quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Cadê a transparência?

 

A coligação do presidente da República ingressou com representação no Tribunal Superior Eleitoral, pedindo a verificação extraordinária dos resultados da eleição de 2022, sob a argumentação de que o suposto mau funcionamento de alguns modelos de urnas eletrônicas, no segundo turno, deram equivocadamente a vitória ao candidato adversário.

De acordo com a representação da coligação do presidente derrotado, modelos anteriores ao do ano 2020 das urnas eletrônicas teriam apresentado um problema no funcionamento no chamado arquivos de log de sistemas.

Segundo a petição, nas urnas que não estão consideradas normais, representando o universo de 40,82% do total, o resultado apontaria vitória do presidente do país, com 51,05% dos votos válidos, enquanto o adversário dele teria 48,95%.

O resultado oficial da eleição mostrou o contrário disso, com o candidato da oposição com 50,90% dos votos válidos contra 49,10% do atual presidente.

No pleito, foram utilizadas 472 mil urnas, no segundo turno, das quais 192 mil do modelo mais recente e quase 280 mil de modelos fabricadas em anos anteriores, entre 2009 e 2015.

A coligação do presidente do país defende a criação de comissão técnica independente de verificação, formado por profissionais especializados, que não sejam vinculados a partido político e à Justiça eleitoral, além da anulação dos votos apenas das urnas questionadas, observadas as consequências práticas e jurídicas devidas, com relação ao resultado do segundo turno das eleições de 2022, ante a existência de "indício muito forte" de que há problema nas urnas, a par da violação do sigilo do voto no caso de urnas que foram desligadas e religadas.

A coligação também alega que as inconsistências não permitem se atestar o resultado ou que as urnas não registraram o resultado eleitoral, embora "Isso não quer dizer que ocorreu uma fraude, mas é uma possibilidade, não se tem certeza de que aquelas urnas tenham credibilidade suficiente para atestar aquela votação".

Na concepção de um matemático, consultor em eleições digitais e um dos criadores da urna eletrônica brasileira, o arquivo de log, apontado como problema pela auditoria da mencionada coligação, "não tem nada a ver com o núcleo do ecossistema da urna eletrônica. Ele não interfere absolutamente em nada no que diz respeito ao recebimento do voto, ao registro do voto ou à apuração dos resultados".

Enfim, o resultado final da votação não pode ter dúvida de ninguém, muito menos do eleitor, sobre a sua fidelidade à vontade popular.

O relatório técnico em comento evidencia, em princípio, de forma consistente, a existência de sérios e concretos problemas inerentes à vulnerabilidade no sistema eletrônico da votação, que a Justiça eleitoral vem garantindo perante a sociedade e o mundo que se trata de algo perfeito, sem qualquer mácula, quanto à segurança e confiabilidade, na forma prevista na legislação de regência, em termos da pretendida segurança jurídica.

A verdade é que a fiscalização que se impõe precisa ser realizada sempre que tiverem indícios sobre quaisquer suspeitas de irregularidades, não importando quais sejam, porque isso faz parte do processo democrático, que não permite a existência de dúvida de maneira alguma na administração pública, que se refere à incumbência da Justiça eleitoral ser transparente nas atividades sob a sua responsabilidade, em especial no que se refere ao processo eleitoral, como salvaguarda natural das premissas democráticas.

O relatório em apreço se baseia no glossário das eleições informatizadas  de 2022,  que descreve as funções dos  três arquivos gerados pelas urnas e publicados no portal do Tribunal eleitoral, a exemplo do boletim de urna - que permite conhecer o resultado em cada sessão eleitoral, assim como a realização de  testes dos equipamentos pertinentes; o RDV - registro digital do voto, que permite eventual recontagem do arquivo que registra todos os votos; e log da urna, que o elemento importante de auditoria para os partidos políticos e entidades fiscalizadoras, que serve como espécie de diário onde cada linha registra a atividade da urna, cujas informações têm a finalidade de garantir a associação com o hardware e a segurança do processo eleitoral.

