O
procurador-geral da República afirmou que a Lava-Jato teve papel relevante na
história brasileira, mas, segundo ele, “deu lugar a uma hipertrofia” e que
ele “ainda busca transparência do Ministério Público Federal e apontou que a
unidade de Curitiba tem 350 terabytes de informações e dados de 38 mil pessoas.
Ninguém sabe como foram escolhidos, quais os critérios. Não se pode imaginar
que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos".
O
procurador-geral da República afirmou ainda que “é hora de corrigir rumos
para que o lavajatismo não perdure”, além de ter se referido sobre a existência
de “caixa de segredos da operação.”.
O
ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e ex-juiz da Operação Lava-Jato, em
Curitiba, Paraná, afirmou que “desconhece segredos ilícitos da operação que
comandou por mais de quatro anos, destacando que a mesma sempre foi
transparente e teve decisões confirmadas por tribunais superiores.”.
Além
do ex-juiz da Lava-Jato, um procurador integrante da força-tarefa dessa operação,
em Curitiba, também reagiu às falas do chefe do Ministério Público Federal, ao dizer
que “transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo
presidente Jair Bolsonaro”, eis que ele foi o primeiro indicado à chefia do
MPF, em 16 anos, que não constava em lista tríplice formulada em votação entre
procuradores.
Na
verdade, existe atrito de entendimento entre procuradores federais e a cúpula
da PGR, que teve como estopim a diligência promovida por uma subprocuradora, servidora
da confiança do procurador-geral, para buscar informações da força-tarefa da
operação, em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, sem a apresentação de qualquer
motivação plausível para justificá-la, segundo os relatos.
Não
obstante, o presidente do Supremo Tribunal Federal determinou às referidas forças-tarefa
que apresentassem dados e informações da operação à Procuradoria Geral da
República.
Em
outra linha de ação, a Procuradoria Geral da República pretende criar a Unidade
Nacional Anticorrupção (Unac), para a centralização, em Brasília, do controle
de operações que passará para a administração das bases de dados das
forças-tarefa para uma secretaria ligada diretamente à Procuradoria.
O
relator dessa proposta, a cargo de um subprocurador, disse ao Estadão ser
contra o compartilhamento irrestrito de dados da Lava-Jato com a Procuradoria Geral
da República.
O
ex-juiz da Lava-Jato já fez críticas às manifestações do procurador-geral sobre
a força-tarefa, defendendo a “autonomia funcional” e indicando que falta
apoio da cúpula da Procuradoria Geral da República ao trabalho dos
procuradores.
Ele
disse ao Estadão que "Não entendo essa lógica do revisionismo, como se
a Lava-Jato não representou algo extremamente positivo, que foi uma grande
vitória contra a impunidade da grande corrupção. Quem ataca a Lava-Jato hoje eu
sinceramente não entendo bem onde quer chegar".
Em
entrevista recente, prestada ao jornal britânico Financial Times, o ex-juiz disse que o atual “governo
usou sua presença na equipe ministerial como desculpa para demonstrar que
medidas anticorrupção estariam sendo tomadas”, mas ele “não estava
fazendo muito e que esta agenda tem sofrido reveses desde 2018, quando
Bolsonaro se elegeu.”.
À
toda evidência, nem precisa muito esforço para sentir a brutal diferença da atuação
da Operação Lava-Jato, entre os períodos sob o comando do então juiz e depois
dele, para se notar que os resultados auferidos em ambos demonstram enormes
antagonismos, quando, no primeiro caso, havia verdadeira avalanche de operações
em buscas de dados, apreensões e decisões sobre prisão de delinquentes,
enquanto depois da saída dele da chefia da operação, dificilmente se fala sobre
a efetividade das medidas adotadas por ela, o que bem evidencia a qualidade do
trabalho produzido nos citados períodos.
Não
se pretende, em absoluto, se atribuir culpa a quem quer que seja, muito menos
ao governo, mas não se pode negar que ele, ao contrário, se mostra
completamente diferente dos tempos da efervescência da campanha eleitoral,
quando defendia, com muito fervor, os trabalhos da Operação Lava-Jato, com a
promessa de colocar os corruptos na cadeia.
Tudo
isso era verdade, tanto que o presidente eleito escolheu nada mais, nada menos,
o então juiz que presidia a competente operação para ser a estrela do seu
governo, que perdeu seu brilho e se atrofiou depois que os filhos dele se
envolveram em casinhos carentes de investigação sobre fatos que ainda carecem
de maiores esclarecimentos, cujos imbróglios contribuíram para o total
arrefecimento do ímpeto de purificação da administração pública, ante os casos
de corrupção.
É
fato que o então implacável juiz fez a opção de sair do governo, por vontade
própria, não tendo realizado quase nada contra a corrupção e a impunidade, e
ainda viu a nomeação do procurador-geral da República, pessoa da simpatia do
presidente do país, que agora tenta e certamente conseguirá desestruturar as unidades
da força-tarefa junto aos trabalhos pertinentes à Operação Lava-Jato, tudo em
harmonia com o atual sentimento avesso à efetividade das ações de combate à
corrupção, que até pode não haver tanto quanto no passado, mas os casos já
levantados e ainda em pleno estágio de apuração merecem os maiores apoios, em
termos estratégicos e operacionais.
Não
há a menor dúvida de que os movimentos em sentido contrario ao fortalecimento
da Operação Lava-Jato, como no caso liderado pelo procurador-geral da República,
que pensa em enfraquecer por completo os trabalhos das unidades do Ministério Público
Federal junto a essa operação, sem indicar um motivo concreto para justificar o
esfacelamento das suas estruturas, senão o deliberado desejo de contribuir com
o encerramento de trabalho da maior importância de combate à corrupção e à
impunidade jamais visto na história do Brasil, dando a entender a clara
importância ao ressurgimento da bandidagem e dos criminosos de colarinho
branco, algo extremamente deprimente para o interesse público, ante os belos
exemplos dados pelo então juiz que ensinou à Justiça brasileira como lidar com
os aproveitadores de recursos públicos.
Causa
perplexidade o procurador-geral da República falar em desenvolvimento anormal
da Operação Lava-Jato, sem apontar exatamente em que sentido, ou seja, sem que
ele indique precisamente a causa dessa hipertrofia, que ensejou a sua
inexplicável interferência nas unidades que vêm exercendo a sua missão institucional,
com reconhecida competência, salvo, ao que tudo indica, com vistas à mudança na
sua maneira de atuação, que pode servir para facilitar a atuação de quem se
sente acuado na sistemática atual de investigação da força-tarefa, que não dá
trégua à criminalidade.
Enfim, os brasileiros honrados, que se acostumaram a aplaudir as exemplares ações desempenhadas pela antiga Operação Lava-Jato, podem ir se adaptando com a nova e contemporânea mentalidade das autoridades públicas incumbidas de zelar pela coisa pública, à vista da evidenciação de seus interesses de silêncio e omissão, em forma de contemplação no sentido de que nada mais possa ser objeto de investigações, pelo menos nos moldes daquelas tão bem realizadas de implacabilidade do passado, conforme o desejo da implantação de nova filosofia de controle, diante da clara censura ao que foi feito anteriormente com bastante sucesso. Brasília, em 31 de julho de 2020