sexta-feira, 24 de junho de 2016

Imunidade parlamentar?




Em meio à efervescência das discussões sobre a cultura do estupro enraizada na população brasileira, o Supremo Tribunal Federal acolheu denúncia contra um deputado federal pelo Rio de Janeiro e o transformou em réu por apologia ao crime, por ter atacado, de forma grosseira e inaceitável, uma deputada federal pelo Rio Grande do Sul, quando ele afirmou no plenário da Câmara dos Deputados, em alto e bom som, que não a estupraria "porque ela não merece".
Na mesma sessão, a Suprema Corte recebeu queixa-crime contra o deputado, por injúria.
          À toda evidência, o argumento do deputado pode abrir precedente inadmissível e mesquinho no sentido da possível interpretação que há mulheres que "merecem", sob a avaliação esdrúxula do “bicho” homem, ser violentada sexualmente.
Não se pode colocar no guarda-chuva da imunidade parlamentar forma de agressão ao ser humano, notadamente quando seus termos podem representar indiscutível demanda depreciativa e discriminatória, com a finalidade de caracterizar absoluto desprezo pessoal.
O Código Penal prevê, no caso de condenação por apologia ao crime, a aplicação de pena de três a seis meses de detenção ou multa.
Na apreciação da matéria em apreço, o relator da ação fez discurso com termos duros contra a manifestação do parlamentar, ao afirmar que "A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo".
Em reforço à manifestação plenária, o deputado carioca disse, em entrevista ao jornal Zero Hora, que "Ela (a deputada) não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece".
No cumprimento da sua incumbência constitucional e legal, o Ministério Público, que é autor da denúncia em tela, reagiu nestes termos: "Ao afirmar o estupro como prática possível, só obstado, para a deputada Maria do Rosário, 'porque ela é muito feia', o denunciado abalou a sensação coletiva de segurança e tranquilidade, garantida pela ordem jurídica a todas as mulheres, de que não serão vítimas de estupro porque tal prática é coibida pela legislação penal. Ao dizer que não estupraria a deputada porque ela não 'merece', o denunciado instigou, com suas palavras, que um homem pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda ser merecedora do estupro.”.
A defesa o parlamentar tentou justificar que a agressão verbal não seria incitação ao crime de estupro, tendo interpretado que a decisão do Supremo caracteriza censura ao congressista, com poder de colocar em xeque a liberdade de manifestação.
Trata-se, fora de dúvida, de apologia ao crime de estupro, que discrepa da normal função legislativa de expressar o sentimento de cunho estritamente parlamentar, que não o isenta da obrigação de zelar e cuidar do princípio que obriga preciso respeito à dignidade da mulher, como ser humano, que precisa, como o homem, ser preservado quanto à sua integridade, que teria sido denegrida de forma agressiva, desumana, ostensiva e graciosa, desmerecendo a devida dignidade da mulher.
Não se pode confundir os personagens envolvidos nesse affaire com o caso em sim, quando se sabe perfeitamente o que eles são capazes de produzir na vida pública, quando se trata, na verdade, de questão deprimente do estupro, que jamais deveria ter acontecido de forma estapafúrdia e deselegante, sendo protagonizado por pessoas representantes do povo, que têm a obrigação de servir de modelo de dignidade, não confundindo agressão verbal, que é o caso, com direito à imunidade parlamentar de se expressar livremente.
Os casos de estupro devem ser examinados pelo Poder Judiciário com a extrema seriedade, por envolver a dignidade humana, que jamais deveria ser objeto de qualquer espécie de disputa, muito menos política, como exposto pelo deputado carioca, quanto mais ainda por falecer qualquer razão à alegada imunidade parlamentar para puder agredir ser humano, de forma extremamente depreciativa, em visível menosprezo à mulher, com caracterização de ferimento  ao princípio humanitário, que não se justifica diante da evolução experimentada pelo ser humano, que se coaduna com o espírito de compreensão e harmonia entre os semelhantes.
          Oxalá a decisão do Supremo Tribunal Federal possa ter o sublime poder de influenciar e mostrar aos homens, mesmo com ideologias antagônicas, que somente os sentimentos ínsitos de civilidade podem contribuir para a construção dos princípios de harmonia, união e paz que devem prevalecer sempre entre os seres humanos. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 24 de junho de 2016

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