sexta-feira, 31 de julho de 2020

A quem interessa?

O procurador-geral da República afirmou que a Lava-Jato teve papel relevante na história brasileira, mas, segundo ele, “deu lugar a uma hipertrofia” e que ele “ainda busca transparência do Ministério Público Federal e apontou que a unidade de Curitiba tem 350 terabytes de informações e dados de 38 mil pessoas. Ninguém sabe como foram escolhidos, quais os critérios. Não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos".  

O procurador-geral da República afirmou ainda que “é hora de corrigir rumos para que o lavajatismo não perdure”, além de ter se referido sobre a existência de “caixa de segredos da operação.”.

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e ex-juiz da Operação Lava-Jato, em Curitiba, Paraná, afirmou que “desconhece segredos ilícitos da operação que comandou por mais de quatro anos, destacando que a mesma sempre foi transparente e teve decisões confirmadas por tribunais superiores.”.

Além do ex-juiz da Lava-Jato, um procurador integrante da força-tarefa dessa operação, em Curitiba, também reagiu às falas do chefe do Ministério Público Federal, ao dizer que “transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Jair Bolsonaro”, eis que ele foi o primeiro indicado à chefia do MPF, em 16 anos, que não constava em lista tríplice formulada em votação entre procuradores.

Na verdade, existe atrito de entendimento entre procuradores federais e a cúpula da PGR, que teve como estopim a diligência promovida por uma subprocuradora, servidora da confiança do procurador-geral, para buscar informações da força-tarefa da operação, em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, sem a apresentação de qualquer motivação plausível para justificá-la, segundo os relatos.

Não obstante, o presidente do Supremo Tribunal Federal determinou às referidas forças-tarefa que apresentassem dados e informações da operação à Procuradoria Geral da República.

Em outra linha de ação, a Procuradoria Geral da República pretende criar a Unidade Nacional Anticorrupção (Unac), para a centralização, em Brasília, do controle de operações que passará para a administração das bases de dados das forças-tarefa para uma secretaria ligada diretamente  à Procuradoria.

O relator dessa proposta, a cargo de um subprocurador, disse ao Estadão ser contra o compartilhamento irrestrito de dados da Lava-Jato com a Procuradoria Geral da República.

O ex-juiz da Lava-Jato já fez críticas às manifestações do procurador-geral sobre a força-tarefa, defendendo a “autonomia funcional” e indicando que falta apoio da cúpula da Procuradoria Geral da República ao trabalho dos procuradores.

Ele disse ao Estadão que "Não entendo essa lógica do revisionismo, como se a Lava-Jato não representou algo extremamente positivo, que foi uma grande vitória contra a impunidade da grande corrupção. Quem ataca a Lava-Jato hoje eu sinceramente não entendo bem onde quer chegar".

Em entrevista recente, prestada ao jornal britânico Financial Times, o ex-juiz disse que o atual “governo usou sua presença na equipe ministerial como desculpa para demonstrar que medidas anticorrupção estariam sendo tomadas”, mas ele “não estava fazendo muito e que esta agenda tem sofrido reveses desde 2018, quando Bolsonaro se elegeu.”.

À toda evidência, nem precisa muito esforço para sentir a brutal diferença da atuação da Operação Lava-Jato, entre os períodos sob o comando do então juiz e depois dele, para se notar que os resultados auferidos em ambos demonstram enormes antagonismos, quando, no primeiro caso, havia verdadeira avalanche de operações em buscas de dados, apreensões e decisões sobre prisão de delinquentes, enquanto depois da saída dele da chefia da operação, dificilmente se fala sobre a efetividade das medidas adotadas por ela, o que bem evidencia a qualidade do trabalho produzido nos citados períodos.

Não se pretende, em absoluto, se atribuir culpa a quem quer que seja, muito menos ao governo, mas não se pode negar que ele, ao contrário, se mostra completamente diferente dos tempos da efervescência da campanha eleitoral, quando defendia, com muito fervor, os trabalhos da Operação Lava-Jato, com a promessa de colocar os corruptos na cadeia.

Tudo isso era verdade, tanto que o presidente eleito escolheu nada mais, nada menos, o então juiz que presidia a competente operação para ser a estrela do seu governo, que perdeu seu brilho e se atrofiou depois que os filhos dele se envolveram em casinhos carentes de investigação sobre fatos que ainda carecem de maiores esclarecimentos, cujos imbróglios contribuíram para o total arrefecimento do ímpeto de purificação da administração pública, ante os casos de corrupção.

É fato que o então implacável juiz fez a opção de sair do governo, por vontade própria, não tendo realizado quase nada contra a corrupção e a impunidade, e ainda viu a nomeação do procurador-geral da República, pessoa da simpatia do presidente do país, que agora tenta e certamente conseguirá desestruturar as unidades da força-tarefa junto aos trabalhos pertinentes à Operação Lava-Jato, tudo em harmonia com o atual sentimento avesso à efetividade das ações de combate à corrupção, que até pode não haver tanto quanto no passado, mas os casos já levantados e ainda em pleno estágio de apuração merecem os maiores apoios, em termos estratégicos e operacionais.

Não há a menor dúvida de que os movimentos em sentido contrario ao fortalecimento da Operação Lava-Jato, como no caso liderado pelo procurador-geral da República, que pensa em enfraquecer por completo os trabalhos das unidades do Ministério Público Federal junto a essa operação, sem indicar um motivo concreto para justificar o esfacelamento das suas estruturas, senão o deliberado desejo de contribuir com o encerramento de trabalho da maior importância de combate à corrupção e à impunidade jamais visto na história do Brasil, dando a entender a clara importância ao ressurgimento da bandidagem e dos criminosos de colarinho branco, algo extremamente deprimente para o interesse público, ante os belos exemplos dados pelo então juiz que ensinou à Justiça brasileira como lidar com os aproveitadores de recursos públicos.

Causa perplexidade o procurador-geral da República falar em desenvolvimento anormal da Operação Lava-Jato, sem apontar exatamente em que sentido, ou seja, sem que ele indique precisamente a causa dessa hipertrofia, que ensejou a sua inexplicável interferência nas unidades que vêm exercendo a sua missão institucional, com reconhecida competência, salvo, ao que tudo indica, com vistas à mudança na sua maneira de atuação, que pode servir para facilitar a atuação de quem se sente acuado na sistemática atual de investigação da força-tarefa, que não dá trégua à criminalidade.

Enfim, os brasileiros honrados, que se acostumaram a aplaudir as exemplares ações desempenhadas pela antiga Operação Lava-Jato, podem ir se adaptando com a nova e contemporânea mentalidade das autoridades públicas incumbidas de zelar pela coisa pública, à vista da evidenciação de seus interesses de silêncio e omissão, em forma de contemplação no sentido de que nada mais possa ser objeto de investigações, pelo menos nos moldes daquelas tão bem realizadas de implacabilidade do passado, conforme o desejo da implantação de nova filosofia de controle, diante da clara censura ao que foi feito anteriormente com bastante sucesso.             Brasília, em 31 de julho de 2020

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