quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Interpretação equivocada?

            O presidente da República afirmou, com base no entendimento pessoal, em conversa com apoiadores, que a máscara de proteção utilizada contra o novo coronavírus tem eficácia "quase nula".

O presidente, em tom de indagação, disse: “Tem algum médico aí? A eficácia dessa máscara é quase nula”, ao responder a uma senhora que disse que só iria tirar fotos com o presidente quando não precisasse mais do acessório.

Vejam-se o peso da afirmação do presidente, que imediatamente foi acompanhado por um cidadão, seu apoiador, que disse "Não tem nada a ver o uso da proteção contra o vírus. Também não concordo, não. Acho que não deveria ter máscara porcaria nenhuma.”.

Outra apoiadora afirmou que havia sido contaminada com a Covid-19, mas que já estava curada.

Foi quando o presidente perguntou à cidadã: “Qual o remédio?, que respondeu "cloroquina", substância reiteradamente recomendada por ele, no tratamento precoce da doença, embora ele, por questão ética, nem deveria se imiscuir nesse assunto, por ser de competência alheia à função presidencial.

A referida senhora concluiu: “Cloroquina, tomei tudo que o senhor recomendou.”.

Na verdade, há comprovação em contrário do que entende o presidente brasileiro, porque, de acordo com as pesquisas, o uso de máscaras pode impedir que pessoas espalhem germes pelas vias aéreas, como no caso do terrível Covid-19.

Os pesquisadores apontam ainda para uma série de evidências, ao sugerirem que “as máscaras também protegem as pessoas que as usam, diminuindo a gravidade dos sintomas ou, em alguns casos, impedindo completamente a infecção.”.

Uma médica especialista em doenças infecciosas da Universidade da Califórnia, em São Francisco, EUA, disse que diferentes tipos de máscaras "bloqueiam o vírus em um grau diferente, mas todos impedem a entrada do vírus. Se alguma partícula de vírus romper essas barreiras, a doença ainda pode ser mais branda".

A mencionada médica e seus colegas defendem esse argumento em artigo publicado no Journal of General Internal Medicine, tendo por base experimentos com animais e observações de vários eventos durante a pandemia e ainda que “as pessoas que usam coberturas faciais absorvem menos partículas de coronavírus, facilitando o sistema imunológico a se proteger.”.

Outro estudo realizado pela Universidade de Hong Kong comprovou que “o uso da máscara reduz acentuadamente a propagação do coronavírus”.

Um professor chinês, especialista renomado em coronavírus, afirmou, verbis: "Está muito claro que utilizar máscaras em pessoas infectadas é mais importante do que em qualquer outra. Agora que sabemos que grande parte dos infectados não apresentam sintomas, o uso universal das máscaras é realmente fundamental".

O presidente do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia sublinhou que “a máscara é importante não apenas para a proteção de seu usuário, mas também para as pessoas ao redor”.

A referida autoridade enfatizou que “Já está comprovado, inclusive pela Organização Mundial de Saúde, que as máscaras são eficazes para conter a transmissão de doenças respiratórias. Elas também são um instrumento importante contra a dispersão viral e a proteção comunitária. Seu uso é uma questão de responsabilidade pública.”.

E ponderou, em avaliação sobre o tema, que “o melhor método para evitar a infecção por coronavírus é o isolamento social. Outros modos de proteção, porém, não podem ser deixados de lado: lavar a mão com água e sabão, usar álcool-gel e a máscara. Acredito que não poderemos descartar a máscara a curto prazo. Ela é necessária na pandemia e muito eficiente. Certamente é melhor do que a cloroquina.”.

Por fim, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial referente à obrigatoriedade, durante a pandemia do coronavírus, do uso de máscara, vazado nestes termos "estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas".

A toda evidência, mais uma vez, o presidente da República conspira contra as regras saudáveis recomendadas para o combate ao coronavírus, ao opinar, de maneira extremamente insensata, indevida e irresponsável, contra prática absolutamente consensual, diante das evidências hauridas por meio de estudos científicos que não permitem a menor discussão sobre a validade do emprego de máscaras, nas atuais circunstâncias da maior gravidade para a saúde da população.

Quer queira ou não, a opinião do presidente do país precisa ser rigorosamente ponderada e sopesada, diante do seu impacto perante a opinião pública, porque, em muitos casos, as pessoas a seguem fielmente, como no exemplo acima, em que uma cidadã disse, verbis: “Cloroquina, tomei tudo que o senhor recomendou.”.

Ou seja, fica muito evidente que grande parcela da população faz exatamente o que o mandatário do país diz e recomenda, mesmo nos casos em que ele não têm competência funcional para tanto ou que, por cautela, diante da especificidade do assunto, ele prestaria importante contribuição aos brasileiros, em termos de saúde pública, se simplesmente ficasse calado e se fingisse de ausente, deixando que os órgãos governamentais competentes se manifestassem sobre a matéria, evitando se passar por ridículo, como nesse caso, em que a sua opinião tem o peso terrivelmente prejudicial aos interesses da saúde e da população, à vista de fazer afirmações inverídicas, no sentido de que “A eficácia dessa máscara é quase nula”, quando as experiências médicas dizem exatamente o contrário.

Não há a menor dúvida de que essa forma de comportamento funcional não condiz precisamente com a liturgia do verdadeiro estadista, que precisa, sobretudo, tratar as questões importantes do governo com muita severidade e sentimento de abnegação aos conceitos de seriedade e responsabilidade públicas, quando mais em se tratando de assunto que envolve a saúde dos brasileiros, onde se exige, no caso, o estrito respeito aos princípios da moderação, ponderação e acatamento aos estudos científicos, sob pena de se permitir a ridicularização de opinião contrária aos doutos ensinamentos recomendados e cabíveis à espécie.

          Brasília, em 20 de agosto de 2020

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