Ainda nesta semana, comentei, em crônica, o caso de
médica que foi dispensada de hospital por ter clinicado o uso de nebulização com
cloroquina de doente com Covid-19.
A notícia agora é a de que três pacientes que
receberam nebulização com cloroquina na cidade de Camaquã, Rio Grande do Sul,
no mesmo hospital onde a mencionada médica trabalhava, morreram durante o
tratamento para o qual ainda não tem comprovação científica.
As vítimas vieram a óbito depois de receberem o
tratamento que também não faz parte dos protocolos do Hospital onde eles
estavam internados.
A nebulização com a cloroquina foi realizada sob a administração
de médica que chegou a gravar vídeo enquanto fazia o tratamento de paciente,
que disse que tinha melhorado com a aplicação da nebulização.
A médica foi afastada do hospital e está sendo
investigada pelo Conselho Regional de Medicina, ficando sujeita à perda do registro
médico, mesmo que ela apenas tentasse salvar vidas, embora o seu procedimento
não contasse com o respaldo nem do hospital nem do órgão de fiscalização da classe
médica.
Segundo o diretor-técnico do hospital, ainda não é
possível atribuir as mortes à nebulização com cloroquina administrada pela
médica, mas ele esclarece que não se trata da chamada prescrição off label,
autorizada pelo Conselho Federal de Medicina.
Ele disse que, “A meu ver, esse tipo de terapia
(nebulização com cloroquina) transcende o que chamamos de prescrição ‘off
label’. Não tenho experiência com ela e não encontrei referências seguras para
aplicar ela, portanto optei por não fazer.”.
O diretor do hospital ressaltou que dois dos três
pacientes mortos estavam em estado grave, com insuficiência respiratória, prefere
ser cauteloso quanto às consequências do tratamento, no estado de saúde dos
pacientes, mas aponta alguns elementos que podem comprovar a ineficácia da
nebulização com cloroquina, nestes termos: “Não tenho como atribuir melhora,
ou piora diretamente ao procedimento, mas de fato, o desfecho final de três
pacientes submetidos a terapia foi óbito. Todos eles têm documentado em
prontuário taquicardia, ou arritmias algumas horas após receberem a nebulização.”.Parte inferior do formulário
O diretor esclarece que o tratamento só foi
permitido porque os pacientes entraram na Justiça para garantir a nebulização
com cloroquina, fato que ele não tinha como evitar, tendo concluído o seguinte:
“Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante
de muita pressão da sociedade, permitimos, que via judicial e de maneira formalizada,
os pacientes que desejavam receber essa terapia assim o fizessem.”.
Na semana passada, o presidente da República entrou
no ar, ao vivo, em uma rádio de Camaquã, para impulsionar o tratamento por meio
da nebulização de hidroxicloroquina, fato que pode servir como péssimo exemplo,
uma vez que ele nada entende de medicina e muito menos não se responsabiliza pelas
possíveis consequências desastrosas e prejudiciais ao organismo e até mesmo à
vida, como aconteceu com três pessoas que tiveram a chancela da maior
autoridade do país, que deveria ficar calado no seu trono, deixar que o
ministro da Saúde cuide do combate à pandemia e apenas se volte para a agenda
presidencial, porque muitos assuntos de interesse nacional ficam sem solução quando
ele se imiscui em assuntos que não são da sua alçada, a exemplo do uso da
cloroquina.
Especialistas em medicina, consultados pelo jornal O
Estadão, informaram que a prática da nebulização com a hidroxicloroquina pode
resultar em ainda mais riscos de efeitos colaterais para os pacientes do que a
administração oral do remédio.
Infelizmente, a prática utilizada pela médica, que achava
que tinha encontrada a fórmula mágica para salvar vidas, pode ser jogo
perigoso, à vista logo de três mortes decorrentes da nebulização, que até pode
dar certo em alguns pacientes, mas também pode ter complicação para outros, como
visto nesses casos.
