segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Aderência à imoralidade

Conforme notícia publicada na imprensa, o líder do governo na Câmara dos Deputados teria se aliado a deputado de oposição, do PT-SP, relator do projeto, para a defesa da medida cogitada, que abranda os efeitos da Lei de Improbidade Administrativa.

A aludida reportagem também afirma que o citado líder é crítico da Operação Lava-Jato e vê com ressalvas a atuação do Ministério Público Federal.

A proposta em discussão é vista no Congresso Nacional como nova forma de restringir os poderes de procuradores, na esteira da reação contra os trabalhos da Lava-Jato, um ano após a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade.

Articulador político do presidente da República no Parlamento, o líder do governo tem contribuído com o relator do projeto a levar o texto à votação, evidenciando, com isso, que o governo encampa perfeitamente a ideia de abrandamento do combate à criminalidade, de quem, na campanha eleitoral, se dizia radical inimigo.

O líder do governo disse que "A atividade política se transformou no alvo principal da ação do Ministério Público. A Lei de Abuso de Autoridade veio em uma direção correta. Agora, a mudança que estamos propondo na lei de improbidade vai acabar com essa história de improbidade por ofensa a princípios da Constituição, que é muito aberta e só gera desgaste. Noventa por cento dessas denúncias não dão em nada. A culpa é também do Parlamento, que tem de mudar a lei."

O texto substitutivo apresentado pelo petista objetiva afrouxar norma da lei vigente, para excluir a possibilidade de punição a uma série de condutas atualmente vedadas, a exemplo de práticas de nepotismo e "furada de fila" em serviços públicos deixariam de resultar em sanção por improbidade.

O projeto prevê, ainda, limitar as situações em que o juiz pode determinar o bloqueio de bens dos acusados e encurta prazos de prescrições, fatos que, na prática, restringem as sanções apenas a casos em que houver comprovadamente enriquecimento ilícito ou danos aos cofres públicos.

Como não poderia ser diferente, o Ministério Público Federal criticou o projeto, por meio de nota técnica, dizendo  que a medida representa "um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e na defesa da moralidade administrativa".

Trata-se de estranha e inaceitável participação direta do governo na cogitação de mudança de norma legal que objetiva o abrandamento de controle sobre criminalidade, com enfoque, mais diretamente, para as atividades parlamentares, cujos titulares não podem, evidentemente no entendimento deles, ser incomodados com o rigor das sanções, em especial nos casos especificados no projeto em discussão.

Se há clara pretensão do abrandamento da norma vigente é porque ela vem incomodando os políticos prejudicados que, com a mudança efetivada, podem tranquilamente praticar legalmente os atos antes proibidos em seu benefício e isso só demonstra a falta de caráter do homem público e a voluntariedade de levar vantagem com o aproveitamento da lei aprovada por eles próprios.

Essa maneira de atuação parlamentar fica patente no ato a promiscuidade e a pequenez da personalidade política, quando, à luz dos princípios da ética e da moralidade, essa forma de mudança da lei jamais deveria ser permitida senão para arrochar ainda mais, em termos de combate à esculhambação da moralidade defendida pelos próprios parlamentares, como nesse caso, que é prova cristalina da decadência moral dos legisladores, que agem em prol de seus interesses.

É preciso que fique registrado que o governo cada vez mais se complica com a perda de credibilidade quanto à gestão pública, porque é exatamente o seu líder na Câmara que, de forma voluntária, se associa ao trabalho de petista, logo a quem, para abrandar ainda mais o que pouco existe de combate à criminalidade da corrupção, ao contribuir para mandar para o espaço dispositivo que impede algumas pequenas práticas que tanto incomodam nobres parlamentares, porque eles jamais se preocupariam em alterá-lo se o alvo da sanção visada fosse o povo ou outros destinatários senão eles.

A tristeza maior mesmo, em forma decepção, fica por conta justamente por parte do governo, que foi eleito com o empunhamento da bandeira da mudança, no estridente grito em defesa da moralidade, como principal arma apresentada no palanque e nas praças públicas.

Não obstante, agora ele não se envergonha nem se deprime em defender, descaradamente, o abrandamento de legislação de combate à criminalidade, o que bem demonstra a falta de palavra do homem público, que jamais deve se envergar e se prostituir diante das circunstâncias, como parece que deva ser o caso, em que o governo adere à causa que não condiz com o seu sentimento, o que tudo indica, falsamente propalado com o propósito de conseguir o apoio popular, cuja sociedade continua cada vez mais forte no anseio, ao contrário do governo, de muito mais moralidade.

Convém que os brasileiros se convirjam em mobilização de repúdio e protesto contra a participação de apoio do governo à aprovação de medida contrária aos princípios da moralidade, à vista do abrandamento da eficácia da Lei de Improbidade Administrativa, lembrando ao presidente da República que tal atitude suja com lama pútrida a linda promessa de mudanças visando à limpeza do Brasil.

          Brasília, em 2 de novembro de 2020   

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