sábado, 25 de outubro de 2014

Desprezo à sociedade e às instituições


Segundo o jornal “Folha de S. Paulo”, o governo resolveu adiar a divulgação de dados estatísticos pertinentes às áreas de economia, educação, meio ambiente e combate à pobreza, que seriam ruins sob o ponto de vista eleitoral para a candidata à reeleição.

Essa maneira de manipulação dos atos administrativos, que não chega a ser novidade nesse governo, tem o nome exato de desrespeito à sociedade e mais especificamente ao eleitor, que tem o direito de conhecer o resultado das ações e das políticas públicas, que são retratadas nas informações dos órgãos públicos especializados, tendo por finalidade, se for o caso, a tomada de decisão sobre o seu voto.

Nos casos específicos, o eleitor, responsável pela manutenção da máquina pública, fato ignorado pelo governo, tem o direito de saber o desempenho da arrecadação de tributos, o controle ou não sobre o desmatamento, o nível da qualidade sobre o ensino no país e a situação da assistência à pobreza.

Além de afronta ao cidadão, o adiamento em comento constitui desprezo às instituições técnicas do governo, que ficam impedidas de divulgar seus trabalhos, com sede na sua missão legal, pasmem, para atendimento das conveniências eleitorais do partido no poder, que não tem o menor pudor de desrespeitar os direitos dos cidadãos, que, inexplicavelmente, não reclamam de mais uma descarada deformidade da administração do país.

No passado, o então ministro da Fazenda durante a campanha eleitoral de 1994, quando defendia a candidatura do presidente da República e o Plano Real, disse, in verbis: ”Não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura. O que é ruim a gente esconde”, ou seja, a péssima lição foi aprendida muito bem pelos maus políticos, que não têm o menor escrúpulo em aplicá-la, mas pelo jeitinho brasileiro em proveito próprio, mesmo sabendo que isso é desonestidade e falta de dignidade no cumprimento de cargo público eletivo.

Por incrível que possa parecer, essa forma de escamotear a verdade dos fatos não constitui novidade, em se tratando de governo que se considera o mais ético de todos os governos do mundo, mas não resiste às minúsculas denúncias de irregularidade, por isso ter sido a tônica da sua gestão.

Considerando que os levantamentos em apreço são habitualmente divulgados sempre em período programado, o seu adiantamento agora, em face da coincidência com o período eleitoral, fica evidente que se trata de burla grave ao direito do cidadão e denuncia contra os princípios éticos e da dignidade que jamais deveriam se distanciar da administração pública, não importando o motivo alegado, haja vista que, nos casos de divulgação dos atos da incumbência do Estado devem-se atentar primacialmente para o atendimento do interesse da sociedade, que incumbe manter o serviço público.

          Em hipótese alguma, muito menos no período eleitoral, onde a lisura se impõe com mais intensidade, por questão de princípios, o serviço público não pode interromper seu trabalho ou deixar de cumprir sua missão constitucional e legal, muito menos para beneficiar indevida e deliberadamente a candidata oficial, que certamente seria prejudicada com os maus resultados nada alentadores objeto dos dados estatísticos em apreço.

          Isso constitui mais um fato, entre tantos, inadmissível e indigno da atual gestão, que, mesmo assim, ainda se vangloria quando anuncia os resultados auspiciosos, que ultimamente têm sido raros, mas deixa de divulgar exatamente os resultados que podem prejudicar a imagem do governo e o desempenho eleitoral da candidata à reeleição.

          Não há dúvida de que esse lamentável acontecimento veio em boa hora, exatamente para mostrar uma das verdadeiras faces do governo, que é justamente de não ter compromisso com a verdade dos fatos, uma vez que a omissão foi feita de propósito, para esconder resultados negativos sobre o seu desempenho, contrariando os salutares princípios constitucionais da transparência e da legalidade.

Causa perplexidade que, em pleno século XXI, ainda exista governo que não se preocupe em cumprir, com fidelidade, a sua função de regência constitucional, quanto à obrigação de executar com rigor as tarefas de rotina legalmente previstas, independentemente de qualquer circunstância alheia a elas, como no caso em referência, em que seria desvantajoso para o governo que os fatos não muito animadores fossem publicados agora, antes da eleição do seu interesse.

Na verdade, para o bom entendedor, fica muito claro que, se o governo não estivesse na disputa presidencial, os resultados poderiam ser divulgados normalmente, fato que caracteriza grave anomalia ética e de consciência antidemocrática, para os padrões de modernidade que se vislumbram para a administração do país.

A sociedade tem obrigação, cívica e patriótica, não somente de avaliar, com urgência e isenção, mas de repudiar essa inaceitável deformação intencional de o governo deixar de cumprir seu dever constitucional e legal de prestar contas de seus atos administrativos, consistentes na prestação de importantes informações à população, sob o evidente prejuízo ao seu desempenho, fato que seria ridicularizado e inadmissível nos países com o mínimo de seriedade. Acorda, Brasil!
 

ANTONIO ADALMIR FERNANDES

 
          Brasília, em 24 de outubro de 2014

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