sábado, 18 de março de 2023

Proselitismo?

 

Conforme vídeo que vem circulando nas redes sociais, o Ministério Público expediu orientação e alerta no sentido de se evitar proselitismo religioso, nas redes públicas, sobre a disseminação de expressão com conotação religiosa, a exemplo de orações cristãs e outras manifestações que tenham invocação ao nome de Deus.

Em consonância com essa orientação, a prefeitura de Taubaté, São Paulo, distribuiu determinação nesse sentido, exigindo a assinatura de professores em documento, se comprometendo a observar a aludida orientação.   

Em primeiro momento, é importante a conscientização de que as orações, os apelos à proteção divina e outras manifestações religiosas que são normalmente feitos em colégios e repartições públicas, dizem respeito à espontaneidade do sentimento inerente à consciência que se manifesta por meio da crença inata de um povo.

Essa forma maravilhosa de manifestação popular não pode, em absoluto, ser confundido, como expresso na aludida notícia, com proselitismo, que significa doutrinação, pregação, instrução e outras formas destinadas ao convencimento de pessoas a mudarem de religião.

Ou seja, sob esse entendimento da proibição de proselitismo, o alerta do Ministério Público tem plena pertinência, porque isso realmente não condiz com a prática permitida nos colégios e repartições públicas, por haver nítida vedação legal.

Não obstante, a notícia faz cristalina menção à proibição sobre a prática de orações, invocação à proteção de Deus e outros termos relacionados com a fé cristã, que, à toda evidência, não se confundem com proselitismo, que deve realmente ser proibido e somente nesse caso.

Pois bem, tem-se a ideia segundo a qual quando Deus é afastado das escolas e, de certa maneira, da companhia das pessoas, por imposição de autoridades ou formas arbitrárias, estar-se-á permitindo implicitamente a presença do demônio, que tem o dom de atrair e facilitar o aparecimento das piores tragédias no seio da sociedade, em razão da perda da fé religiosa.

Essa mentalidade de desprezo à religião do bem condiz perfeitamente com o descaminho dos bons propósitos, quando a religiosidade do bem somente produz sentimentos positivos, com enorme possibilidade de contribuir para a convergência de ações voltadas para a paz e o amor, no seio da sociedade.

A verdade é que não se pode desconhecer o que foi escrito na Constituição brasileira sobre o princípio pretendido para o Estado laico, secular ou não confessional, que deve ser compreendido como aquele que permite, respeita, protege e trata de forma igual todas as religiões, fés e compreensões filosóficas da vida, que também compreende o respeito à falta de religiosidade ou ainda de quem negam a existência de quaisquer divindades, na filosofia ateísta.

A Constituição vigente, promulgada sob “a proteção de Deus”, dispõe sobre a laicidade do Estado brasileiro nos termos dos arts. 5º, incisos VI, VII e VIII; 19, inciso I; 143, § 1º; 210, § 1º; e 226, § 2º.

Não obstante, as principais vertentes do Estado laico têm respaldo especialmente nos seguintes dispositivos da Constituição Federal: a) art. 5º, incisos VI, VII e VIII, com a consagração, quanto à condição de direito e garantia fundamental, à liberdade de consciência e crença, bem como à proteção ao seu livre exercício; e b) art. 19, inciso I, que delimita as atividades administrativas entre o Estado e as igrejas religiosas, estabelecendo as relações de independência de cada instituição, permitida a colaboração de interesse público, nos termos da lei.

Como se vê, é clara a garantia, no Brasil, da liberdade de crença e consciência, respeitando a pluralidade religiosa entre povos das mais e muitas origens, com a prevalência de diversas culturas, tradições, folclores, costumes, credos e religiões, que contribuem para o seu crescimento como ser humano moderno.

Isso vale dizer sobre a importância do respeito à diversidade e às diferentes crenças, que se consolidam como direitos fundamentais, no Brasil, em harmonia com a previsão de direitos assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Mesmo assim, em que pese se tratar de direito contemplado na Constituição, ainda há visível intolerância à religiosidade, conquanto o Estado deva garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando a interferência de ordem patrocinado por ele, como nesse caso, de modo que se possa preservar a garantia dos pilares do Estado Democrático de Direito, previsto na Constituição.

É preciso ficar claro que a invocação ao nome de Deus, em qualquer circunstância, somente resulta em algo agradável para o ser humano, em especial para os sentimentos espirituais, que dizem com o conforto da alma e a paz do corpo.

À toda evidência, essa forma salutar de comportamento humano não tem absolutamente qualquer implicação com as restrições impostas de laicidade pela Constituição,  em especial na forma clara escrita no art. 19 e no seu inciso I da Carta Magna, que dizem, verbis: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”.

Ou seja, a vedação da laicidade do Estado é bastante cristalina nos dizeres da disposição transcrita acima, onde se percebe que os entes da federação não podem liderar cultos religiosos nem os subvencionar, não havendo qualquer proibição quanto à liberdade de consciência e de crença das pessoas, que é assegurada na forma do inciso VI do art. 5º da Constituição, que diz, ipsis litteris: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.”.

À vista do exposto, fica bastante clara a dicotomia entre a vedação do Estado e os direitos civis das pessoas, quanto às delimitações religiosas, enquanto aquele não pode se imiscuir nessas atividades, estes gozam de plenos direitos de exercê-las, não podendo o poder público estabelecer imposição absurda como essa da proibição de manifestação com apelo religioso, em nome da sua crença, que é livre, em qualquer tempo e lugar, uma vez que não há restrição constitucional, salvo no caso específico de proselitismo, que diverge da simples exercício da crença religiosa.

Não há a menor dúvida de que o Ministério Público faz interpretação completamente equivocada sobre os textos constitucionais, dando o entendimento extravagante de que nada de religiosidade pode ser objeto de manifestação no âmbito das repartições públicas, quando isso não é verdade, à vista dos textos constitucionais, que falam em garantia da plena liberdade de consciência e crença religiosas, sem, obviamente, qualquer menção à restrição, não podendo haver entendimento diferente disso, exatamente porque falta o devido amparo legal para tanto.

O Ministério Público e a Justiça precisam se conscientizar sobre a verdade constitucional, em especial quanto aos direitos e deveres de cidadania e do poder público, em que as pessoas gozam de plenas liberdades de crença, podendo exercê-la inclusive nas repartições públicas, enquanto o Estado tem o dever de respeitá-la e o dever de não se envolver em assuntos referentes à religiosidade, tudo em harmonia com os princípios inscritos na Lei Maior do país.  

A verdade é que as escolas são frequentadas por filhos das pessoas que elegem os representantes políticos, exatamente estes que tentam implantar mentalidades retrógrada de afastamento de Deus das pessoas, como regra nefasta e contrária aos bons costumes e à tradição brasileiras.

À toda evidência, essa tentativa de mudança de comportamento agride radicalmente as salutares práticas que contribuem para a consolidação positiva de bons hábitos de convivência social, que precisam, ao contrário, ser apoiados e estimulados, por resultarem em propósitos benfazejos para as pessoas.

Com esse entendimento, concito que a sociedade diretamente atingida por essa absurda forma de violência aos costumes, reaja e se mobilize por meio de movimentos de protestos, deixando claro que não concorda com nenhuma intromissão com vistas à tentativa de deformidade na prática de hábitos que levam à formação do bem, sem qualquer interferência na consciência de quem pensar diferentemente, porque tudo que vem de Deus só converge para o amor e a paz, conforme as lições aprendidas na vida.

Brasília, em 18 de março de 2023

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