Na verdade, o uso desse remédio contra a Covid-19,
ainda neste mês, foi suspenso pela Organização Mundial de Saúde, tendo por base
estudos implementados por cientistas integrantes dela, que concluíram não ter encontrado
qualquer eficácia com a sua administração em 600 pacientes e ainda ter
constatado complicações de saúde, em especial com o surgimento de arritmia e
outros casos.
Em que pese o “todo-poderoso” brasileiro, sem qualquer
base científica, insistir no uso desse medicamento, é importante que ninguém ouse
seguir senão a sua própria consciência, no caso de se infectar com a Covid-19,
decidindo pelo seu uso somente se não for possível nenhuma alternativa, porque,
nesse caso, é de vida ou morte e assim tem que tentar o último recurso.
Se o governo tivesse o mínimo de conscientização sobre
a gravidade da pandemia, logo no início da crise, sem perda de tempo, teria determinado
ao órgão que tem a incumbência de cuidar da saúde dos brasileiros, que infelizmente
ficou quase um ano acéfalo, para estudar os efeitos da cloroquina e somente
disso ele até poderia ter condições de se manifestar com base em experiência
desenvolvida por especialistas, cientistas, o que teria contribuído para se
evitar transtornos, dúvidas, contradições, incertezas e mortes na esperança da
cura por meio de medicamento que nem a principal organização que cuida da saúde
mundial acredita no seu poder miraculoso que somente um leigo aconselha a sua
posologia, quando deveria se preocupar em buscar outros mecanismos capazes de
realmente contribuir para combater a Covid-19.
É preciso se usar o bom senso, sem generalização
com a administração de remédio que há grande possibilidade de diminuição da
carga viral, mas essa medicação precisa ser dosada em quantidade adequada e,
com mais sucesso, na fase precoce, no início da doença, porque as chances são
maiores de eficácia.
Vejam-se que a administração da hidroxicloroquina
não é recomendada pela Organização Mundial de Saúde, mas há notícia de que a
FDA, a agência norte-americana de regulamentação de remédios, nos moldes da
Anvisa, no Brasil, teria aprovado o uso desse medicamento, em todos os
pacientes com a Covid-19.
Tudo isso mostra o enorme precipitação em se
recomendar o uso de medicamento que atrai, a um só tempo, muitas conclusões com
acertos, erros, celeumas, dúvidas, contradições e até atribuições de mortes,
como nesse caso do uso da nebulização, que acaba de levantar mais uma complicação
quanto à efetiva segurança sobre a sua administração, que seria mais
conveniente se o órgão do governo tivesse providenciado os estudos pertinentes
aos reais critérios para o adequado emprego dele, em forma de recomendação, com
base em elementos confiáveis, seguros e incontestáveis, na forma do que se fez
com outro remédio, conforme o comentário a seguir.
Enquanto isso, sabe-se que a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa)
aprovou a aplicação terapêutica do já conhecido antiviral Remdesivir como
o primeiro medicamento contra a Covid-19, em cuja bula poderá conter recomendação
com essa finalidade.
Um especialista da gerência de qualidade de
medicamentos da Anvisa ressaltou que “A submissão se deu em 6 de agosto de
2020, quando tivemos contato com o dossiê completo. Depois da submissão, também
tivemos algumas conversas para entender melhor pois é um medicamento
desenvolvido com bastante celeridade e muitos aspectos ainda não estão fechados.
Na análise da qualidade, nosso principal papel é garantir (…) em que
termos o medicamento tem que estar para garantir (…) que ele tenha
qualidade e segurança”.
O especialista disse que “A gente espera que ele
seja fornecido com qualidade, eficácia e segurança que são necessários e ajude
as pessoas acometidas pela Covid-19. O medicamento será vendido em forma
de ‘pó para solução injetável’ que deve ser reconstituído no momento da
aplicação, terá prazo de validade de 36 meses, e será vendido com o nome
comercial de Veklury.”.
