No
dia anterior ao do registro de recorde de mortes diárias causadas pela
Covid-19, o presidente da República falou para apoiadores sobre a pandemia,
tendo declarado, verbis: "Criaram pânico, né? O problema está
aí, lamentamos. Mas você não pode entrar em pânico. Que nem a política, de
novo, do fique em casa. O pessoal vai morrer de fome, de depressão?", conforme
vídeo divulgado nas redes sociais.
Em
crítica direta à imprensa, o presidente disse que, "para a mídia o
vírus sou eu.".
Conforme
levantamento do consórcio de veículos de imprensa, o Brasil registrou 1.840 mortes
pela Covid-19, na quarta-feira, que é recorde desde o início da pandemia, que
já são contabilizados, no total, 259.402 óbitos, até o momento,
tendo ainda a triste tendência de alta nos óbitos pela doença.
Chega
a ser alarmante a média móvel de mortes no Brasil, nos últimos 7 dias, que chegou
a 1.332, verificando-se aumento de 29%.
Nos
últimos dias, os estados decidiram adotar medidas restritivas de isolamento
social, na tentativa de conter o avanço da doença e o risco de colapso no
sistema de saúde, à vista do aumento da ocupação de leitos de UTI, por
pacientes graves da Covid-19, que, em muitos casos, já atingem a 100%.
O
presidente do país ainda disse que "A economia tem que pegar. Alguns
falam que eu não estou preocupado com mortes. Estou preocupado com mortes, mas
emprego também é vida. Uma pessoa desempregada entra em depressão, tem
problemas, se alimenta mal, é mais propensa a pegar outras doenças".
O
presidente disse que "Agora? Um ano depois? Lembraram de mim um ano
depois? Estão sendo pressionados pela população, que não aguenta mais ficar em
casa, tem que trabalhar por necessidade [...] Infelizmente, o poder é deles, eu
queria que fosse meu", evidentemente em referência aos estados.
Em
resposta à indagação de jornalistas sobre
a possibilidade de um toque de recolher nacional ou uma política nacional para
conter o avanço da pandemia, como foi reivindicado por secretários de saúde dos
estados, o presidente fez uso de
argumento que vem repetindo há meses, no sentido de que o Supremo Tribunal Federal
entendeu que apenas estados e municípios podem tomar medidas contra o avanço do
vírus, o que nada disso é verdade, ficando muito esquisito, porque isso não
corresponde à verdade, conforme se percebe a seguir.
O
presidente afirmou ainda que tem um plano para colocar em prática contra a
pandemia, mas que depende de o Supremo lhe conferir os poderes para tomar
decisões nessa área, tendo afirmado: "Então, se eu tiver poder para
decidir, eu tenho o meu programa, o meu projeto pronto para botar em prática no
Brasil. Agora, preciso de ter autoridade. Se o Supremo Tribunal Federal achar
que pode dar o devido comando dessa causa a um poder central, que eu entendo
que seja legítimo meu, eu estou pronto para botar meu plano".
Questionado
pelos jornalistas sobre qual seria o plano, o presidente não revelou, tendo
apenas declarado: "Não, não, não", fato este que só demonstra
muita maldade, quando se tem plano e não o apresenta, exatamente no âmbito do
dever de tudo fazer para beneficiar a população, mas não o faz, o que pode
caracterizar crime de responsabilidade, por deixar de oferecer política de
interesse público e não o faz por pura maldade, porque nada impede que o
presidente trabalhe em prol da população.
É
importante que se enfatize que a respeitável decisão do Supremo foi tão somente
de declarar estados e municípios competentes para tomar as decisões, mas que a
responsabilidade também cabe à União, ou seja, trata-se de decisão clara,
sensata e responsável, em se tratando de grave crise pandêmica, que que muitos
a minimizam no âmbito de estarrecedora e inadmissível insensibilidade e
desumanidade, para os padrões de evolução do Homo sapiens.
O
presidente do Supremo Tribunal Federal, na abertura do ano do Judiciário,
aproveitou a presença do presidente da República para reforçar que aquela corte
nunca retirou do governo federal o poder de agir contra a pandemia da Covid-19,
tendo deixado claro que a decisão apenas
delegou a ação a todos os níveis de governo, ou seja, federal estadual e
municipal.
Eis o teor da decisão do Supremo, ipsis
litteris: “DETERMINAR a efetiva observância dos artigos 23, II e IX; 24,
XII; 30, II e 198, todos da Constituição Federal na aplicação da Lei 13.979/20
e dispositivos conexos, RECONHENDO E ASSEGURANDO O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA
CONCORRENTE DOS GOVERNOS ESTADUAIS E DISTRITAL E SUPLEMENTAR DOS GOVERNOS
MUNICIPAIS, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus
respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas
legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de
distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de
ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas,
entre outras; INDEPENDENTEMENTE DE SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO
CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas
restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário. Obviamente,
a validade formal e material de cada ato normativo específico estadual,
distrital ou municipal poderá ser analisada individualmente. Intimem-se e
publique-se. Brasília, 8 de abril de 2020.”.
Desde
a aludida decisão, proferida em abril de 2020, o presidente do país passou a
dizer, de maneira sistemática, que teria sido impedido de agir, possivelmente na
tentativa de se esquivar dos péssimos resultados da gestão pertinente à grave
crise da doença do corona, no país, onde quase 260 mil pessoas já morreram em decorrência da Covid-19.
