sexta-feira, 26 de março de 2021

A falta de conscientização

 

Ainda nesta semana, comentei, em crônica, o caso de médica que foi dispensada de hospital por ter clinicado o uso de nebulização com cloroquina de doente com Covid-19.

A notícia agora é a de que três pacientes que receberam nebulização com cloroquina na cidade de Camaquã, Rio Grande do Sul, no mesmo hospital onde a mencionada médica trabalhava, morreram durante o tratamento para o qual ainda não tem comprovação científica.

As vítimas vieram a óbito depois de receberem o tratamento que também não faz parte dos protocolos do Hospital onde eles estavam internados.

A nebulização com a cloroquina foi realizada sob a administração de médica que chegou a gravar vídeo enquanto fazia o tratamento de paciente, que disse que tinha melhorado com a aplicação da nebulização.

A médica foi afastada do hospital e está sendo investigada pelo Conselho Regional de Medicina, ficando sujeita à perda do registro médico, mesmo que ela apenas tentasse salvar vidas, embora o seu procedimento não contasse com o respaldo nem do hospital nem do órgão de fiscalização da classe médica.

Segundo o diretor-técnico do hospital, ainda não é possível atribuir as mortes à nebulização com cloroquina administrada pela médica, mas ele esclarece que não se trata da chamada prescrição off label, autorizada pelo Conselho Federal de Medicina.

Ele disse que, “A meu ver, esse tipo de terapia (nebulização com cloroquina) transcende o que chamamos de prescrição ‘off label’. Não tenho experiência com ela e não encontrei referências seguras para aplicar ela, portanto optei por não fazer.”.

O diretor do hospital ressaltou que dois dos três pacientes mortos estavam em estado grave, com insuficiência respiratória, prefere ser cauteloso quanto às consequências do tratamento, no estado de saúde dos pacientes, mas aponta alguns elementos que podem comprovar a ineficácia da nebulização com cloroquina, nestes termos: “Não tenho como atribuir melhora, ou piora diretamente ao procedimento, mas de fato, o desfecho final de três pacientes submetidos a terapia foi óbito. Todos eles têm documentado em prontuário taquicardia, ou arritmias algumas horas após receberem a nebulização.”.Parte inferior do formulário

 

O diretor esclarece que o tratamento só foi permitido porque os pacientes entraram na Justiça para garantir a nebulização com cloroquina, fato que ele não tinha como evitar, tendo concluído o seguinte: “Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante de muita pressão da sociedade, permitimos, que via judicial e de maneira formalizada, os pacientes que desejavam receber essa terapia assim o fizessem.”.

Na semana passada, o presidente da República entrou no ar, ao vivo, em uma rádio de Camaquã, para impulsionar o tratamento por meio da nebulização de hidroxicloroquina, fato que pode servir como péssimo exemplo, uma vez que ele nada entende de medicina e muito menos não se responsabiliza pelas possíveis consequências desastrosas e prejudiciais ao organismo e até mesmo à vida, como aconteceu com três pessoas que tiveram a chancela da maior autoridade do país, que deveria ficar calado no seu trono, deixar que o ministro da Saúde cuide do combate à pandemia e apenas se volte para a agenda presidencial, porque muitos assuntos de interesse nacional ficam sem solução quando ele se imiscui em assuntos que não são da sua alçada, a exemplo do uso da cloroquina.

Especialistas em medicina, consultados pelo jornal O Estadão, informaram que a prática da nebulização com a hidroxicloroquina pode resultar em ainda mais riscos de efeitos colaterais para os pacientes do que a administração oral do remédio.

Infelizmente, a prática utilizada pela médica, que achava que tinha encontrada a fórmula mágica para salvar vidas, pode ser jogo perigoso, à vista logo de três mortes decorrentes da nebulização, que até pode dar certo em alguns pacientes, mas também pode ter complicação para outros, como visto nesses casos.

Na verdade, o uso desse remédio contra a Covid-19, ainda neste mês, foi suspenso pela Organização Mundial de Saúde, tendo por base estudos implementados por cientistas integrantes dela, que concluíram não ter encontrado qualquer eficácia com a sua administração em 600 pacientes e ainda ter constatado complicações de saúde, em especial com o surgimento de arritmia e outros casos.

Em que pese o “todo-poderoso” brasileiro, sem qualquer base científica, insistir no uso desse medicamento, é importante que ninguém ouse seguir senão a sua própria consciência, no caso de se infectar com a Covid-19, decidindo pelo seu uso somente se não for possível nenhuma alternativa, porque, nesse caso, é de vida ou morte e assim tem que tentar o último recurso.

Se o governo tivesse o mínimo de conscientização sobre a gravidade da pandemia, logo no início da crise, sem perda de tempo, teria determinado ao órgão que tem a incumbência de cuidar da saúde dos brasileiros, que infelizmente ficou quase um ano acéfalo, para estudar os efeitos da cloroquina e somente disso ele até poderia ter condições de se manifestar com base em experiência desenvolvida por especialistas, cientistas, o que teria contribuído para se evitar transtornos, dúvidas, contradições, incertezas e mortes na esperança da cura por meio de medicamento que nem a principal organização que cuida da saúde mundial acredita no seu poder miraculoso que somente um leigo aconselha a sua posologia, quando deveria se preocupar em buscar outros mecanismos capazes de realmente contribuir para combater a Covid-19.

É preciso se usar o bom senso, sem generalização com a administração de remédio que há grande possibilidade de diminuição da carga viral, mas essa medicação precisa ser dosada em quantidade adequada e, com mais sucesso, na fase precoce, no início da doença, porque as chances são maiores de eficácia.

