sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Não é construtivo?

        Em mensagem, um filho do presidente brasileiro, que é deputado federal, fez menção à adesão simbólica do Brasil à Clean Network (Rede Limpa), iniciativa diplomática do governo norte-americano, para tentar frear o avanço de empresas chinesas no mercado global da tecnologia 5G.

O mencionado parlamentar celebrou aquele fato como sinal de que “o Brasil se afasta da tecnologia da China. O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.

Além de fazer a declaração acima transcrita, o parlamentar também disse que o Partido Comunista Chinês se tratava de “entidade agressiva e inimiga da liberdade”, fazendo claro juízo de valor sobre o governo chinês, em atitude extremamente deselegante e inadequada, por que em clara violação dos princípios diplomáticos, por meio de pronunciamento de termos agressivos e injustificadamente sobre a soberania da China.

Incontinenti, a embaixada da China refutou as declarações do filho do presidente, tendo afirmado que “Na contracorrente da opinião pública brasileira, o deputado Eduardo Bolsonaro e algumas personalidades têm produzido uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia, solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil. (...) Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China e a amizade sino-brasileira, e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil.”.

O governo norte-americano acusa as empresas de origem chinesa de serem obrigadas a permitir acesso do governo comunista a suas redes, o que supostamente abriria uma brecha para vigilância.

Em razão da referida nota duríssima da China, o Ministério das Relações Exteriores enviou carta à embaixada desse país, em forma de insatisfação do Brasil diante da  repreensão às críticas ao deputado filho do presidente brasileiro, por ele ter feito acusação à política de espionagem através da rede 5G, conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo.

A carta do Itamaraty tem o seguinte texto: “O tratamento de temas de interesse comum por parte de agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil através das redes sociais não é construtivo, cria fricções completamente desnecessárias e apenas serve aos interesses daqueles que porventura não desejem promover as boas relações entre o Brasil e a China. O tom e conteúdo ofensivo e desrespeitoso da referida ‘Declaração’ prejudica a imagem da China junto à opinião pública (sic).”.    

Diante desse lamentável episódio, conforme informação do jornal O Globo, representantes do agronegócio brasileiro ficaram preocupados com a fala do deputado, em razão de a China ser o principal destino dos produtos brasileiros, os quais teriam dito às autoridades chinesas que as declarações do filho do presidente não refletem a opinião da maior parte da sociedade brasileira.

É palpável a mentalidade pueril do governo brasileiro, quando demonstra absoluto desconhecimento dos elementares princípios diplomáticos, ao preferir advertir e censurar o governo chinês, por ter se defendido de acusações levianas e agressivas por parte de parlamentar brasileiro, que não tem competência para fazer a declaração insensata como a que ele se atreveu a publicar, completamente inoportuna, indelicada e desnecessária, sem que houvesse qualquer motivo para justificar essa atitude insensata de quem sequer faz parte do governo, que, ao contrário, tem obrigação de adotar medidas para se evitar pronunciamentos que não refletem o seu posicionamento sobre determinados assuntos.

O governo com o mínimo de sensibilidade e competência, em termos diplomáticos, poderia até solicitar que a embaixada chinesa se contivesse nos termos da sua manifestação, mas tão somente depois de reconhecer e declarar que o deputado não falou em nome do governo, justamente porque não estava competentemente autorizado para agir no nome dele, esclarecendo que os assuntos do Estado brasileiro são tratados diretamente pelo Palácio do Planalto e os órgãos competentes para tanto.

Diante do puxão de orelha do Itamaraty à embaixada chinesa, sem qualquer medida com relação do deputado, fica muito claro que a declaração dele representa sim o pensamento do Brasil sobre a tecnologia 5G, em cristalino alinhamento com o governo republicano norte-americano, só que o governo tupiniquim precisa ter coragem de assumir a situação com muita clareza e se pronunciar com senso de responsabilidade, por meio dos canais oficiais competentes, jamais autorizando que isso se processo por meio de entreposto, como o deputado, à vista de se tratar de assunto da maior responsabilidade, por envolver interesses nacionais.

À primeira vista, parece muito estranho que o Itamaraty tenha considerado “O tom e conteúdo ofensivo e desrespeitoso da referida ‘Declaração’ prejudica a imagem da China junto à opinião pública.”, dando a entender que é normal que o deputado brasileiro possa afirmar que o Partido Comunista Chinês é “entidade agressiva e inimiga da liberdade”, em clara discordância da intrínseca filosofia chinesa, porquanto ele deveria ter sido, no mínimo, advertido pelo governo, porque não é de bom tom que alguém, de maneira graciosa, se refira a país amigo por meio de declaração tão forte e insensata.

Urge que o governo do Brasil se conscientize de que os assuntos que interessam ao seu povo precisam ser discutidos, tratados e resolvidos sob a pauta da responsabilidade de país desenvolvido, independente e competente, como fazem normalmente as nações evoluídas, sérias e civilizadas, que demonstram satisfazer primordialmente os interesses internos, com embargo do que pensam os outros países, em se tratando, no caso, da tecnologia 5G, que precisa urgentemente ficar desvinculada dos Estados Unidos da América, para que a sua implantação no país tenha por foco as exclusivas peculiaridades do Brasil, independentemente do que o mundo possa pensar sobre ela.

          Brasília, em 27 de novembro de 2020

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