terça-feira, 7 de junho de 2016

A legião de aproveitadores


De acordo com resultado do maior pente-fino já realizado desde o início, em 2003, no programa Bolsa Família, promovido pelo Ministério Público Federal, com base em cruzamento de dados dos arquivos do então Ministério do Desenvolvimento Social com informações de órgãos como a Secretaria da Receita Federal e os Tribunais Superior Eleitoral e de Contas da União, a análise constatou a existência de mais de 1 milhão de fraudes nos pagamentos dos benefícios pertinentes.
Os aludidos levantamentos são inéditos e revelam que montanha de recursos, da ordem de R$ 2,6 bilhões, foi desviada dos cofres públicos, em benefício, pasmem, de servidores públicos, pessoas mortas e até doadores de campanha, todos “devidamente” cadastrados como autênticos beneficiários, quando a lei de regência do programa estabelece como pré-requisito para o benefício famílias sem condições financeiras, o que nunca foi o caso desses espertíssimos aproveitadores.
          Pelos cálculos de especialistas, esse dinheiro seria suficiente para a construção de, no mínimo, 30 mil casas, no modelo adotado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Somente entre 2013 e 2014, pelo menos 2,6 bilhões de reais do total da verba reservada ao Bolsa Família foram parar no bolso de quem não precisava, fato que demonstra cristalina deficiência de controle e fiscalização, permitindo a facilitação do desvio de dinheiro para quem não se enquadra nas exigências do programa e muito menos precisa do benefício.
Como se sabe, o Bolsa Família paga o valor mensal a partir de R$ 77,00 por pessoa e se destina com exclusividade às famílias enquadradas abaixo da linha da pobreza, mas a varredura em tela mostrou que beneficiários estranhos recebiam placidamente o pagamento, enquanto muitas famílias realmente carentes estão aguardando aprovação de cadastro ou esperando oportunidade para se beneficiar, fato que mostra visível gravidade de distorção de programa absolutamente infenso aos indispensáveis controle e regularidade.
Causa estarrecimento que as irregularidades somente com servidores públicos representaram nada mais nada menos que 585.000 beneficiários, em que os cadastrados recebiam ao menos o salário mínimo, como piso da categoria, e, segundo foi apurado na auditoria, eles integravam as famílias com renda per capita acima de R$ 154,00, justamente pessoas que não preenchiam o requisito básico para o recebimento do benefício.
Como as fraudes têm vinculação direta com servidores majoritariamente dos municipais, há forte presunção de que a sua incidência não dispõe de comando centralizado, mas sim de falha que "Nasce daquele microcosmo do município em que o cadastrador conhece quem está sendo habilitado e não tem interesse em realizar uma fiscalização correta sobre suas condições de pobreza", segundo entendimento do coordenador da pesquisa em apreço.
Os doadores de campanha ocupam lugar de destaque no ranking das categorias de fraudadores identificadas no estudo, conforme aponto relatório do Ministério Público, segundo o qual constavam 90.000 beneficiários no programa, que foram doadores, em 2014, de financiamentos para políticos ou partidos, com valores iguais ou superiores aos recebidos do programa naquele ano e casos de grupos de dez ou mais beneficiários que transferiram verbas para um mesmo candidato.
O levantamento verificou, além da existência de 318.000 beneficiários sem CPF ou com mais de um CPF, que eram donos de empresas, fato que evidencia que, nessa condição de empresário, eles jamais eles conseguiriam provar que estavam situados abaixo da linha da pobreza, deixando muito claras as fragilidades do controle e da fiscalização, que permitiram a perpetuação de absurdo dessa ordem, à luz solar.
Em termos de desperdício, já houve o cálculo do importe de R$ 2,6 bilhões desviados, cujos valores correspondem a 4,5% do total investido no programa no período, mas os responsáveis pelas verificações estimam que o rombo está ainda longe de ter seus valores finalizados, porque muitas fraudes ficaram de fora do levantamento em apreço e que "Apenas servidores com quatro ou menos familiares entraram no estudo.", o que significa dizer que o prejuízo ainda vai aumentar de forma expressiva, sobretudo se o trabalho se estender ao universo do programa.
Causa enorme estranheza se verificar que, em se tratando de falhas recorrentes, totalmente inevitáveis, diante das constatações da sua incidência, não haja notícia, por mínima que seja, no sentido de que alguém tenha sido responsabilizado ou culpado por permitir que programa tão importante funcione com irregularidades gravíssimas, conforme a reportagem em tela, diante da omissão e da cumplicidade com os pagamentos indevidos, o que caracteriza crime contra a administração pública, à vista da gritante deficiência de funcionamento.
De forma cristalina, as fraudes levantadas por órgãos de fiscalização e controle somente demonstram o que não é novidade para ninguém que o programa Bolsa Família, na forma como funciona sob a gestão petista, não passa de péssimo exemplo como não se deve aplicar recursos públicos, diante da constatação da completa falta de cadastro confiável e de controle sobre a efetividade da aplicação dos recursos exclusivamente no pagamento do benefício a quem se enquadra nos requisitos estabelecidos na legislação de regência.
Diante dessas cristalinas constatações, urge que o programa Bolsa Família, com vistas ao seu funcionamento seguro e confiável, com as indispensáveis eficiência e efetividade, nos termos da legislação de regência, passe por urgente recadastramento geral, em forma de mutirão, com a finalidade de escoimar as mazelas e os aleijões estranhos à sua execução, que jamais deveria contemplar legiões de inescrupulosos aproveitadores, a exemplo de servidores públicos, pessoas mortas, doadores de campanha e outros sanguessugas assemelhados, em indiscutível desvirtuamento de suas precípuas e importantes finalidades sociais. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 07 de junho de 2016

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