sexta-feira, 26 de maio de 2017

Mordomia ao extremo

Aqueles que viajarem a bordo de aviões presidenciais poderão desfrutar de belas refeições, à base de cordeiro, carolinas com calda de chocolate, salmão, camarão, queijo brie, pizza etc., conforme dispõe o edital da licitação mostrado pelo jornal O Globo.
Em dezembro do ano passado, o jornal revelou que fazia parte do leilão refinada lista de compras, que incluía 500 potes de sorvete, a R$ 7.500,00; sal do Himalaia, a R$ 1.600,00; e uma tonelada e meia de torta de chocolate, no preço de R$ 96 mil. No total, a licitação anual custaria o montante de R$ 1,75 milhão.
Não obstante, diante da repercussão bastante negativa do caso, o Palácio do Planalto decidiu cancelar o certame, naquele momento, para agora ressuscitá-lo. 
Desta feita, o valor da licitação em causa, para abastecer com comida e bebida, por um ano, as aeronaves presidenciais, caiu para a “bagatela” do valor de R$ 1 milhão.
Em que pese a drástica redução do valor de R$ 750 mil, o presidente e a tripulação ainda terão no cardápio pratos especiais, como cordeiro assado com farofa, costela bovina desossada, filé, salmão em flor, torta de camarão, pizza e carolina, com calda de chocolate, entre outros pratos estranhos ao costume “gastronômico” do povão.
As aeronaves presidenciais continuarão sendo servidas com louças de porcelana branca, com frisos dourados, e também serão servidos pratos sem glúten e sem lactose.
Desta vez, o gasto total estimado atingiu o valor de R$ 999.448,65 e o leilão foi realizado no último dia 23.
É lamentável que o país, atravessando enormes crises de toda ordem e visíveis dificuldades econômicas, conforme denunciam as reformas lançadas pelo governo, como a da Previdência, justamente para economizar recursos, vem o Palácio do Planalto, em clara falta de noção, demonstrando seu gigantesco grau de insensibilidade, realizar licitação para a prestação de serviços que contradizem o esforço dele de pedir sacrifício da sociedade, em compreensão aos seus ajustes na economia, como forma de superação das crises, que o país enfrenta há algum tempo.
O certo é que, enquanto o presidente e seus acompanhantes comem cordeiro, camarão e outras ricas gastronomias, às custas de dinheiro púbico, o povo em geral sequer tem o que comer, quer por falta de emprego, quer pela omissão do Estado, na prestação de serviços essenciais.
A frieza como o edital foi lançado mostra apenas a confirmação da costumeira forma de satisfazer as regalias próprias da mordomia do poder, que já se consolidou ao longo do tempo, em que os governos e, de resto, as autoridades são absolutamente indiferentes à premência se cortar gastos, mesmo nesses casos que demonstram nítida irracionalidade, em razão da extrapolação do bom senso, em termos da realização da despesa pública, que precisa satisfazer o princípio da economicidade e o interesse público.
Não há dúvida de que a contratação em apreço representa explícita afronta à dignidade da população, aquela que enfrenta os piores tipos de dificuldade financeira e que está abaixo do nível da condição humana.
Trata-se de se pedir sacrifício ao presidente para se viajar como qualquer cidadão, sem necessidade desse arroubo de mordomia, sem esbanjamento com o dinheiro do povo, que é obrigado a manter pesada carga tributária, para o governo exagerar também no abastecimento de suas aeronaves, que poderiam passar por indispensável racionamento, com a redução dos sofisticados produtos selecionados para abastecer os aviões presidenciais.
Certamente que os recursos aplicados na presente licitação vão fazer falta principalmente nos hospitais, nas creches e escolas, estradas, bem assim da melhoria das práticas de segurança pública para o nosso país.
Este tipo de atitude, independentemente da origem do governo, envergonha a população, que sabe e sente na pele a falta de assistência do Estado, que sempre alega a falta de recursos para atender o interesse público, salvo quando a contratação se refere ao atendimento de serviços do próprio governo, como no caso dessa indecente licitação.
As mordomias precisam simplesmente acabar na administração pública, em consonância com a imperiosa necessidade de austeridade e economicidade que se impõem, primeiro, na parte do Estado, que gerencia os recursos públicos e tem o dever de contenção dos gastos, para depois ter condições de pedir arrocho dos brasileiros, a exemplo da reforma da Previdência, a par das privações quanto à saúde pública, à precária educação, à falta de segurança, entre tantas deficiências demandas em razão da inexistência de recursos.
Chega a ser risível que o povo comendo, quando tem, o pão que o diabo amassou, mas o presidente pode ser servido com as melhores e mais caras iguarias, inclusive importadas, em verdadeiro contraste com a realidade do país.
Não obstante, o povo é assim mesmo, ao tempo que xinga, chora, repudia e esperneia, sabe que ele é o próprio culpado por esse estado de coisas, porque o governo é obra do seu apoio nas urnas, que foi ascendido ao poder pelo voto de muitos brasileiros desinformados e destituídos de consciência cívica.
Em momento de crise, em que o povo não tem emprego e muito menos o que comer, o governo mostra completa insensatez e insensibilidade, ao promover o abastecimento de suas aeronaves presidenciais com comidas da melhor e mais cara gastronomia, em nítido esbanjamento completamente incompatível com a situação de precariedade demonstrada pelos serviços prestados pelo governo, a exemplo, mais especificamente, da saúde pública, onde os hospitais funcionam aos trancos e barrancos, à vista da carência de pessoal médico e paramédico, equipamentos, medicamentos e demais instrumentos médico-hospitalares indispensáveis ao atendimento satisfatório da população.
É absolutamente inaceitável que, mesmo o povo vivendo em estado de penúria, o governo ignore esse fato e tenha a irresponsabilidade de prover seus aviões das melhores qualidades de víveres e bebidas, tão somente para satisfazer, de forma nababesca, o mandatário do país, que tem o dever moral e ético de dar o exemplo de austeridade e sacrifício, como forma de dizer que o governo, como não poderia ser diferente, é solidário com a situação de dificuldade por que passam o país e seu povo.
Os brasileiros precisam repudiar, com veemência, atitudes governamentais, como essa aqui analisada, que não condizem com as finalidades próprias de satisfação do interesse público, eis que o abastecimento de alimentos e bebidas aos aviões presidenciais pode perfeitamente ser implementado de forma modesta e comedida, em conformidade com a realidade socioeconômica brasileira, de modo que os gastos se encaixem em orçamento razoável e absolutamente nos padrões de austeridade que se esperam de governo equilibrado, sensato e responsável. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 26 de maio de 2017

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