quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Benefício sem o devido direito?

O Tribunal de Contas da União – TCU afirmou, por meio de relatório sistêmico da assistência social no Brasil, ter identificado erros “como a autodeclaração dos dados da renda e o não cruzamento dos dados com outras bases” no fornecimento do benefício do Bolsa Família. Nesse trabalho de auditoria, o órgão de controle externo aponta “fragilidade” na execução dos programas sociais do governo, em especial do Bolsa Família, cujos elementos levantados no âmbito desse programa de transferência de renda sinalizavam para o “risco de pessoas estarem recebendo o benefício sem o devido direito”.
Contrapondo às afirmações do TCU, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome criticou duramente as conclusões em apreço, tendo classificado que as falhas e impropriedades apontadas pelo tribunal de contas são o resultado da “ignorância dos técnicos sobre os critérios internacionais de mensuração de pobreza”.
 Por sua vez, o presidente do TCU, acompanhado pelos ministros da corte, rebateu, imediatamente, as críticas do ministério, afirmando que elas representam manifestação “incivil, indelicada e desrespeitosa” ao tribunal de contas e também ao corpo técnico do órgão, creditando a nota “apressada e impensada” do ministério ao possível efeito eleitoral das falhas apontadas no relatório. Ele ressaltou que “Não houve qualquer equívoco, ignorância ou preconceito com a análise produzida pela mais alta corte de contas do país. Cabe registrar o inconformismo e o repúdio às difamações que atacaram a honra desta casa”. 
O TCU também identificou falhas nos cadastros dos Centros de Referência de Assistência Social e nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, indicando “deficiência no controle e gestão de riscos, baixo nível de eficiência dos Cras e dos Creas e baixo nível de vigilância socioassistencial da Rede Suas (Sistema Nacional de Informação do Sistema Único de Assistência Social)”. 
Em conclusão, o tribunal recomendou ao aludido ministério a realização de estudos para promover e incentivar a “emancipação dos beneficiários do programa Bolsa Família, assim como incentivar os Cras e os Creas a buscarem maior eficiência de atuação”.
 As declarações do Executivo evidenciam não somente o baixo nível e o despreparo das autoridades para contestar a realidade dos fatos, mas também a estupidez que jamais o órgão fiscalizado deveria utilizar como argumento para tentar justificar suas notórias deficiências quanto à execução do programa em causa, que é consabido que a sua eficiência somente é incontestável no que diz respeito à obtenção dos objetivos almejados pelo governo, qual seja, a fidelidade dos eleitores à candidata oficial, que pode contar com a maciça preferência dos votos dos beneficiários do programa em apreço.
No que tange à administração propriamente dita desse programa, já não há mais dúvidas de que os controles governamentais são deficitários e preocupantes, principalmente pela existência de beneficiários que não satisfazem os requisitos legais exigidos para a renda mínima da família. Ocorre que não somente o TCU, mas a Controladoria Geral da União, que integra o Executivo, na qualidade de principal órgão de controle interno, já vem fazendo sérias críticas à precária e deficiente aplicação dos recursos destinados ao programa Bolsa Família, tendo apontado terríveis e inacreditáveis falhas no cadastramento dos beneficiários, como a inclusão de políticos e servidores públicos, inclusive familiares deles, comerciantes, empresários e outras pessoas cujas rendas familiares são incompatíveis com as exigências legais previstas no programa, entre outras mazelas oriundas da falta de controle e fiscalização da incumbência do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 
Não obstante, não é novidade que o governo se insurja contra aqueles que ousem contestar suas políticas, ainda mais na execução do Bolsa Família, que é a sua mina de ouro, que não admite a mínima crítica, nem mesmo do principal órgão de controle externo, que tem competência constitucional e legal para verificar a regularidade das despesas realizadas não somente por esse programa, mas pelas despesas públicas, podendo fazer as recomendações necessárias ao saneamento das impropriedades constatadas, com vistas ao aperfeiçoamento do funcionamento dos programas de governo, de modo a se evitarem desperdícios de recursos públicos, que parece não ser exatamente esse o objetivo do governo, que demonstrou, com suas infundadas e injustas críticas, total insatisfação às importantes colaborações do TCU, que nada fez do que cumprir, com eficiência e eficácia, a sua competência constitucional e legal de alertar os órgãos sobre os fatos levantados no curso do seu trabalho de controle.
Convém que a administração pública se consciente, com urgência, sobre a necessidade de se aperfeiçoar e evoluir os mecanismos de controle interno da sua incumbência, como forma de aprimorar a gestão pública, evitando injustas, estapafúrdias e destemperadas críticas ao órgão de controle externo que tem o dever constitucional e legal de zelar pela eficiência e eficácia da aplicação dos recursos públicos. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 08 de outubro de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário