domingo, 24 de setembro de 2017

À luz da conveniência

O diretório do Partido dos Trabalhadores, em Ribeirão Preto (São Paulo), aprovou a abertura de processo disciplinar contra o ex-ministro da Fazenda de governo petista, que tem por objetivo expulsá-lo do partido, sob a alegação do imperdoável crime de ter dedurado o cacique-mor do partido.
Em depoimento ao juiz da Operação Lava-Jato, no processo em que ambos são réus no caso da compra de um apartamento e de um terreno para a construção da sede do Instituto Lula, o ex-ministro não se conteve e afirmou que o maior líder petista tinha um “pacto de sangue” com a empreiteira Odebrecht, que teria arranjado benefícios indevidos para ele, a exemplo da aquisição do referido terreno e do sítio de Atibaia, além da concessão de cachês generosos por palestras e uma megadoação para suas campanhas eleitorais.
Além de ter revelado tais benefícios, o ex-ministro disse ao juiz de Curitiba que ele e o petista teriam tramado para obstruir os trabalhos da Operação Lava-Jato.
Quem já conhece os métodos adotados pelo tribunal interno do PT, sabe muito bem que o veredicto sobre a situação do ex-ministro já está traçado e definido, a se jugar pela opinião da presidente do partido acerca do episódio em causa, que declarou que ele “mentiu sobre Lula” e por isso “quebrou o decoro” do partido.
O presidente do diretório municipal do PT de Ribeirão Preto disse ao jornal O Estado de S.Paulo que o processo em tela não teria relação com as acusações sobre corrupção, que, segundo ele, elas “vão ser julgadas pela Justiça federal”, fato que contradiz o pensamento das lideranças do partido dele, por ele sozinho acreditar no julgamento do Judiciário, que tem sido considerado responsável, segundo os demais petistas, por “julgamentos de exceção” e promover “perseguição política” contra o PT.
Trata-se de partido que menospreza o princípio da coerência, notadamente quando a matéria pende para a interpretação à luz do Código Penal e à obediência às próprias regras partidárias, como no caso da aplicação do disposto no art. 231 do estatuto do partido, ao estabelecer que, verbis: “Dar-se-á a expulsão nos casos em que ocorrer: (...) XII – condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado”.
Não obstante, muitos caciques do partido foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal à prisão, no processo do mensalão, e cumpriram a punição na cadeia, mas sem a efetivação da penalidade a que se refere o seu estatuto, que era devida e inarredável.
O então presidente do partido ainda esboçou fajuta explicação para o caso, tendo se limitado a declarar que “Quem aplica o estatuto somos nós. Nós interpretamos o estatuto” e ele foi interpretado ao rigoroso pé da letra da conveniência, ou seja, o estatuto não foi interpretado, mas sim simplesmente ignorado.
Agora causa estranheza que as lideranças petistas envolvidas no mensalão não somente se beneficiaram pela impunidade interna como passaram a ser glorificados e louvados pelos simpatizantes como “guerreiros do povo brasileiro”, tornando-se heróis por terem participado do esquema criminoso de desvio de dinheiro para o bem do partido, como forma efetiva de contribuir para a perpetuação da agremiação no poder, de modo oblíquo, conforme afirmação do Supremo Tribunal Federal, quando aprovou o veredicto sobre o mensalão.
Diferentemente do ex-ministro, embora os mensaleiros tenham sido condenados e cumpriram prisão, eles não delataram ninguém, para o fim de incriminar companheiros, daí o tratamento especial que eles tiveram e continuam tendo por parte do partido.
Conclui-se que, quem comete crimes, sofre pelo partido e não entrega ninguém é transformado em herói pela causa da agremiação, enquanto aquele que colabora com a Justiça e entrega os comparsas, para fim de mostrar a verdade dos fatos, é simplesmente execrado e considerado indigno para integrar os quadros do partido
Também como forma de explícita incoerência da agremiação é o total desprezo à possível investigação sobre os fatos irregulares revelados, cuja autoria é atribuída ao ex-presidente, que não mereceram a menor importância, exatamente por envolver a pessoa de quem se diz o homem mais honesto da face da Terra, sendo imune a qualquer suspeição ou investigação, em que pese a gravidade dos fatos acenar para a aplicação de penalidade ao ex-ministro somente ocorrer, se for o caso, depois das devidas apurações sobre os fatos por ele indicados na acusação.
Os brasileiros precisam conhecer a forma da incoerência pela qual os fatos são interpretados, por importante partido, exclusivamente à luz da conveniência e do interesse pessoal e partidário, não permitindo que os princípios estatutários sejam plenamente aplicados de maneira justa e coerente com os acontecimentos, evitando que a verdade apareça e viceja nas atividades político-partidárias, conforme evidenciam os fatos vindos à lume. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 24 de setembro de 2017

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