          Com base nesses elementos e equipamentos, as análises realizadas em cerca de 472 mil urnas permitiram se encontrar dois comportamentos diferentes de acordo com o modelo das urnas, em que, em 192 mil urnas do modelo novo, a partir de 2020, o comportamento é o esperado, seguindo a normalidade processual, enquanto em mais de 279 mil urnas, com fabricação anterior a 2020, ou seja, 59,2% do total, foi constatado, em cada linha de funcionamento delas, o código é inválido, impedindo a associação à urna, o que indica claro indício de evidência de mau funcionamento da urna, diante do desvio de padronização de qualidade, se comparado com as urnas fabricadas a partir de 2020.

Em princípio, o relatório em apreço mostra importante desvio de funcionamento das urnas, quando vários aparelhos travaram, deixando de funcionar, tendo sido desligadas no processo da votação e posteriormente religadas, cujo procedimento caracteriza violação do sigilo do ato da votação, por expor dados pessoais do eleitor, ou seja, houve interferência no sigilo da votação. 

O relatório mostra que, com o uso das urnas fabricadas anteriormente a 2020, nas quais foram apontados mau funcionamento, há comprometimento do resultado final e da sua credibilidade, à vista da constatação de erros recorrentes, em que o candidato declarado vencedor teria atingido 52% dos votos, contra 47% do candidato derrotado. 

Por sua vez, com base nas urnas fabricadas a partir de 2020, que apresentaram funcionamento normal, o candidato derrotado ganha com mais 51% de votos contra 48,95 % para o seu adversário, ou seja, os resultados são discrepantes para modelos diferentes das urnas, conforme consta do relatório protocolado  no Tribunal eleitoral.

De acordo o citado relatório, há a constatação de inconsistências gritantes e recorrentes em todas as urnas fabricadas anteriormente a 2020, que não permitem atestar o resultado eleitoral ou a vontade do eleitor e compromete a segurança e a credibilidade do processo eleitoral.

Diante das referidas discrepância e inconsistências, urge que a Justiça eleitoral adote as necessárias providências legais, de modo que justifique e esclareça, na forma da lei, as medidas imprescindíveis ao saneamento desses desvios procedimentais, eis que, se existem indícios de dúvidas, quanto às queixas de mau funcionamento da votação, isso implica que, de forma indevida e irregular, um candidato foi atestado.

Em que pesem todas as argumentações sobre possíveis inconsistências e outros questionamentos sobre o resultado da votação, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral indeferiu o pedido em apreço, explicando que o arquivo com voto é algo diferente do log, que foi questionado pela coligação, e ainda aplicou multa milionária aos autores do pleito, por litigância de má-fé.

Causa perplexidade que, em tão pouco tempo, sem a devida análise técnica e decidindo pelo plenário do Tribunal eleitoral, o presidente resolva sozinho a questão que merece as devidas explicações, uma vez que as dúvidas permanecem quanto à legitimidade do resultado das urnas, à luz dos fatos suscitados nas argumentações em causa.

No Estado Democrático de Direito, a decisão em apreço não condiz com a transparência que se espera da administração pública, que diz com a exposição detalhada dos procedimentos adotados com relação à apuração dos votos, em especial, a partir da disponibilização do código fonte, para facilitar o trabalho de quem quiser fiscalizar a regularidade dos procedimentos adotados pela Justiça eleitoral, com a devida minúcia, a operacionalização da votação.

Enfim, resta se conformar com a situação, tendo em vista que foi o povo que quis assim, votando no candidato que prometia, pasmem, democracia, quando a confirmação dos resultados das urnas é decidida exclusivamente ao livre-arbítrio por quem tomou partido pelo candidato eleito e não se dispõe a agir com a devida transparência, fato que evidencia total falta de respeito aos princípios democráticos.  

Brasília, em 24 de novembro de 2022       

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