A Anvisa enfatizou que “Chegou-se à
conclusão de que o Remdesivir exibia uma potente atividade in vitro e in vivo
contra o SARS-Cov-2. O rim foi identificado como único órgão alvo de
toxicidade, mas nenhuma preocupação maior foi identificada. Em termos de
cenário regulatório internacional, o medicamento foi aprovado em diversas
agências, incluindo a europeia EMA, a americana FDA, a canadense, e
diversos outros países”.
Consta da reportagem pertinente que, em novembro
último, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu, nas suas orientações
contínuas, recomendação sobre o uso desse medicamento contra a Covid-19, tendo desaconselhado o seu uso para o
tratamento de pacientes hospitalizados, independentemente da gravidade da doença,
cuja medida foi publicada na revista médica BMJ.
Trata-se de enormes esforço e contribuição oferecidos
aos brasileiros pela Anvisa, que aprova o primeiro medicamento com recomendação
oficial, em bula, contra o Covid-19 e isso é por demais alvissareiro, em termos
de esperança e avanço no combate dessa terrível e letal doença.
Até agora, a Anvisa não se dispôs a estudar o
famoso medicamento “brasileiro”, inclusive defendido, de forma ardorosa, por
autoridade da República, o velho
conhecido de todos, o hidroxicloroquina, que somente dissemina questionamentos.
Diante da ampla divulgação desse remédio, a Anvisa,
em princípio, deveria especialmente se debruçar sobre ele e analisá-lo até
mesmo para dar satisfação sobre o seu trabalho especializado em relação a produto
que realmente desperta bem maior interesse do que o Remdevisir, que se trata de
remédio americano, com custo muito alto, muito além do alcance da população de
faixa de renda baixa
A conclusão que se pode ter é a de que, ante a
enorme certeza sobre a real eficácia do Remdevisir, conforme foi assegurado pela
Anvisa, se realmente o governo tivesse algum interesse em salvar vidas humanas,
já teria descartado, em definitivo, o uso da hidroxicloriquina e se empenharia
urgentemente em negociar com o laboratório daquele remédio, principalmente
quanto à drástica redução de seus custos, embora a vida não tenha preço, porque
o seu valor é exatamente a manutenção da integridade da saúde.
Com isso, o governo poderia implantar campanha de prevenção
da Covid-19, com o uso de remédio aprovado pela Anvisa, em evidente demonstração
de seriedade e competência, ao invés de ficar insistindo com o uso de remédio
que só contribui para dúvidas, incertezas e insegurança da população.
Ou seja, o governo, se quisesse, poderia mostrar
interesse em combater a pandemia se realmente optasse por remédio que já tem o
selo de qualidade garantido pela Anvisa, que é a agência confiável sobre a atestação
da eficiência e da garantia da origem e da autenticidade contra a doença, com
base na autoridade que passaria a respaldar seus atos, nesse particular, com o
aval de quem merece respeito, evitando, de vez, com tanta desconfiança e insegurança,
inclusive do próprio Conselho Federal de Medicina, que não aprova o uso da
hidroxicloroquina e até ameaça cancelar o registro do médico que a prescreve
contra a Covid-19.
Acredita-se que o governo passaria a ter credibilidade
e respeito em conscientizar-se de que o verdadeiro combate à pandemia se faz
por meio de programas e medidas sérios e decentes, com o respaldo das autoridades
científicas, que realmente podem transmitir confiança e segurança à população,
mesmo que haja nesse processo elevado custo, porque a vida humana vale todo
investimento, inclusive o tesouro da coroa, se necessário for para a salvação
dos brasileiros dessa horrorosa calamidade humanitária, que somente atingiu o
seu ápice exatamente pela notória falta de ações competentes e eficientes de
combate à pandemia do novo coronavírus.
Brasília,
em 26 de março de 2021