segunda-feira, 28 de novembro de 2022

O poder do povo

 

Em mensagem que circula nas redes sociais, alguém escreveu que “O Presidente Jair Messias Bolsonaro é o atual chefe e líder maior das Forças Armadas, (...). A Constituição garante no seu artigo primeiro que o povo é o poder maior na democracia e a ele devem obediência aos seus representantes. Então vamos dar a ordem para o chefe das Forças Armadas, aquele que jurou defender a nossa liberdade com a própria vida, a saber, ao nosso Excelentíssimo Presidente da República, Sr. Jair Messias Bolsonaro. Vamos todos ordenar já, em uníssono, bom e alto tom! Sr. Presidente o povo ordena que o Senhor cumpra sua obrigação! Ordene às Forças Armadas para entrarem em ação! Sr. Presidente obedeça ao povo e a constituição! Dê logo o comando às Forças Armadas, para libertar nossa Nação! Sr. Presidente convoque o STM e cumpra sua missão! Honre O NOSSO DEUS, as Famílias e a Nação! (...)”.

De logo, percebe-se que está escrito na mensagem supratranscrita que o povo é o poder maior, na democracia, à luz do disposto no artigo 1º da Constituição e, por isso, os representantes políticos devem obediência ao povo, razão do desejo colocado na mensagem de se ordenar que autoridades da República ouça o povo e cumpram as suas ordens.

Ao contrário dessa compreensão, ocorre que não é exatamente essa a interpretação dada ao parágrafo único do aludido dispositivo, que apenas estabelece, verbis: “Art. 1º (...) Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”.

Na verdade, o que diz o texto e sobre isso se pode inferir clara e tranquilamente é que o povo tem o poder sim, que o transfere para os seus representantes políticos, por meio do voto, ou seja, o poder que é do povo deixa de ser dele quando ele elege o seu delegado, por meio do voto, tamanha a sutileza da norma constitucional que confunde os menos instruídos quanto à sua literalidade interpretativa.

Daí a expressão “Todo poder emana do povo, ...” e somente isso, que já é muito, mas sem nada mais, porque só existe poder formalmente se tiver o voto do povo, no caso, se ele eleger quem possa exercer, de forma efetiva, o poder, que, no caso, são os representantes legalmente eleitos.

No mais, o povo não tem poder para absolutamente nada e muito menos para exigir ou ordenar alguma medida de ninguém, nem do presidente do país e muito menos dos demais representantes políticos, que recebem o mandato de mão beijada, sem compromisso de coisa alguma, nem mesmo de defender as causas do povo, que já seria o mínimo, em se tratando de regime democrático, em que, em princípio, o povo deveria ter o controle do poder, inclusive com o dever constitucional de seguir a vontade dele, caso essa regra básica estivesse claramente definida na Lei Maior do Brasil.

O certo é que o povo, embora seja a célula máter da nação, ele somente tem o direito ou o dever de formalizar e constituir o poder, para ser exercido por seus representantes políticos, nos termos do parágrafo único supratranscrito e mais nada, porque nenhum poder ao povo foi consignado na Constituição, senão, repita-se, o dever de votar nesses representantes.

Na verdade, essa desagradável situação, que mostra visível descompasso com a evolução da humanidade, tem o condão de confirmar o desinteresse ou a involução do povo, que aceita pacificamente tal realidade, na forma exatamente definida por seus representantes, que aprovaram a Constituição e estabeleceram apenas o dever da votação para elegê-los, deixando de definir formas e meios capazes de se permitir a participação do povo nas decisões nacionais, a exemplo da aceitação da imposição dos anseios do povo, para ele realmente ter voz e ainda puder ser ouvido, precisamente em harmonia com os princípios republicano e democrático.   

Diante dessa terrível e desagradável notícia, convém que a Constituição seja atualizada, com vistas à inserção de dispositivo que possibilite amparar não só o dever de o povo eleger seus representantes políticos, mas também, em especial, de puder influenciar e até interferir em assuntos relevantes e de interesse nacional, como acontece no presente momento, em que as autoridades dos poderes Executivo e Legislativo seriam obrigadas a ouvir o povo, para o fim de promoverem as medidas necessárias ao combate à terrível crise que se abateu sobre os poderes da República.

Além disso, é interessante que se permita que também haja a possibilidade de recall político, para o fim de puder se avaliar sobre a conveniência do afastamento do cargo para o qual o representante político foi eleito, sempre que ele se evolver em caso de negligência funcional, a exemplo de deixar de cumprir as promessas de campanha, ou em irregularidades.

A verdade é que o povo, embora seja tudo perante o Estado, porque sem ele este sequer existe, mas, perante a Constituição brasileira, o povo não é absolutamente nada com relação ao ordenamento da sua vontade diante dos seus representantes, ressalvado, obviamente, o seu poder de eleger os dirigentes dos poderes Executivo e Legislativa, que também deveria ter o poder de eleger os membros do Judiciário.

Não há a menor dúvida de que o povo é a razão da existência do Estado, mas nada disso tem importância se não houver definição bem clara, na Constituição, mediante o estabelecimento, em termos políticos, sobre os seus direitos, inclusive quanto ao poder de dizer o que os seus representantes políticos devam fazer, em sintonia com a sua vontade, em especial, no sentido de serem obrigados a ouvir e obedecer ao povo, quanto aos seus anseios sociais, em harmonia com os princípios democráticos.

Brasília, em 28 de novembro de 2022

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