quinta-feira, 30 de junho de 2016

Repúdio ao foro privilegiado


O juiz federal que determinou a prisão do ex-ministro petista e as buscas e apreensões no apartamento que ele divide com a sua esposa, que é senadora, disse ao Supremo Tribunal Federal que não houve ilegalidades na decisão que autorizou o recolhimento de bens e documentos na casa dele.
O petista foi o principal alvo da Operação Custo Brasil, que investiga esquema milionário de propina em operações de crédito consignado, cuja fraude teve origem no Ministério do Planejamento, quando ele era o titular da pasta.
A autorização para as buscas e apreensões em um apartamento funcional do Senado, onde moram o petista e sua esposa, levou a questionamentos ao STF e a pedidos de explicação do relator do caso.
Em resposta ao Supremo, o juiz disse que "a ordem se restringia a Paulo Bernardo e apenas a seus bens, equipamentos eletrônicos, documentos, etc." e informou que a senadora não é alvo da investigação em causa.
O apartamento funcional sob a responsabilidade da senadora seria, no entendimento do juiz, bem público federal passível de ser alvo de busca e apreensão, porque, explicou: "Não é o apartamento funcional que tem foro por prerrogativa de função. É a senadora da República que tem foro por prerrogativa de função. A medida não foi contra o Senado nem contra a senadora".
Nas explicações enviadas ao Supremo, o juiz declarou que, na descrição do endereço que deveria ser alvo de buscas, nem a polícia nem o Ministério Público informaram que se tratava de um apartamento funcional. Ele ponderou ainda que "na audiência de custódia, Paulo Bernardo informou que a maior parte do tempo residiria no endereço em Brasília".
O juiz destacou trechos do despacho que autorizou a coleta de documentos do petista, tendo afirmado que excluiu da busca e apreensão qualquer bem ou documento pertencente à senadora.
Ele disse que "O Judiciário pode permitir a busca e apreensão na residência de uma pessoa que não é investigada por nada, contra a qual não pairem quaisquer suspeitas? A resposta é positiva desde que haja, na mesma residência, alguém que seja investigado e contra o qual pairem indícios suficientes a justificar a busca e apreensão. Para todos os efeitos, a senadora não é investigada nesta primeira instância, ou seja, ela não é sujeito passivo da medida de busca e apreensão. Portanto, não há, em tese, óbice para busca e apreensão na residência de Paulo Bernardo, muito embora sua esposa ocupe cargo público detentor de foro de prerrogativa de função".
Assiste inteira razão ao juiz, por ter o cuidado de deixar claro que a residência de autoridade não pode ser caracterizada como local imune às investigações e muito menos ao trabalho da Justiça, em busca da verdade real, tão somente pelo simples fato de ali morar alguém com foro privilegiado, isto porque esse injustificável benefício não tem amparo legal para ser estendido ou transferido para quem se encontra sendo investigado, sem o usufruto desse privilégio, porque pensar diferentemente disso seria o mesmo que incentivar a impunidade, que tem sido a mãe dos corruptos, que tantas desgraças causam à população, em razão do desvio de recursos públicos.
A tese segundo a qual a residência da senadora não poderia ter sido visitada pela Polícia Federal, para os fins das buscas imprescindíveis à elucidação de fatos suspeitos de irregularidades, sob o argumento do foro privilegiado, não se sustenta, justamente por falta de amparo legal e, se acaso ela tivesse consistência jurídica, também poder-se-ia se inferir, em sentido contrário, que a esposa do suspeito também estaria passível de suspeição, pelo mesmo motivo que teria levado à absurda conclusão de o foro de prerrogativa também se estenda ao marido.
À toda evidência, a decisão adotada no caso em comento se reveste de plena legitimidade, por ter por objeto a obtenção de elementos necessários aos esclarecimentos sobre fatos, em princípio, inquinados de irregulares, cuja medida não poderia ter sido evitada sob a alegação de também morar na residência do investigado pessoa que tem foro por prerrogativa de função, que a tanto não se justifica, à luz do princípio constitucional segundo o qual todos são iguais perante a lei, não podendo haver privilégio para ninguém, muito menos na tentativa de se livrar da ação da Justiça, que apura possível crime contra a administração pública e o ordenamento jurídico. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 30 de junho de 2016

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