sábado, 25 de julho de 2020

Aderência perigosa


A Câmara de Vereadores de Uiraúna aprovou, por unanimidade, a abertura de crédito adicional, em atendimento à solicitação do prefeito da cidade, no valor de aproximadamente quinhentos e quarenta mil reais, que se destina, nos termos da justificativa municipal, à reforma do edifício sede da Secretaria Municipal de Saúde, cujo prédio, depois de renovado, passará a funcionar o que foi denominado de “Hospital Municipal de Uiraúna”.
Em análise mais fria sobre essa importante questão, as atenções da população se voltam, a partir de agora, para a efetiva suplência dos serviços inerentes à saúde pública, conforme o esperado por todos.
          A respeitável decisão em referência, sob a ótica de quem defendia a construção de hospital de verdade para Uiraúna, no entendimento de que o seu povo merece algo de qualidade bem superior ao projeto concebido pelo gestor público, que se mostra extremamente distanciado de unidade de saúde completa, moderna e bem equipada com múltiplas especialidades médicas, leitos suficientes à demanda, com materiais apropriados de ponta e compatíveis com os hospitais regionais públicos, para o atendimento normal da população, com precisão e qualidade.    
Não obstante, a aludida decisão, que é definitiva e soberana sobre a definição do hospital que merece o povo de Uiraúna, pode oferecer algumas importantes lições, sob a ótica da avaliação sobre as possíveis ilações, consequências e repercussões decorrentes do seu significado.
Em primeiro lugar, é possível se inferir, com base em dados concretos, que somente seja possível em Uiraúna, com todo respeito à perspicácia, à inteligência e à experiência dos homens públicos dessa cidade, se conceber as instalações adequadas para o funcionamento de “hospital”, que, por certo, se destinará à prestação dos serviços de saúde pública à população da cidade, com montante de recursos tão insignificante e irrisório de quase R$ 540 mil, a ponto de se imaginar que, com tal valor sequer tenha condições para a construção de casa razoável para a moradia de família mediana de cinco pessoas.
Acredita-se mesmo que, nessa questão, o pior, o mais grave e terrivelmente doloroso é se perceber que os homens públicos, os principais políticos dirigentes e líderes do poder público, que dominam os poderes da cidade, tenham chegado à simplista conclusão e, ainda por unanimidade, que a população de Uiraúna tem tão somente o merecimento, para o atendimento da sua saúde, de unidade básica de saúde, apenas com instalações melhoradas e ampliadas, em relação às já existentes na cidade, com a alguma possibilidade da existência de alguns médicos e equipamentos a mais do que às demais do gênero.
Diante disso, causa enorme perplexidade não haver a voz de nenhum homem público, um médico, um empresário, um operário, um cidadão contrário ao chamado “hospital” planejado pela prefeitura, mesmo diante da sua aparente timidez e notórias limitações para unidade de saúde com essa finalidade, que, em princípio, se imaginava, pelo menos no meu caso, que o povo de Uiraúna merecia o hospital e jamais esse que acaba de ser definido pelos ilustres homens públicos, todos felizes e contentes com a sua verdadeira obra-prima, que apareceu se encaixar perfeitamente nos seus projetos políticos da situação e da oposição, à vista do semblante em delírio de todos, ante as colocações afirmativas deles, em escancarada unanimidade.
Essa minha insistência com a argumentação de hospital de verdade tem como justificativa, com bastante fundamento de inglória persuasão, a longa demora da privação dos serviços de saúde pública na cidade, que precisava sim ser ao menos recompensada com gesto da maior nobreza, em termos desses serviços em grau elevado e condizente com a grandeza da população.   
