sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Questão de interpretação?

 

Analisei, em crônica, denúncia feita por vereador de Uiraúna, Paraíba, que mostrou nas redes sociais imagens sobre obra que vinha sendo executada, em terreno particular, com o uso de retroescavadeira, caçambas, combustíveis e pessoal sob a administração da prefeitura daquela cidade, evidenciando possível irregularidade da aplicação de recursos públicos.

Outro vereador entendeu que, sendo as máquinas do povo, não conseguia enxergar nenhuma anormalidade na operação, sob o argumento de que os equipamentos também pertencem ao proprietário da chácara, porque ele também é povo.

Diante de tão coerente raciocínio, eu ousei tentar esclarecer ao doutor vereador que o interesse público não se confunde com nada, em termos da realização e gastos públicos.  

Pois bem, com a devida vênia, parece trata-se apenas de interpretação sobre o verbete "povo", como dito pelo denunciante, que quer dizer, na concepção mais popular, "interesse público", ou seja, as máquinas são realmente do povo, também do dono do terreno particular em causa, mas elas somente podem executar obras desde que em atendimento do interesse público, ou seja, do interesse da população em geral, sem particularizar, como parece que seja o caso do açude que está em construção.

Ao que se tem conhecimento, as obras estavam sendo realizadas em propriedade privada e isso, segundo a lei, não é permitido, i.e., constitui infração às normas de administração orçamentária e financeira, por mais que se tenha boa vontade com a causa.

Desculpe-me a presente explicação, porque sei perfeitamente que vossa excelência como lídimo representante do povo, agora reeleito, motivo que aproveito para parabenizá-lo, tem muito mais saber do que eu que nunca exerci atividade política e, nesse caso, entendo que o senhor tem muito mais condições de me dar ensinamentos, diante da sua enorme responsabilidade de zelar pela regularidade da aplicação dos recursos públicos e da obrigação de conhecer muito bem a legislação pertinente, posto que uma das principais atribuições do parlamentar é precisamente a fiscalização dos gastos públicos, no sentido, em especial, quanto à sua justeza à exata e precisa finalidade pública, de modo que os serviços e as obras decorrentes somente devam atender ao interesse da população em geral.

É preciso ficar muito claro que, em tempo algum, a despesa pública pode ser autorizada para beneficiar exclusivamente um cidadão ou parcela de cidadãos, salvo em situações excepcionais, a exemplo da construção de açude em propriedade particular, desde que a sua água possa servir para o uso das pessoas da localidade e de seus animais, ficando bem claro que os beneficiários são os moradores da região e nunca somente o proprietário do terreno, à vista do uso de dinheiro público na obra.

Fico agradecido no sentido de que meus modestos esclarecimentos possam servir para dirimir alguma dúvida, porque, às vezes, a opinião emanada por importante autoridade pública pode refletir na avaliação da sociedade, razão pela qual ela precisa ser a mais correta possível, para se evitar que o próprio povo concorde com algo que não esteja em conformidade com a regularidade e os princípios republicanos de moralidade e dignidade da coisa pública, porque essa forma de conduta cívica é dever de ser transmitida para as pessoas por meio de nós cidadãos que têm um pouco mais de consciência sobre a defesa do interesse público.

Brasília, em 20 de novembro de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário