segunda-feira, 6 de julho de 2020

Cadê o sentimento de moralidade?


Nos últimos tempos, tudo que acontece em Uiraúna, Paraíba, tem me chamado à atenção, evidentemente diante da minha vinculação natural com essa cidade, por eu ter nascido nela e passar a nutrir maior sentimento de amor por ela, na forma de pessoa que escreve sobre os fatos da vida.
Agora, acabo de ficar sabendo que a cidade foi sacudida, literalmente, neste final de semana, por meio de muita barulheira, com o uso de fogos, buzinaços, gritos e tudo o mais provocado por multidão empolgada e entusiástica, comemorando a notícia sobre a soltura da prisão do principal líder político da cidade.
O mencionado político se encontrava preso, há mais de seis meses, no xadrez da Polícia Federal, precisamente por ter se envolvido no desvio de dinheiro público, conforme as apurações de que trata a Operação “Pés de Barro”, daquela corporação, por meio da qual ele foi filmado em operação suspeita de irregularidade, evidentemente em evidente sentimento de desprezo aos seus eleitores e apoiadores, por coincidência até mesmo desses que protagonizaram a merecida e estrondosa homenagem, ao ser anunciada a sua liberação da prisão.
É óbvio que fiquei muito feliz, porque eu não poderia ficar indiferente ao caso, por ter compreendido, a princípio, que animação tão efusiva merece o meu sentimento de solidariedade, mesmo não sendo nem apoiador, nem eleitor, nem amigo, nem mesmo conhecido do político, mas só o fato de ele ter sido solto já compensa ficar ao lado dos vitoriosos, por causa mais do que justa, na presunção de que a justiça foi aplicada para se proteger um inocente, à vista da brava animação do sentimento de seus apoiadores.
É natural que um inocente não possa ficar eternamente preso e é natural também, por via de consequência, que seus seguidores possam comemorar a sua liberdade, por legítimo reconhecimento da inculpabilidade dele.
De maneira surpreendente, ainda no meio da empolgação com essa maravilhosa notícia sobre a liberdade em causa, qual não foi a minha tremenda decepção em saber que a Justiça apenas teria aceitado a oferta de fiança para o caso, que foi estabelecida pela importância módica de pouco mais de quinhentos e vinte mil reais, e ainda sob a imposição de algumas restrições de liberdade, para patrocinar a soltura do homem público sob suspeita de malversação de dinheiro público, que ficou “famoso” por ter se tornado alvo das manchetes dos principais jornais do Brasil.
Diante disso, logo caí na real e cheguei à conclusão de que não se pode comemorar antes do pleno conhecimento dos fatos, para não se decepcionar depois, como ocorreu comigo nesse caso, que havia imaginado que as comemorações eram realmente por inteira justiça, diante da devida comprovação da inocência do político envolvido no escândalo, que, sem a menor dúvida, merece muitíssimo respeito como excelente médico, de reconhecida fama humanitária no exercício do seu trabalho, como fiel cumpridor do seu dever como profissional competente e dedicado discípulo de Hipócrates.
Não obstante, a sociedade de Uiraúna precisa se conscientizar de que não é sobre essa questão médica que ele precisa se explicar e prestar contas à população da cidade, dada a importância de que os fatos são distintos, mas sim no que diz respeito especificamente à sua gestão como homem público, nesse caso, como até então na forma da representação do povo da cidade, sob o dever ético e moral de ser extremamente probo na aplicação de recursos públicos, o que é bem distinto do profissional médico, enquanto que, como agente público, é preciso que ele, na forma da lei, preste contas à sociedade sobre seus atos quanto para o fim de provar a boa e a regular aplicação do dinheiro público, conforme prescrevem as normas legais e constitucionais.
Com todo respeito às pessoas que patrocinaram esse movimento de euforia pela soltura sob condição, tanto no que diz ao valor da fiança como às restrições de liberdade vigiada, de nem puder ir à prefeitura, a sua segunda casa, mas a sua atitude só evidencia completo despeito aos princípios da ética e da moralidade, na compreensão maior de que somente se deva aplaudir os homens públicos por decorrência de seus atos representativos da dignidade e dos bons costumes.
Certamente que não é o caso em comento, que melhor se compraz com o sentimento de reprovação e desprezo, quando se sabe que houve o comprovado desvio de recursos dos brasileiros, inclusive daqueles que, de forma impensada e recriminável, participaram dessa insensata demonstração de apoio a quem não se preocupou em se beneficiar de dinheiro público, conforme consta das investigações promovidas pela Polícia Federal, que resultaram na prisão dos envolvidos, cujos fatos carecem ainda dos devidos esclarecimentos à sociedade, de quem o dinheiro foi retirado.
Como filho de Uiraúna, que tanto torce por dias melhores para o seu povo, lanço meu olhar de esperança para os destinos da cidade e imploro por que seus filhos sintam no peito o sentimento de pureza d’ama quanto ao que realmente deva ser comemorado precisamente diante do seu valor da mais expressiva dignidade, como instrumento capaz de contribuir para a construção e o desenvolvimento do povo e da cidade, evidentemente com embargo do prestígio aos homens públicos que optaram pelo contrário desse sentimento de pureza moral.     
          Brasília, em 6 de julho de 2020  

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