quarta-feira, 24 de março de 2021

Tragédia humanitária

 

Um painel de especialistas da Organização Mundial da Saúde divulgou, neste mês, recomendação contrária ao uso da hidroxicloroquina como método de prevenção contra a Covid-19, tendo por base estudos que não mostraram efeito ou eficácia significativo capazes de se evitar mortes ou internações, mas eles apontaram riscos de efeitos adversos provocados pela substância.

O presidente do Brasil, sem base científica, defendeu e continua defendendo o uso do remédio desde o início da longo e nefasta pandemia, embora várias pesquisas tenham mostrado que ele não tem eficácia contra o vírus e ainda pode causar graves efeitos colaterais, com destaque para disritmia irreversível.

A aludida recomendação é de autoria do Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes, que integra a OMS, cujos cientistas asseguram que a “forte recomendação” é baseada em evidências de alta certeza obtidas em seis estudos randomizados e controlados com 6 mil participantes.

A OMS declarou, em nota à imprensa, que “A evidência de alta certeza mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo em mortes e admissões em hospitais, enquanto evidência de certeza moderada mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo sobre infecções confirmadas em laboratório e provavelmente aumenta o risco de efeitos adversos”.

A referida organização disse que o grupo de cientistas considera que a droga não tem mais prioridade para pesquisa e que os recursos devem ser usados para avaliar outras drogas mais promissoras na prevenção contra o vírus, tendo reafirmado, em reforço, que “Essa diretriz se aplica a todos que não têm covid-19, independentemente da exposição a uma pessoa com a infecção”.

A recomendação em tela é a primeira versão de diretriz voltada para medicamentos capazes de prevenir a Covid-19.

A OMS esclareceu que o seu objetivo primordial é promover orientação confiável sobre a gestão da Covid-19 e ajudar médicos a tomarem melhores decisões para seus pacientes, deixando claro que a diretriz poderá ser atualizada diante de evidências, quando novas recomendações serão acrescentadas quando estudos de relevância se tornarem disponíveis.

Como não constitui novidade, a cloroquina e a hidroxicloroquina integram orientação oficial emitida pelo Ministério da Saúde no ano passado, por ordem do presidente da República, sob recomendação voltada para casos leves, moderados e graves, ou seja, para todos os sintomas da doença, tendo apenas por base casos e notícias esporádicos sobre a cura de pessoas, sem bases seguras como os estudos ora apresentados por cientistas com a credibilidade da OMS.

Já neste ano, aplicativo do Ministério da Saúde brasileiro chegou a sugerir os remédios em causa até para bebês, mas ele foi retirado do ar, logo em seguida.

O jornal O Estadão informou que algumas prefeituras que receberam do Ministério da Saúde a doação da hidroxicloroquina, agora querem devolver os medicamentos, ante a constatação da sua ineficácia.

Não há a menor dúvida de que o organismo de competência mundial acaba de atestar a ineficácia do hidroxicloroquina, com base em estudos e testes científicos, sob os melhores padrões de confiabilidade e credibilidade, evidentemente contando com o apoio da principal organização mundial, a OMS.

Enquanto isso, no país tupiniquim, prevalece a determina do Ministério da Saúde no sentido da aplicação de protocolo do cloroquina, como tratamento precoce, tendo por base o grito emanado pelo Palácio do Planalto, em contrariedade às orientações científicas, inclusive sob o risco de causar efeitos colaterais diversos, conforme o resultado ora apresentado com o pronunciamento final daquela organização.

A maior tristeza que se tem é a OMS afirmar, à vista de estudos técnico-científicos, dando total garantia de que a hidroxicloroquina não tem eficácia contra a Covid-19, enquanto o Ministério da Saúde, sem ter base em coisa alguma, garante exatamente o contrário, ficando muito claro que o  governo se orienta apenas com base no empirismo tupiniquim, evidentemente sem se desacreditar de uma cura ou outra, mas sem a certeza da validade desse remédio, senão evitar-se-iam tantas mortes.

Diante de tantas complicações de doentes graves, como justificar que ainda esteja havendo milhares de mortes, mesmo havendo o protocolo para o uso do remédio, que poderia socorrer e salvar vidas?

É muito triste esse estado permanente de dúvidas, diante da certeza, por parte do principal órgão responsável pela saúde mundial, de que o remédio não serve para combater a doença causada pela Covid-19, mas o governo brasileiro mantém a firme posição de que ele tem eficácia, embora as mortes só aumentem, em escala descontrolada e assustadora, quando seria o contrário se o remédio servisse para evitá-las.

O governo, nesse caso, se tivesse absoluta certeza da eficácia da cloroquina, com base em qualquer elemento de prova, até mesmo para contestar os exames realizadas por grupos patrocinados pela OMS, teria obrigação de peticionar à Justiça que obrigasse aos hospitais a aplicação uniforme do remédio, sob pena de alguma forma de responsabilização.

Enquanto isso não acontece, a população padece diante da incompetência para a condução das políticas da saúde pública, principalmente nesse caso do remédio, que, a meu juízo, jamais poderia ter recomendação para a sua aplicação, enquanto não se tivesse absoluta certeza quanto à sua eficácia, porque, se ela realmente existisse, como explicar esse mar de quase 300 mil mortes, em tão pouco tempo?

É inacreditável, mas os fatos mostram que há muita falta de seriedade e competência em relação ao combate à gigantesca crise causada pela temível pandemia, que cada vez mais foge do controle e o governo permanece atônito, sem condições para mover uma pena na busca de alternativas, preferindo fazer críticas, fundadas ou não, enquanto a tragédia representada por muitas mortes continua inabalável, deixando o rastro de muita perversidade pelas perdas de preciosas vidas.

Pobre povo brasileiro, que vem demonstrando o tanto de desamor ao próximo, exatamente por não se revoltar diante da monstruosidade perpetrada impunemente contra a população, que vem sendo massacrada impiedosamente pela indiscutível incompetência administrativa, conforme mostram os fatos.

No pior estado de tragédia humanitária como a que grassa no Brasil, já era para os brasileiros se revoltarem e soltarem o grito em forma de protestos, mandando grossos e diretos recados para as autoridades incumbidas da execução das políticas pertinentes à saúde do povo, com claros sinais de que a população precisa urgentemente ser tratada como ser humano, não admitindo o pouco caso que já resultou em quase trezentas mil mortes, fruto certamente das gritantes omissão, incompetência, irracionalidade e irresponsabilidade, a se permitirem desproporcional calamidade humanitária, exatamente pela falta de medidas capazes de se evitá-la, à vista dos fatos do cotidiano.  

Brasília, em 24 de março e 2021

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