sábado, 27 de maio de 2017

Os abalos da República

O presidente da República, diante da enorme repercussão negativa sobre o seu envolvimento no imbróglio das delações dos donos do grupo JBS, subiu o tom no segundo pronunciamento que fez, tendo proferido duras críticas ao empresário que o envolveu no escândalo que abalou as estruturas da República, ao chamá-lo de criminoso, fanfarrão e fugitivo, e tentou desqualificar as acusações contra ele que lhe renderam inquérito no Supremo Tribunal Federal.
Mais preocupado em criticar e atacar, o presidente deixou, ao menos, quatro lacunas cruciais em seu discurso, que não podem ficar sem o devido esclarecimento.
O presidente, a par de ressaltar que o áudio gravado pelo empresário foi manipulado, acusou a existência de edição, mas não negou o principal que está na gravação, como ter dito “tem de manter isso aí”, depois de o empresário ter dito que estava “de bem” com o ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Não se sabe exatamente o que significa a frase, porque ela está fora de contexto, mas deve se referir ao seu atual desafeto, que se encontra preso em Curitiba, dando a entender que é bom que o empresário esteja “de bem” com ele, possivelmente ao saber que o seu silêncio teria sido comprado.
O peemedebista também deixou de esclarecer por que ouviu o empresário afirmar que tinha subornado um procurador e tentado o mesmo com mais dois juízes federais, sem questioná-lo pelas práticas visivelmente criminosas, mas, ao contrário, a sua complacência foi selada com: “ótimo, ótimo”, cujo assentimento caracteriza a prática explícita do crime de prevaricação ao ficar ouvindo o relato de crimes sem ter tomado a iniciativa de qualquer providência em relação a essa anormalidade, principalmente em se tratando que ele é advogado constitucionalista e tem o dever de interpretar e enquadro os fatos.
A tentativa de desqualificá-lo, inclusive identificando-o como um empresário que estaria tentando buscar facilidades no governo, deixa muito evidente a necessidade para resposta sobre o motivo pelo qual o presidente teria recebido empresário em sua residência oficial, altas horas da noite, em encontro que nem constava da sua agenda.
E a principal lacuna e a mais intrigante, que não teve resposta nem citação nos discursos, diz respeito à indicação do presidente do deputado federal, seu ex-assessor especial na Presidência da República, para ser seu interlocutor junto ao empresário.
O mencionado parlamentar foi filmado recebendo maleta de dinheiro do empresário, contendo o valor de R$ 500 mil, parte de propina para destravar processo no Cade.
O presidente manteve-se silente acerca de seu homem de confiança recomendado por ele para solucionar pendência do empresário junto a órgão do governo, embora o mandato parlamentar dele tivesse sido suspenso pelo Supremo.
O peemedebista não mencionou o nome dele nos discursos, nem para confirmar, nem para negar, nem muito menos para defendê-lo, por se tratar importante assessor palaciano, bem próximo ao presidente.
Não há dúvida de que o discurso do presidente foi inciso e muito duro, que acena para a firme e concreta iniciativa de tentar o arquivamento do inquérito contra ele pelo Supremo, além de reafirmar que não irá deixar o cargo, mas foi absolutamente insuficiente para afastar as nuvens negras que ameaçam se abrir sobre o seu governo, sobretudo diante das suspeitas da prática dos crimes de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa.
O presidente do país tenta apenas, em atos de desespero, justificar o injustificável e cada vez que fala se complica ainda mais, sobretudo porque seus argumentos têm a mesma fragilidade do seu comportamento diante de empresário absolutamente inescrupuloso, que abusou da ingenuidade presidencial, ao demonstrar absoluta subserviência diante daquele que se achava no domínio das ações, na oportunidade, justamente porque as fartas propinas repassadas por ele ao peemedebista e aos seus asseclas lhe davam a autoridade mais do que suficiente para a imposição de mando claramente colocada no encontro entre eles, deixando a impressão bastante desconfortável e vexaminosa para a parte do presidente, que tem enorme dificuldade e não consegue, por mais que se esforce, explicar esse momento triste da história da República.
Enquanto esperneia e tenta desqualificar o empresário, que não seria tão desprezível como parece ser se ele não tivesse, moto próprio, revelado fatos espúrios, por meio da sua delação premiada, que teve o poder de pôr o governo literalmente na lona do Planalto, o presidente da República não consegue explicar as lacunas supracitadas, que apenas complicam a sua condição de mandatário do país, porquanto o seu envolvimento em situação nebulosa não condiz com a relevância do cargo que exerce, à vista dos abalos causados às estruturas da República. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 27 de maio de 2017

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