mais parte do processo, fato que, em si, não altera, em substância, os fatos objeto da ação propriamente dita.  

A propósito, o processo em julgamento diz respeito à suposta compra, pela empreiteira Odebrecht, do apartamento vizinho ao do ex-presidente, que é ocupado por ele, em São Bernardo do Campo, SP, e do terreno onde seria sediado o “Instituto Lula”, sob a forma de pagamento ao político, segundo o Ministério Público Federal, como vantagens indevidas, eis que os recursos foram oriundos de contratos celebrados entre aquela empresa e a Petrobras.

A decisão em tela apenas determina a retirada de peça documental dos autos, no caso, uma delação premiada, mantendo incólume os demais termos da denúncia e das medidas investigatórias pertinentes, o que vale dizer que houve mesmo foi a procrastinação da decisão judicial, na forma da especialidade da defesa do ex-presidente, ficando evidente, nesse caso, que o veredicto a ser adotado não foi prejudicado, uma vez que os fatos narrados na delação são exatamente os que já constatavam da ação inicial.

Sobre a atuação do então juiz da Lava-Jato, nesse imbróglio, importa se observar que os dois votos condenando a anexação da delação premiada aos autor são declaradamente de advogados do ex-presidente no Supremo, o que vale dizer que a dignidade deles em atuar em caso do interesse do político não passa de vergonhosa e desmoralizante atitude, a par do que disse o relator, que se mostrou imparcial ao julgar, no sentido de que “é permitido ao juiz juntar documentos relativos ao processo, além de alegar que não há como provar o objetivo de Moro ao anexar a delação. O caso não revelou gravidade suficiente para caracterizar prejuízo à defesa de Lula.”.

Vejam-se que um ministro afirmou, de forma categórica, que o então juiz teria criado “fato político”, pelo fato de ter promovido a apensação de delação premiada a processo de interesse de político que nem poderia se candidatar a cargo público eleitoral, posto que ele se encontrava no rol das pessoas enquadradas na Lei da Ficha Limpa.

Isso tem o condão de mostrar a índole desse ministro que busca justificar seu posicionamento em algo inexistente, tendo inclusive afirmado que o magistrado da Lava-Jato teria incorrido no crime de falta de imparcialidade, em caso onde o relator não viu “gravidade suficiente para caracterizar prejuízo à defesa de Lula.”, ou seja, o presente caso mostra, com muita clareza, que o Supremo foi servindo para amigos do político escancarar o seu ódio contra o então juiz da Lava-Jato, ao declinar entendimento pessoal contrário aos fatos constantes do autos, à luz da interpretação do relator do pleito, quando disse que o procedimento do ex-juiz não revelou gravidade para causar prejuízo à defesa do ex-presidente.

É lamentável que o Poder Judiciário ainda contribua, como se percebe claramente no caso em comento, para dificultar a dinâmica processual, quando se procura criar obstáculos visivelmente protelatórios, uma vez que, repita-se, neste caso, a retirada da delação premiada não terá a mínima interferência nem influência no veredicto da ação, porque ela não é peça fundamental ao desfecho do caso.

Ou seja, não há motivo algum para tanta euforia sobre algo que nada representa de conquista, senão adiar o julgamento da ação de que se trata, a par de escandalizar e desmascarar a personalidade de relevantes julgadores, que poderiam ter a sua imagem preservada se se declarassem suspeitos de participar da decisão, já que eles são fiéis lídimos representantes do político na Corte, que se sente extremamente desmoralizada com triste comportamento de integrantes dela.  

Brasília, em 6 de agosto de 2020  

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