sexta-feira, 17 de julho de 2020

Tremenda calamidade pública


Diante de crônica que escrevi versando sobre políticas do governo com relação ao combate à pandemia do coronavírus, um nobre conterrâneo de Uiraúna, Paraíba, destemido defensor do uso da cloroquina pelos infectados pelo Covid-19, depois de citar casos de estudos e aplicação dessa droga, conclui que “(...) que Bolsonaro tinha razão em defender desde o início da pandemia a inclusão do cloroquina no tratamento dessa doença (...).”.
Em outro tópico, o ilustre defensor das políticas do governo afirmou que “Agora a pouco li também que até a OMS está querendo novamente fazer estudos mais preciso sobre a cloroquina quando no nosso país já temos evidências quase que em todas as partes que o medicamento é satisfatório dependendo da administração do paciente! Vejo com absurdo o que querem fazer com o nosso presidente, inclusive, maliciosamente não o deixam trabalhar...”.
É preciso ficar muito claro que, como não tenho elementos de convicção, nunca desacreditei na possível eficácia da cloroquina, tendo o cuidado de analisar os fatos sob o prisma das notícias publicadas na imprensa, sempre indicando as fontes, mas tenho sido severo na forma atrapalhada como esse assunto vem sendo conduzido pelo presidente da República, que, ao que se sabe, ele não deveria politizar a questão pertinente às medidas de combate ao coronavírus, quando elas deveriam ser cuidadas por ministro com competência comprovada na área da medicina, mas, infelizmente, isso também não tem sido possível.
Ou seja, não é à toa que o Brasil tem se mostrado, para o mundo, verdadeiro desastre no enfrentamento dessa terrível pandemia, de modo que, agora, já é o segundo país em números de mortes e infectados, à vista dos dados estatísticos que demonstram o retrato fiel da incompetência governamental para cuidar da saúde pública, mas ainda bem que a culpa, como se fosse momento para isso, é dos governadores e dos prefeitos, que se rebelaram contra as sábias experiências presidenciais, que tem sido péssimo exemplo como líder da nação, no enfrentamento de tão gravíssima crise de saúde pública.
Não há a menor dúvida de que é preciso analisar os fatos não à luz da mera emoção, como muitos fazem, principalmente nesse caso do coronavírus, que poucas medidas tenham sido tomadas de forma racional e eficiente, com base em norma escrita e estudada sobre o problema específico, o que só demonstra clara incompetência generalizada e prejudicial à população, porque certamente muitas vidas poderiam ter sido preservadas se o governo tivesse se preparado para cuidar de todos os casos com base em estudos e normas devidamente apropriados, caso a caso e quando assim fosse necessário.  
Penso que não é o caso de se dizer quem está com a razão ou quem está errado, mas sim de se avaliar o motivo pelo qual o governo não cuidou da pandemia com as devidas competência e eficiência, de maneira racional e integrada, de modo que os governos federal, governamental e municipal se convergissem com o mesmo propósito, tendo a liderança central do presidente da República e a distribuição de encargos entre os demais entes da federação, com a finalidade de haver harmonia entre os governos, em face de interesses e responsabilidades comuns na proteção de vidas humanas.
          Vejam-se que o presidente brasileiro defende a prescrição de remédio para doença que ainda não tem a eficácia comprovada por quem tem competência para se pronunciar definitivamente sobre isso, a despeito de muitos casos de recuperação de doentes mundo afora, inclusive no Brasil, de gente do nosso conhecimento, mas isso não significa que o presidente tem razão em mandar administrar remédio que ele não tem conhecimentos científicos para respaldar uma loucura nesse sentido.
O muito que ele poderia fazer era constituir comissão de especialistas da área médica específica para a produção de estudos pertinentes, de modo que não restasse dúvida quanto à melhor medida a ser adotada, por meio da cloroquina ou de outras drogas.
Quero deixar claro que não sou contra o protocolo indicado para a hidroxicloroquina, mesmo porque não tenho conhecimento de nada sobre remédios nem de medicina, entendo que o uso dessa droga é alternativa válida, à falta de outra segura.
É preciso se ressaltar, a bem da verdade, que a maneira como o presidente determina que seja aplicada a cloroquina, à moda política, isso não se procede nem nas piores republiquetas, que devem respeitar os princípios fundamentais da ciência e da medicina.
Convém se compreender que se trata de questão de origem científica e não política nem administrativa, e que assim deve ser tratado o assunto com o devido cuidado, em termos de responsabilidades médicas.
É importante se sublinhar que, se o assunto não fosse tão nebuloso, dois médicos ministros não tinham pulado do barco, mas teriam assumido normalmente a responsabilidade de introduzir o protocolo no tratamento do Covid-19.
É preciso que as pessoas sensatas entendam que ninguém é contra que o presidente do país trabalhe, mas é preciso que ele o faça sob a égide da racionalidade, da competência e da responsabilidade gerencial, procurando se integrar o mais rapidamente, na qualidade de coordenador e líder, à equipe incumbida do combate à pandemia do novo coronavírus, que se encontra tão degenerada que o ministro da área é especialista em intendência do Exército, assessorado por batalhão de militares, o que só demonstra a enorme irresponsabilidade perante a extrema gravidade da situação que grassa na saúde pública brasileira.
Caso houvesse algum interesse do presidente para a questão da saúde pública, à vista da gravidade do momento dos assuntos prevalecentes nessa área, o Ministério da Saúde seria chefiado por médico renomado, experiente e respeitado por sua classe, de modo que ele tivesse condições de se posicionar com as devidas competência e autoridade sobre todas as questões de saúde pública, como fazem normalmente os países evoluídos, em termos da saúde da população.
A situação brasileira, na saúde pública, foi simplesmente relegada a planos secundários, principalmente porque os médicos responsáveis e de caráter não são moleques de recados para cumprirem as ordens do capitão, quando se está em jogo é a vida dos brasileiros, que vem sendo cuidada ao bel-prazer de quem não entende patavina de saúde pública e não concorda com o trabalho de quem milita na área da medicina.
No meu modesto entendimento, esse desejo de se deixar o presidente trabalhar não combina muito com a vontade dos brasileiros que pensam sim em trabalho produtivo, eficiente e responsável, cujos resultados possam ser traduzidos em demonstração de efetividade, o que não acontece com a saúde pública, que, depois da aprovação da implantação da cloroquina, nada mais foi feito, em termos preventivos da saúde pública, como se o ministério tivesse fechado para balanço, quando existe muita coisa para ser cuidada e normatizada, principalmente no que diz respeito ao isolamento social e outras políticas de orientação aos brasileiros.
Enfim, o Brasil, em termos de saúde pública, está na contramão do resto do mundo, em termos de prioridade, apenas, infelizmente, cuidando de enterrar milhares  de mortos acometidos pela doença do Covid-19, que já ultrapassam de 75 mil vítimas, fato este que pode ser considerado verdadeira calamidade pública. 
          Brasília, em 17 de julho de 2020  

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