terça-feira, 3 de novembro de 2020

O quê disse o papa, mesmo?

 

Em crônica, eu afirmei que o direito à felicidade é universal, sendo impossível negá-lo a quem quer que seja, não importando as razões de consciência, pensamento nem ideologia e nesse ponto o papa jamais poderia pensar diferente, diante do Evangelho de Jesus Cristo, que tem como princípio exatamente a busca da fraternidade e do amor entre os homens, sendo que a síntese disso se confunde com a própria felicidade.

Uma distinta e inteligente conterrânea disse, em mensagem, que “O que o Papa diz é que os pais não podem excluir um filho gay. E que eles devem ser amparados civilmente. Isso não significa que a Igreja e o Papa aprovem a união. Amar o pecador e desprezar o pecado. Isso em qualquer pecado.”.

Em resposta à aludida mensagem, eu digo que desde que eu venho escrevendo sobre a declaração do papa, acerca da questão envolvendo o homossexual, tem sido com base no pronunciamento dele, vazado no seguinte texto,  ipsis litteris: "As pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família, são filhos de Deus, possuem direito a uma família. Não se pode expulsar ninguém de uma família, nem tornar sua vida impossível por isso. O que temos que fazer é uma lei de convivência civil, eles têm direito a estarem legalmente protegidos. Eu defendi isso".

Eu e muita gente entendemos, com clareza, que o sumo pontífice está se referindo, de forma cristalina, em união homossexual, de pessoas do mesmo sexo, o “casal” de homem com homem ou mulher com mulher, por afirmar literalmente sobre a necessidade, ou seja, a aprovação  de "lei de convivência civil", precisamente para oficializar a convivência como duas pessoas normais, em reconhecimento da união como se casal fosse.

É preciso se atentar que a relação normal de filho homossexual com a família, no caso de pais e filhos, ou seja, irmãos, não precisa de lei de convivência civil, porque já basta tão somente a lei natural da compreensão, da amizade ou do amor próprio da família, como fazem normalmente as famílias que aceitam seu filho amado, independentemente da maneira como ele prefere viver, se relacionar no seio da sociedade, porque o amor filial sempre fala mais ato e está acima de tudo e ninguém vai expulsar de casa o filho ou a filha amado (a) da sua convivência.

Contrário senso, pensando bem, não faria o menor sentido o papa sugerir a criação de lei de convivência para a aceitação pacífica entre pai e filho/a, porque não seria a existência de norma legal que iria promover o entendimento familiar ou a conciliação, por depender apenas de superação de momento. É preciso que as pessoas compreendam que o exato entendimento sobre a declaração papal é no sentido de que precisa reconhecer e oficializar, na esfera civil, a convivência de aceitação entre pessoas do mesmo sexo.

O paradoxo reside exatamente no sentido de que, ao defender a união entre pessoas homossexuais, o papa simplesmente fê-la somente em relação à esfera civil, tendo ignorando e fechado os olhos, ou seja, feito vista grossa, para a doutrina existente na Igreja Católica, no sentido de que “o respeito pelas pessoas homossexuais não pode levar de forma alguma à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais".

Em análise, mais fria possível, sobre esse relevante tema explorado pelo papa, voluntária e pessoalmente, pode-se se intuir, à luz do bom senso e da racionalidade, que, na qualidade de dirigente máximo da santa madre Igreja Católica, antes de opinar, da maneira explícita como o fez, o cardeal dos cardeais deveria cuidar de pacificar seu entendimento sobre a união homossexual no seio da igreja, para ter autoridade eclesial para sugerir medida na esfera civil, porque isso pode demonstrar nenhum interesse na bênção da igreja aos homossexuais que o desejem fazer parte das atividades religiosas por ela oficiadas.

Estranha-se quanto o mais o fato de o papa dizer que os homossexuais “são filhos de Deus, possuem direito a uma família.”, mas, ao mesmo tempo, ele se abstém de providenciar eles sejam igualmente reconhecidos como tais pela própria igreja.

Não há a menor dúvida de que a atitude do papa evidencia forma parcial de amor ao próximo, independentemente da orientação sexual, porque isso realmente não pode servir de pretexto para nenhuma forma de discriminação, nem mesmo dentro da Igreja Católica, porque, se fosse assim, haveria necessidade da aplicação da antiga lei do “Olho por olho, dente por dente”, em que a instituição não poderia aceitar o tanto de sacerdotes homossexuais, porque eles seriam vistos como eternos pecadores, à vista da doutrina que renega a existência de quem se diz aderir a essa orientação.  

Ante o exposto, para que o amor do papa à causa homossexual se materialize como verdadeiro, é preciso que a doutrina da Igreja Católica seja flexionada para acolher também as pessoas que seguem aquela orientação sexual, diante dos sagrados princípios de que as pessoas merecem respeito e todas as formas de amor valem a pena e precisam ser valorizadas, principalmente porque não há qualquer pretexto para justificar absurdas discriminações contra o ser humano.

Brasília, em 3 de novembro de 2020  

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