sábado, 26 de agosto de 2023

Levantamentos inócuos?

 

Conforme vídeo que foi postado na internet, um coronel descreve, com bastante minudência, o sentimento nutrido por alguns militares de denunciarem o que ele chama de omissão de oficiais generais, que demonstraram desinteresse em defender o resultado do acompanhamento das últimas eleições brasileiras, por comissão das Forças Armadas.

Segundo aquele coronel, alguns militares inconformados pretendem denunciar os mencionados oficiais generais a organismos da justiça internacionais para que esses oficiais estrelados tomem as devidas providências.

“(...) Existe um relatório das Forças Armadas deste país (...) Esse relatório diz que as urnas não são seguras e eles não podem atestar a segurança das urnas e que elas podem sofrer  uma contaminação e que não foi facultado a essa equipe o acesso a tudo que eles necessitavam para fazer a declaração como fiscais dessas urnas. O Exército teria obrigação, de ofício, cobrar do Tribunal Superior Eleitoral que fossem tomadas as medidas saneadoras para que o Brasil tivesse eleições seguras e que nós não passássemos pelo constrangimento de duvidar de que possa haver fraudes nesses urnas (...)”.

 O empolgante discurso da lavra do valoroso e bravo coronel, que chega a mostrar extrema indignação pelo deprimente status quo, está repleto de equívocos, uma vez que a comissão referida por ele não tem qualquer competência constitucional para dizer absolutamente nada sobre o resultado das urnas, muito menos de atestar irregularidades, mesmo que elas tenham  sido constatadas.

É preciso ficar muito claro que as Forças Armadas foram convidadas pelo órgão eleitoral apenas para o acompanhamento das eleições, sem qualquer poder para fazer coisa alguma, nem para apontar falhas e muito menos para exigir saneamento sobre alguma falha, porque falece competência legal para qualquer formulação de medida corretiva, mesmo que elas existam, de forma palpável e indiscutível.

 Em consequência disso, não tem o menor cabimento a denúncia sobre  omissão de oficiais generais, que tomaram conhecimento de graves irregularidades pertinentes ao resultado das últimas eleições, que mereceu a desaprovação da comissão especial das Forças Armadas, para o acompanhamento da operacionalização das urnas eletrônicas.

Segundo a denúncia em apreço, oficiais generais teriam se omitido em nada fazerem, tendo por base os achados daquela importante comissão, dando a entender que a culpa pelas mazelas perpetradas no sistema eleitoral brasileiro é exclusivamente deles, quando possíveis deficiências são decorrentes da legislação eleitoral anacrônica, que carece de cuidadoso e urgente aperfeiçoamento.

Diante desse fato que foi considerado desastroso, militares concluíram que eles têm o direito de moverem ação contra os militares omissos ou, mais precisamente, contra o Exército, conforme a chamada do título da reportagem pronunciada no vídeo em causa.

O militar faz questão de pontuar que o próprio presidente do órgão eleitoral reconhece a fragilidade e a insegurança das votações, ao sugerir a implantação do voto impresso auditável.

A verdade é que todo esforço de argumentação despendido pelo arguto e sapiente militar queda diante da fatalidade existencial brasileira, em que o sistema eleitoral é regido por norma própria, que vem sendo observada, com os devidos cuidado, zelo e vigor pelo órgão eleitoral.

A primazia dessa legislação ao órgão eleitoral esvazia qualquer outra forma de interferência externa, quanto à tentativa de mudança de rumos do trabalho da incumbência exclusiva da Justiça eleitoral, que não tem motivo algum para se abalar por conta de relatório ou crítica sobre o seu desempenho, nem mesmo quando pesadas denúncias partem das poderosas Forças Armadas;

No caso, falta às Forças Armadas competência constitucional senão para o cumprimento da sua missão de defesa do território nacional, da lei e da ordem, sem qualquer capacidade jurídica para interferir no sistema eleitoral, que realmente tem precariedades, mas é evidente que elas são próprias da falta da modernização e do aperfeiçoamento da legislação inerente ao seu funcionamento.

É extremamente lamentável que a principal autoridade do governo anterior, que se tornou notável especialista em questões eleitorais, não tivesse o necessário cuidado para providenciar as medidas legislativas à modernidade do sistema eleitoral.

Isso teria permitido o voto impresso auditável, inclusive a participação das Forças Armadas, dos partidos políticos e da sociedade no gerenciamento das questões relacionadas com a operacionalização das urnas eletrônicas, o que tornaria possível, em termos jurídicos, a validade das lúcidas alegações do diligente militar, que se equivoca redondamente em pensar sobre a validade das conclusões da comissão de militares, quando elas são absolutamente ineficazes, em razão da falta de previsão legal, para tanto.  

A verdade é que as importantes argumentações constantes do pretensioso discurso, à luz das normas eleitorais vigentes, não significam nenhum resultado prático, sendo totalmente desnecessária e injusta a forçada acusação sobre a possível omissão por parte de oficiais generais, exatamente por falta de previsão legal e constitucional.

O certo é que o relatório das Forças Armadas tem apenas a consistência do esforço de levantamento acerca de questões sabidamente inúteis, inaproveitáveis e infrutíferas, para os fins por ele objetivados, uma vez que o resultado das votações reflete o exato cumprimento da legislação vigente.

Por seu turno, por mais que a Justiça eleitoral seja acusada sobre a prática de irregularidades, somente existe a acusação contra a falta da transparência de que trata o princípio da publicidade insculpido no artigo 37 da Constituição, que foi algo que deixou de ser focado no longo discurso do coronel, cujo conteúdo se resume como absolutamente inócuo, por falta de amparo legal das medidas por ele indicadas, infelizmente.

Urge que o poder Legislativo promova o aperfeiçoamento da legislação pertinente ao sistema eleitoral, de modo que passem a ser obrigatórios o voto impresso auditável, entre outras medidas necessárias à atualização e à modernização das urnas eletrônicas, não permitindo quaisquer suspeitas sobre a incidência de fraudes no resultado das eleições.

Brasília, em 26 de agosto de 2023

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