Vejam-se que a administração da hidroxicloroquina não é recomendada pela Organização Mundial de Saúde, mas há notícia de que a FDA, a agência norte-americana de regulamentação de remédios, nos moldes da Anvisa, no Brasil, teria aprovado o uso desse medicamento, em todos os pacientes com a Covid-19.

Tudo isso mostra o enorme precipitação em se recomendar o uso de medicamento que atrai, a um só tempo, muitas conclusões com acertos, erros, celeumas, dúvidas, contradições e até atribuições de mortes, como nesse caso do uso da nebulização, que acaba de levantar mais uma complicação quanto à efetiva segurança sobre a sua administração, que seria mais conveniente se o órgão do governo tivesse providenciado os estudos pertinentes aos reais critérios para o adequado emprego dele, em forma de recomendação, com base em elementos confiáveis, seguros e incontestáveis, na forma do que se fez com outro remédio, conforme o comentário a seguir.

Enquanto isso, sabe-se que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a aplicação terapêutica do já conhecido antiviral Remdesivir como o primeiro medicamento contra a Covid-19, em cuja bula poderá conter recomendação com essa finalidade.

Um especialista da gerência de qualidade de medicamentos da Anvisa ressaltou que “A submissão se deu em 6 de agosto de 2020, quando tivemos contato com o dossiê completo. Depois da submissão, também tivemos algumas conversas para entender melhor pois é um medicamento desenvolvido com bastante celeridade e muitos aspectos ainda não estão fechados. Na análise da qualidade, nosso principal papel é garantir (…) em que termos o medicamento tem que estar para garantir (…) que ele tenha qualidade e segurança”.

O especialista disse que “A gente espera que ele seja fornecido com qualidade, eficácia e segurança que são necessários e ajude as pessoas acometidas pela Covid-19. O medicamento será vendido em forma de ‘pó para solução injetável’ que deve ser reconstituído no momento da aplicação, terá prazo de validade de 36 meses, e será vendido com o nome comercial de Veklury.”.

A Anvisa enfatizou que Chegou-se à conclusão de que o Remdesivir exibia uma potente atividade in vitro e in vivo contra o SARS-Cov-2. O rim foi identificado como único órgão alvo de toxicidade, mas nenhuma preocupação maior foi identificada. Em termos de cenário regulatório internacional, o medicamento foi aprovado em diversas agências, incluindo a europeia EMA, a americana FDA, a canadense, e diversos outros países”.

Consta da reportagem pertinente que, em novembro último, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu, nas suas orientações contínuas, recomendação sobre o uso desse medicamento contra a  Covid-19, tendo desaconselhado o seu uso para o tratamento de pacientes hospitalizados, independentemente da gravidade da doença, cuja medida foi publicada na revista médica BMJ.

Trata-se de enormes esforço e contribuição oferecidos aos brasileiros pela Anvisa, que aprova o primeiro medicamento com recomendação oficial, em bula, contra o Covid-19 e isso é por demais alvissareiro, em termos de esperança e avanço no combate dessa terrível e letal doença.

Até agora, a Anvisa não se dispôs a estudar o famoso medicamento “brasileiro”, inclusive defendido, de forma ardorosa, por autoridade da  República, o velho conhecido de todos, o hidroxicloroquina, que somente dissemina questionamentos.

Diante da ampla divulgação desse remédio, a Anvisa, em princípio, deveria especialmente se debruçar sobre ele e analisá-lo até mesmo para dar satisfação sobre o seu trabalho especializado em relação a produto que realmente desperta bem maior interesse do que o Remdevisir, que se trata de remédio americano, com custo muito alto, muito além do alcance da população de faixa de renda baixa

A conclusão que se pode ter é a de que, ante a enorme certeza sobre a real eficácia do Remdevisir, conforme foi assegurado pela Anvisa, se realmente o governo tivesse algum interesse em salvar vidas humanas, já teria descartado, em definitivo, o uso da hidroxicloriquina e se empenharia urgentemente em negociar com o laboratório daquele remédio, principalmente quanto à drástica redução de seus custos, embora a vida não tenha preço, porque o seu valor é exatamente a manutenção da integridade da saúde.

Com isso, o governo poderia implantar campanha de prevenção da Covid-19, com o uso de remédio aprovado pela Anvisa, em evidente demonstração de seriedade e competência, ao invés de ficar insistindo com o uso de remédio que só contribui para dúvidas, incertezas e insegurança da população.

Ou seja, o governo, se quisesse, poderia mostrar interesse em combater a pandemia se realmente optasse por remédio que já tem o selo de qualidade garantido pela Anvisa, que é a agência confiável sobre a atestação da eficiência e da garantia da origem e da autenticidade contra a doença, com base na autoridade que passaria a respaldar seus atos, nesse particular, com o aval de quem merece respeito, evitando, de vez, com tanta desconfiança e insegurança, inclusive do próprio Conselho Federal de Medicina, que não aprova o uso da hidroxicloroquina e até ameaça cancelar o registro do médico que a prescreve contra a Covid-19.

Acredita-se que o governo passaria a ter credibilidade e respeito em conscientizar-se de que o verdadeiro combate à pandemia se faz por meio de programas e medidas sérios e decentes, com o respaldo das autoridades científicas, que realmente podem transmitir confiança e segurança à população, mesmo que haja nesse processo elevado custo, porque a vida humana vale todo investimento, inclusive o tesouro da coroa, se necessário for para a salvação dos brasileiros dessa horrorosa calamidade humanitária, que somente atingiu o seu ápice exatamente pela notória falta de ações competentes e eficientes de combate à pandemia do novo coronavírus.

Brasília, em 26 de março de 2021

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