Em
meio à efervescência das discussões sobre a cultura do estupro enraizada na
população brasileira, o Supremo Tribunal Federal acolheu denúncia contra um
deputado federal pelo Rio de Janeiro e o transformou em réu por apologia ao
crime, por ter atacado, de forma grosseira e inaceitável, uma deputada federal pelo
Rio Grande do Sul, quando ele afirmou no plenário da Câmara dos Deputados, em
alto e bom som, que não a estupraria "porque
ela não merece".
Na
mesma sessão, a Suprema Corte recebeu queixa-crime contra o deputado, por
injúria.
À
toda evidência, o argumento do deputado pode abrir precedente inadmissível e
mesquinho no sentido da possível interpretação que há mulheres que "merecem", sob a avaliação esdrúxula
do “bicho” homem, ser violentada sexualmente.
Não
se pode colocar no guarda-chuva da imunidade parlamentar forma de agressão ao
ser humano, notadamente quando seus termos podem representar indiscutível
demanda depreciativa e discriminatória, com a finalidade de caracterizar
absoluto desprezo pessoal.
O
Código Penal prevê, no caso de condenação por apologia ao crime, a aplicação de
pena de três a seis meses de detenção ou multa.
Na
apreciação da matéria em apreço, o relator da ação fez discurso com termos
duros contra a manifestação do parlamentar, ao afirmar que "A violência sexual é um processo consciente
de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo".
Em
reforço à manifestação plenária, o deputado carioca disse, em entrevista ao
jornal Zero Hora, que "Ela (a
deputada) não merece porque ela é muito
ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não
sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece".
No
cumprimento da sua incumbência constitucional e legal, o Ministério Público,
que é autor da denúncia em tela, reagiu nestes termos: "Ao afirmar o estupro como prática possível,
só obstado, para a deputada Maria do Rosário, 'porque ela é muito feia', o
denunciado abalou a sensação coletiva de segurança e tranquilidade, garantida
pela ordem jurídica a todas as mulheres, de que não serão vítimas de estupro porque
tal prática é coibida pela legislação penal. Ao dizer que não estupraria a deputada
porque ela não 'merece', o denunciado instigou, com suas palavras, que um homem
pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda ser merecedora do
estupro.”.
A
defesa o parlamentar tentou justificar que a agressão verbal não seria
incitação ao crime de estupro, tendo interpretado que a decisão do Supremo
caracteriza censura ao congressista, com poder de colocar em xeque a liberdade
de manifestação.
Trata-se,
fora de dúvida, de apologia ao crime de estupro, que discrepa da normal função legislativa
de expressar o sentimento de cunho estritamente parlamentar, que não o isenta
da obrigação de zelar e cuidar do princípio que obriga preciso respeito à
dignidade da mulher, como ser humano, que precisa, como o homem, ser preservado
quanto à sua integridade, que teria sido denegrida de forma agressiva, desumana,
ostensiva e graciosa, desmerecendo a devida dignidade da mulher.
Não
se pode confundir os personagens envolvidos nesse affaire com o caso em sim,
quando se sabe perfeitamente o que eles são capazes de produzir na vida pública,
quando se trata, na verdade, de questão deprimente do estupro, que jamais deveria
ter acontecido de forma estapafúrdia e deselegante, sendo protagonizado por
pessoas representantes do povo, que têm a obrigação de servir de modelo de
dignidade, não confundindo agressão verbal, que é o caso, com direito à
imunidade parlamentar de se expressar livremente.
Os
casos de estupro devem ser examinados pelo Poder Judiciário com a extrema
seriedade, por envolver a dignidade humana, que jamais deveria ser objeto de
qualquer espécie de disputa, muito menos política, como exposto pelo deputado
carioca, quanto mais ainda por falecer qualquer razão à alegada imunidade parlamentar
para puder agredir ser humano, de forma extremamente depreciativa, em visível
menosprezo à mulher, com caracterização de ferimento ao princípio humanitário, que não se
justifica diante da evolução experimentada pelo ser humano, que se coaduna com
o espírito de compreensão e harmonia entre os semelhantes.
Oxalá a decisão do Supremo Tribunal Federal possa ter o sublime
poder de influenciar e mostrar aos homens, mesmo com ideologias antagônicas,
que somente os sentimentos ínsitos de civilidade podem contribuir para a
construção dos princípios de harmonia, união e paz que devem prevalecer sempre entre
os seres humanos. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 24 de junho de 2016
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