Malgrados os melhores presságios nesse sentido, o sentimento que se tem, à toda evidência, é o de que os políticos da oposição estão realmente maravilhados e com o moral nas alturas, radiantes por terem, como forma responsável, como assim alegam, aprovado a abertura do crédito especial do valor de quase R$ 540 mil, destinado à reforma de prédio com área de quase 1.000 m2, que é inferior a um vão do edifício onde moro, em cristalina demonstração de gloriosa vitória para o povo de Uiraúna, contando, certamente com a sua compreensão por algo que certamente será explorado e aproveitado, em termos políticos, pelo autor do projeto mágico, sob a alegação de ter a iniciativa do “hospital” para o seu povo.
Ou seja, agora, a oposição, toda radiante e feliz, por ter aderido, sem a menor resistência e sem se atinar para as armadilhas preparadas contra si, ao “maravilhoso” projeto do prefeito, que vai puder subir aos palanques e anunciar aos quatros cantos que a iniciativa do “hospital” é dele e por isso merece ser reeleito, para continuar realizando grandes obras para o povo, a exemplo desse “esplendoroso hospital”.
O prefeito também poderá dizer ao povo, na campanha eleitoral, que somente ele tinha projeto para a melhoria da saúde pública, porque, se alguém tivesse alguma ideia nesse sentido, mesmo nessas condições medíocres, à visto do que penso para meus conterrâneos, certamente que jamais teria aprovado o crédito adicional senão depois da eleição, com a proclamação do resultado das urnas.
É inacreditável que, nas circunstâncias, à vista da necessidade de se evitar a quebra da igualdade entre os candidatos, o prefeito, que é candidato natural à reeleição, ter conseguido autorização para abrir crédito adicional para possibilitar início de obra que é considerada verdadeiro milagre, em termos de saúde pública, logo na proximidade do pleito, justamente graças ao poderoso apoio da oposição, que ainda conta vitória por seu ato heroico de liberar obra que vai se transformar em precioso trunfo para a campanha eleitoral dele e disso ninguém se iluda, porque o povo avalia ato concreto.
Acreditando-se que a realização de obra de peso, concomitantemente com o pleito eleitoral, em especial referente à saúde pública, onde ela inexiste, jamais seria possível em qualquer outra cidade fora de Uiraúna, tendo logo a aquiescência da oposição, com rara facilidade, à vista do visível favorecimento concedido dada de mão beijada ao autor da ideia.  
Nas circunstâncias, a verdade precisa ficar consignada, ao meio dessa estranha e incontida euforia, é que parece muito mais alívio para os políticos que não tinham projeto decente para a saúde pública de Uiraúna, tanto que aceitou, com ar de ufanismo, o projeto acanhado, improvisado e acomodado em edificação existente, com a comemoração se fosse a coisa mais impressionante para o merecimento dos uiraunenses, que realmente vão ficar eternamente agradecidos, diante do esforço e do empenho por esse “hospital”, que será de extraordinária importância para a cidade, cujo povo já até acostumou-se em se sacrificar à busca de assistência médico-hospitalar fora da cidade e qualquer coisa é sim motivo de aplausos por parte dos homens públicos, que sempre se mostraram omissos aos anseios da população, principalmente acerca das carências da saúde pública.
Como nada entendo de política, fica a impressão de que, depois da certeza de que Uiraúna terá o “hospital” que os homens públicos acham que o povo merece, ninguém quer ficar com a imagem suja perante os eleitores, quando a oposição, com medo de perder a simpatia deles, canta pseudovitória depois da decisão em apreço  e não para de alegar, sem perceber seu grave erro, que nunca foi contrário ao projeto do prefeito, como se ele fosse o melhor dos mundos, quando ela perdeu excelente oportunidade para apresentar proposta referente ao hospital de verdade, com melhores condições do que esse encampado por ela, tendo, com isso, deixado de garantir tranquila vitória no próximo pleito eleitoral.
Enfim, se o povo de Uiraúna está feliz e satisfeito com os nobres e bravos homens públicos que o representam, na melhor compreensão da clássica afirmação de que o povo tem o governo que merece, resta-me aplaudi-los com o calor do meu amor à minha terra natal.
Brasília, em 25 de julho de 2020

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