quinta-feira, 2 de julho de 2020

Declaração de irresponsabilidade


Circula na mídia notícia de que o prefeito de Itabuna, Bahia, teria causado enorme polêmica, ao confirmar a flexibilização do comércio do município, para a próxima semana, sob o argumento de que a autorização do funcionamento dos estabelecimentos comerciais será permitida mesmo que “morra quem morrer”.  
O polêmico prefeito disse, ipsis litteris: “Primeiro lutar pela vida, a vida é uma só. Morrer acabou. Não tem fortuna, não tem pobreza, não tem falência, não tem nada. Não posso abrir uma coisa que não tenho cobertura. Na há dúvida, com os nossos morrendo por causa de um leito em Itabuna, vou transferir essa abertura. No dia 8, mandei já fazer o decreto, que no dia 9 abre morra quem morrer”.
Diante da repercussão negativa e das críticas ao prefeito, o chefe do Executivo de Itabuna disse que teria sido “mal interpretado e que está contrariado com a situação do comércio de Itabuna.”.
Há estimativa da prefeitura  da cidade que mais de 40 estabelecimentos comerciais do município não voltarão a funcionar após a pandemia, em razão da crise financeira.
O governador da Bahia disse "Falei com o prefeito de Itabuna essa semana. Ele estava predisposto a abrir o comércio. Pedi que não abrisse. Itabuna estava muito alto um mês atrás. Tomamos medidas drásticas, o índice caiu para 2%, mas voltou a crescer. O alimento do vírus é a convivência social. Você fecha, o vírus despenca, você abre, o vírus acelera. É matemática. Pedi que não abrisse essa semana, e ele não abriu. Mas ele tem se sentido pressionado, tem uma voz nacional que diz para abrir, que ganha apoio de comerciantes, com medo de quebrar. Sob pressão, as pessoas saem do ponto, perdem o equilíbrio. Falei come ele ontem, está no quinto mandato, tem quase 80 anos, me disse que nunca viveu uma situação como essa, que nunca se sentiu tão pressionado".
Na última semana, a previsão da prefeitura de Itabuna era colocar em prática a flexibilização das atividades comerciais a partir de 1º do  corrente mês, mas essa medida foi adiada diante da constatação de que o município registra 100% de ocupação dos leitos de UTI, para pacientes infectados pelo Covid-19.
Fora de dúvida, é criminosa a intenção do prefeito de Itabuna, porque ela, nas palavras dele, tem o sentido da premeditação, quando ele diz que vau adotar ato sabidamente prejudicial à população, ao confessar expressamente que “morra quem morrer”, dando a entender, desde logo, a sua presumida, clara e assumida culpa por ato extremamente irresponsável e prejudicial à vida humana.
Não se quer pensar em julgar nem condenar ninguém pelo desastre do pensamento infeliz sobre a desesperada defesa da salvação da economia, no âmbito municipal ou nacional, como se ela fosse o suprassumo da importância no campo da batalha contra a guerra enfrentada pelo mundo, em combate à pandemia do coronavírus.
Há de se convir que, se houvesse o mínimo de sensatez, inteligência, bom senso e racionalidade, de alguém em nível nacional, no sentido de melhor orientação quanto à importância da vida e dos cuidados para a priorização sobre a sua preservação, acompanhada dos devidos esclarecimentos de que a questão relacionada com o coronavírus pode ser resolvida posteriormente, com a devida calma, quando o principal embate em prol da vida for superado, certamente que, diante de medida nesse sentido, não se chagaria ao ponto de alguém imaginar acerca da liberação do comércio, mesmo que “morra quem morrer”, ou seja, trata-se, sabidamente, que a medida cogitada pode propiciar mortes.
À toda evidência, não se pode olvidar que é natural que a vida e as coisas que a cercam não podem simplesmente parar de funcionar, de vez, por causa de vírus que tem poder letal e é capaz de aterrorizar às pessoas, mas há evidência de notória insensibilidade se pretender ultrapassar os limites permitidos em seu respeito, por meio da liberdade de atividades que podem contrariar as normas de combate à disseminação dele, diante da possibilidade de implicação grave, em termos de saúde pública, cujos serviços médico-hospitalares não têm condições de arcar, de forma satisfatória e eficiente, com o tratamento dos infectados pelo Covid-19, que já superaram o limite das condições de assistência.
Na verdade, essa forma de gestão pública só demonstra o extremo da irresponsabilidade e do desprezo ao sentimento ao princípio humanitário, que tem prevalência sobre todas às demais questões, inclusive as de natureza econômica, que são importantes, mas não ao ponto de se tornar prioritária, como faz crê o polêmico prefeito da boa terra, que apenas, em demonstração de imprudência, resolve agir sem medir as consequências de seu ato, em especial se ele pode causa prejuízo à vida humana.
O homem público precisa agir segundo os princípios do bom senso e da racionalidade, de modo que o  seu pensamento político-administrativo possa estar em sintonia em perfeita sintonia com a vontade da população, quanto mais em se tratando desse caso da pandemia do coronavírus, em que a prudência é a principal arma para combatê-la.   
Nesse caso de grave crise social, que consiste na repercussão com ênfase na prestação prioritária da saúde pública, não se pode pensar na adoção de medidas destinadas à salvação da economia, que é precisamente o caso cogitado pelo prefeito em estado febril por alucinação, porque isso somente contribui para prejudicar seriamente a situação da saúde pública, com o crescimento descontrolado da disseminação do Covid-19, o vírus considerado muito perigoso e letal, tendo como possível consequência a exagerada perda de vidas humanas, que certamente não compensa ante a insignificante recuperação da economia.
É preciso haver muita tranquilidade por parte do gestor público, nestes momentos de instabilidade causados por situação de força-maior que se generalizou no planeta, que é o caso da atualidade, na sábia compreensão dos homens inteligentes e sensatos de que há muito tempo, no futuro, para se trabalhar e se recuperar as gigantescas perdas da economia, devastada por causa das medidas de combate à pandemia do coronavírus, conquanto, na verdade, o tempo é curtíssimo para se agir no sentido de se evitar perdas de preciosas vidas, que merecem todo e qualquer sacrifício da sociedade, em especial das autoridades públicas, para poupá-las, mesmo que, para isso, possam haver infinitos outros prejuízos materiais, inclusive financeiros, não importa,
Em tese, essa situação extremamente sensível e lastimável pode perfeitamente fazer parte do jogo, mas, por certo, esse mesmo entendimento jamais pode ser aplicado à vida humana, cujo único jogo que lhe convém, como aceitável, é aquele em que somente vale a pena se pensar grande e exclusivamente nas medidas capazes de preservá-la, independentemente de todas as perdas, inclusive econômicas, por mais desastrosas que sejam.
Convém que o administrador público se conscientize de que o exercício da sua incumbência gerencial precisa atentar para os conceitos de competência, eficiência e responsabilidade, sempre sob prevalência, de forma prioritariamente mesmo, do respeito aos princípios humanitários, de modo que os outros somente podem ser executados para a satisfação daqueles, sob pena de responsabilização, que parece ser o caso do prefeito que pretende liberar o funcionamento do comércio, mesmo sabendo que seu ato pode contribuir para a morte de pessoas.
          Brasília, em 2 de julho de 2020 

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