segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O sentimento de sensatez?

 

 

Depois de tantos abusos e de provocações aos poderes Legislativo e Judiciário, entremeados com ameaças bem ao estilo de intimidação de que “somente eu tenho o poder”, de repente o presidente da República, se transforma em verdadeiro agente da pacificação, mostrando a outra face bem diferente, com a estampa da paz e do amor, sem que isso tenha alguma garantia de perenidade.

Acredita-se que, para a mudança tão sensível como essa, o presidente deva ter sido alertado e orientado, com bastante ênfase, em tom de muita dureza, por parte de alguém centrado e com sentimento aguçado de sensatez e maturidade política, possuidor de senso crítico bem experimentado e acima do padrão daqueles que o vinham conduzindo no caminho da estupidez, em termos político-constitucionais.

O novo conselheiro do presidente demonstra ter enxergado, com muita nitidez, o grave perigo pela maneira perigosa, desastrada, precipitada e temerosa como ele vinha se conduzindo, ao se preparar fortemente para a guerra sem razão, que parecia iminente, à vista do entrincheirando e do armamento de grosso calibre que ele usava nas suas entrevistas, tendo dito para apoiadores que já se aproximava o desfecho do seu tresloucado ataque contra aqueles considerados seus inimigos.

Ainda bem  que, em bom momento, apareceu o generoso Deus para iluminar a mente e a consciência perturbadas do presidente, para afastar dele a maneira estranha usada normalmente sob o enfoque de sentimento de puras beligerância, arrogância, intolerância, como se ele fosse os únicos poder e autoridade sobre tudo e todos.

Trata-se de importante estratégia de mudança operada em boa hora, com troca da pseudo-opulência pelo educado e civilizado silêncio obsequioso, passando a demonstrar tolerância e compreensão, no tom próprio de estadista moderno, moderado, inteligente e acima de tudo consciente dos limites da sua verdadeira autoridade, porque é esse o único caminho que o mandatário tem para se concentrar nos graves problemas enfrentados pelo seu governo, em especial pela pandemia do coronavírus, para quem ele fez explícita questão de mostrar completo desprezo, em forma de atos de rebeldia, à vista das atitudes irreverentes às normas e orientações emanadas do próprio governo, que não foram escondidas de ninguém.

Ao que tudo indica, o homem que se comportava como se o Brasil fosse todinho patrimônio seu, completamente seguro de suas ações, no alto do poder que considerava absoluto, por talvez se julgar ter a sustentação dos generais e por impulsiva meia dúzia de apoiadores das ruas, parece que ele se acordou do seu sonho que vinha alimentando de plena dominação e pode ter compreendido, enfim, a verdadeira realidade dos fatos, no sentido de que, das duas, uma, ou ele se tornaria soberano, no trono da plena dominação, ou seria defenestrado do governo, sem direito a sequer estrebuchar, à vista dos exagerados e tresloucados descontroles emocionais e insensatos.

É bem possível que o presidente pode ter ouvido o canto mavioso dos quartéis, no sentido de que já era chegado o momento seguro e ideal para descer o tom e ensarilhar as armas, na busca providencial, prudente e inteligente do armistício, posto que ele já havia ultrapassado o limite da tolerância, tendo invadido terreno movediço e perigoso, no âmbito da civilidade assim compreendida na seara da democracia e da República, em que pese ele ter se comprometido a defender a ordem pública e o fiel cumprimento do regramento jurídico pátrio, diferentemente de suas atitudes muito mais de confronto com o monstruoso inimigo imaginado por ele.

Tanto isso é grande verdade que, a partir do momento em que o presidente se silenciou, se acalmou e passou a cuidar somente das suas obrigações constitucionais, evitando confrontos, o ambiente se transformou em verdadeira bonança, sem nenhum sobressalto no horizonte, justamente porque era ele próprio que nutria a situação de antagonismo, para quais objetivos não é ainda possível se vislumbrar, tamanha a estranheza do quadro de instabilidade político-administrativo reinante.  

O certo é que os brasileiros, cônscios de suas responsabilidades cívica, patriótica e democrática, já demonstravam espanto e perplexidade diante do alarmante descontrole emocional do presidente, que sempre se apresentava completamente obcecado por suas voluptuosas agressões e ameaças a integrantes de outros poderes e jornalistas, em completa dissonância com os princípios republicanos que precisam prevalecer nas relações harmônicas entre os poderes constitucionais da República e os cidadãos.

É bem possível que o presidente dos brasileiros percebeu, enfim, que a sua atitude de anormalidade comportamental não tinha apoio da maioria da sociedade, a par de resultado de pesquisa realizada por um jornal, mostrando que 75% dos entrevistados preferem a democracia; 52% não aprovam presença fardada no poder político e a maioria absoluta abomina ímpetos golpistas antidemocráticos.

Não há a menor dúvida de que o presidente do país percebeu, de repente, que precisava urgentemente se transformar em bonzinho, se amansar e controlar a sua língua badalar, baixar a bola e, enfim, cair na realidade nua e crua, porque a situação começava a azedar perigosamente contra ele, com a gravidade maior da perda de apoio da sociedade e, por via de consequência, correr sério risco de perder o cargo e a glória antes do término do seu mandato, precisamente em razão da nítida e intolerável insanidade, completamente incompatível com o exercício do principal cargo da República.

É de constatar que os inconciliáveis estragos que vinham sendo causados ao sentimento democrático não afetavam exclusivamente o ambiente nacional, com o afastamento proposital dos demais poderes da República, em grau de máxima hostilidade, mas também era notório o reflexo da atitude presidencial na comunidade internacional, sob risco de afastamento do Brasil até mesmo dos governantes que ainda mantêm saudáveis e normais relações diplomáticas, em clima de estreita cordialidade.

Os brasileiros anseiam por que o presidente da República dê continuidade, sob rigorosa obsequiosidade, de seu comportamento maravilhoso demonstrado nos últimos tempos, em harmonia com a conscientização sobre a imperiosa necessidade de exercer o mandato em perfeita sincronização com a liturgia do Palácio do Planalto, cumprindo exclusivamente a agenda estabelecida na forma da Constituição do Brasil, com o devido respeito à autonomia e à independência dos outros poderes da República e aos cidadãos.

          Brasília, em 24 de agosto de 2020

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