Um grupo de generais da reserva do Exército, que
atingiram o posto máximo da hierarquia militar, todos eles com reconhecido prestígio
na participação ou no comando do regime militar, compreendido o período entre
1964 a 1985, divulgou, no final de setembro último, manifesto de repúdio ao
ministro da Defesa, a par de fazer duras críticas à atuação da Comissão
Nacional da Verdade, com esclarecimentos de que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica
não devem qualquer pedido de desculpas pelos crimes cometidos no aludido
regime.
Eles disseram que "Abominamos peremptoriamente a recente declaração do senhor ministro da
Defesa à Comissão Nacional da Verdade de que as Forças Armadas aprovaram e
praticaram atos que violaram direitos humanos no período militar".
Trata-se de manifesto em resposta a ofício
encaminhado pelo ministro da Defesa à Comissão Nacional da Verdade, admitindo
pela primeira vez que as Forças Armadas não têm condições de negar a ocorrência
de mortes, torturas e desaparecimentos durante a ditadura, tendo por base
ofícios dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que disseram que
não dispõem de provas para afirmar ou negar fatos como a ocorrência de crimes e
assassinatos em unidades militares.
Por seu turno, os membros da mencionada comissão
consideraram insuficiente a manifestação das Forças Armadas.
O manifesto diz que a violência no período da
ditadura partiu da esquerda armada, nestes termos: "Vivíamos uma época de conflitos fratricidas, na qual erros foram
cometidos pelos dois lados".
Os militares ressaltam que a citada comissão
"açula" as Forças Armadas ao investigar somente os crimes cometidos
pelo Estado e que "Temos orgulho do
passado e do presente de nossas Forças Armadas. Se houver pedido de desculpas
será por parte do ministro. Do Exército de Caxias não virão! Nós sempre
externaremos a nossa convicção de que salvamos o Brasil!".
Com relação ao manifesto dos generais, a presidente
da República afirmou que haverá posicionamento do Estado brasileiro, sem dar
detalhes, e que "Acredito piamente
na democracia. Acredito que as leis em um Estado democrático de direito são
para serem cumpridas. Quem não quiser pedir, não peça. Agora, haverá um
posicionamento do Estado brasileiro. Quando a lei (que criou a Comissão da
Verdade) foi aprovada, estavam todos os
ex-presidentes do período democrático. Permito-me não responder a essa
pergunta, só dizer que vivemos em uma democracia e as leis serão sempre
cumpridas".
A presidente não tem razão quando afirma que as serão sempre
cumpridas, a começar por essa que criou a comissão em apreço, porquanto, conforme
dispõe o seu art. 1o, a finalidade do seu trabalho se destina
ao exame e ao esclarecimento das graves violações de direitos humanos
praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (entre 1964 a 1985), a fim de efetivar o direito à memória e à
verdade histórica e promover a reconciliação nacional, ou seja, o texto legal
não exclui as graves violações de direitos humanos e as barbáries
protagonizadas pelos terroristas, guerrilheiros e afins, fato que contraria
frontalmente a declaração da mandatária do país, que afirmou, ipsis litteris: “Acredito que as leis em um
Estado Democrático de Direito são para serem cumpridas”.
No caso, a presidente comete crime de
responsabilidade por sancionar a lei e não exigir, como é do seu dever, o fiel cumprimento
da norma jurídica, na extensão de seus termos, como forma de produzir os fins
colimados de revelar a verdade, doa quem doer, porque realmente, no Estado
Democrático de Direito, não se pode ficar todo tempo enganando a sociedade com
meias verdades e meias mentiras, como nesse caso, em que os crimes dos
opositores ao regime militar sequer foram levantados e jamais serão abordados
ou relatados, ficando a mácula do descumprimento da lei de regência, cujo
resultado das investigações, ao contrário do espírito da lei, teve o condão de
apenas promover desarmonizar no seio onde já se encontrava reconciliado.
Caso houvesse realmente o cumprimento das leis
neste país, principalmente pelos juristas que compõem a mencionada comissão, o
exame e o esclarecimento sobre as graves violações de direitos humanos
abrangeriam necessariamente os crimes perpetrados pelos terroristas, guerrilheiros,
assaltantes, sequestradores e assassinos, não os protegendo como se fossem
heroicos defensores senão da implantação no país do tenebroso e temível regime
comunista, porém eles ficaram incólumes, como se seus horrendos crimes não
integrassem a parte triste da história que abrangeu o regime militar.
A situação configurada pela citada comissão, além
de evidenciar brutal discriminação contra os militares das Forças Armadas, por
somente apurar casos envolvendo-os, deixando de fora as violações igualmente
recrimináveis dos terroristas e assemelhados, o que motiva a justa insatisfação
não somente dos militares, mas, sobretudo, da sociedade, que não entende as
razões pelas quais, em pleno século XXI, com os avanços da humanidade, ainda
existam mentalidades atreladas visivelmente ao revanchismo e ao revide, como se
isso contribuísse para mudar a verdade sobre os acontecimentos, que foram
lamentáveis, mas ninguém tem o direito de omiti-los sem justificativa
plausível, apenas na tentativa de acobertar a culpa dos terroristas e
assemelhados por seus violentos crimes.
Os brasileiros têm o dever cívico de repudiar, com
veemência, a parcialidade intencional, em claro arrepio da norma insculpida na
lei de regência, por apenas haver apuração e esclarecimento sobre os fatos
envolvendo os militares das Forças Armadas, quando o correto teria sido o
cumprimento integral do dispositivo legal, que estabelece a sua abrangência no
período de 1964 a 1985, não fazendo exceção às graves violações de direitos humanos praticadas, nesse período,
por quem quer que seja, muito menos os facínoras terroristas, que têm parcela
de culpa pelos graves crimes cometidos contra a sociedade, os quais não
poderiam ficar sob a omissão do Estado, porque isso denuncia, de forma
cristalina, a falta de seriedade e de dignidade das autoridades responsáveis
pelas questionáveis apurações. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 30 de outubro de 2014
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