O
presidente do Supremo declarou, com ênfase, que, "No auge da conjuntura
crítica o STF, em sua feição colegiada, operou escolhas corretas e prudentes
para preservação da Constituição e da democracia, impondo responsabilidade da
tutela da saúde e da sociedade a todos os entes federativos, em prol da
proteção de todo cidadão brasileiro".
Há
pouco de um mês, depois de o presidente do país ter repetido mais uma vez as
afirmações inverídicas de que ele foi impedido de combater a pandemia do coronavírus,
o Supremo respondeu, por meio de nota, que deixava claro que a decisão
estabelecia por ele diz exatamente o seguinte: "União, Estados,
Distrito Federal e municípios têm competência concorrente na área da saúde
pública para realizar ações de mitigação dos impactos do novo coronavírus".
Sem
citar diretamente o Executivo, o presidente do Supremo disse ainda que não se
deve "ouvir as vozes isoladas, pessoas que abusam da liberdade de
expressão e que a ciência irá vencer a Covid-19.”.
O
presidente do Supremo fez questão de criticar o que ele denominou de
"vozes obscurantistas", que precisam ser combatidas com rigor, tendo
citado, como exemplo de negacionismo, o discurso do presidente do Tribunal de
Justiça do Mato Grosso do Sul, que chamou de "esquizofrenia e palhaçada
midiática fúnebre as políticas de isolamento social.”.
O
referido vídeo foi compartilhado pelo presidente da República, nas suas redes
sociais, certamente para servir de reforço ao seu pensamento nefasto e negacionista,
muito mais em defesa da economia e em nítido desprezo à vida humana, porquanto,
o bom senso e a racionalidade sinalizam que o isolamento social certamente
poupou preciosas vidas humanas, principalmente no que se refere às aglomerações,
onde o vírus dissemina inevitável e facilmente .
O
presidente do Supremo afirmou que "Não tenho dúvidas de que a ciência,
que agora conta com a tão almejada vacina, vencerá o vírus; a prudência vencerá
a perturbação; e a racionalidade vencerá o obscurantismo. Para tanto, não
devemos dar ouvidos às vozes isoladas, algumas inclusive no âmbito do Poder
Judiciário, que abusam da liberdade de expressão para propagar ódio, desprezo às
vítimas e negacionismo científico. É tempo de valorizarmos as vozes ponderadas,
confiantes e criativas que laboram diuturnamente, nas esferas públicas e
privadas, para juntos vencermos essa batalha".
Realmente, a r. decisão em apreço é bastante clara,
porque apenas concede competência “concorrente” para governadores e
“suplementar” para prefeitos, sem mexer na competência privativa do presidente
da República, quando ela afirma: “(...) INDEPENDENTEMENTE DE
SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA
GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas restritivas em todo o território
nacional, caso entenda necessário. (...)”.
A decisão em tela fala em competências concorrente
e suplementar, respectivamente dos governadores e dos prefeitos, deixando, como
não podia ser diferente, intacta a competência presidencial, que foi reforçada
com a cooperação conjunta daqueles agentes públicos, na condução das políticas
pertinentes ao controle da pandemia, e que ele ficou absolutamente com liberdade
para atuar em tudo objetivando o combate à doença, mas não o faz simplesmente
porque não quer, uma vez que, se realmente ele tivesse sido impedido de agir,
como ele sempre alega, bastaria ele ter apresentado recurso ao Supremo, mostrando
que a execução das políticas de saúde pública, por força da Constituição
Federal, é de competência, em especial no que diz respeito às lideranças e coordenação
das medidas pertinentes.
Com isso, ficaria evidente que o Supremo não tem
competência para suprimir importante atribuição do presidente da República, que
apenas foi eliminada ao seu talante, de modo a justificar o injustificável no
que dizem com a omissão e irresponsabilidade de se afastar deliberada e declaradamente
da prestação dos serviços da sua exclusiva competência, à vista da completa ausência
do ministério que tem a incumbência constitucional de trabalhar e zelar pela
saúde dos brasileiros, mas ele se mostra extremamente inoperante e distante dos
graves problemas, tendo se tornado agente tumultuador da imunização dos
brasileiros, diante da desorganização e falta de vacinas.
É terrivelmente lamentável que o presidente do país
consiga interpretar diferentemente texto tão claro, na cristalina tentativa de
justificar omissões e falhas governamentais, pondo, de forma indevida, a culpa
no Supremo, quando não existe nada de decisão nesse sentido.
O certo mesmo é que o governo se aproveitou dessa
equivocada interpretação para tentar álibi para omissões no combate à doença,
quando ele, achando-se impedido de atuar na crise da pandemia, se realmente
tivesse interesse em agir em benefício da saúde da população, deveria, repita-se,
ter impetrado, imediatamente, recurso junto ao Supremo, esclarecendo a sua
competência constitucional de cuidar da saúde dos brasileiros, em âmbito
federal, e que ele não poderia ficar fora desse processo de importante sanitização.
Ao contrário disso, muito mais por conveniência,
nenhum recurso foi manejado, talvez porque ele devesse impedir que o presidente
ficasse propalando que tem sido objeto de injustiça e vitimização por parte de
outro poder, como vem alegando, de maneira indevida, e ainda ele não teria como
justificar que o governo tem sido omisso em muitos casos, em especial no
desastre do Amazonas, quando dezenas de doentes morreram, por falta de
oxigênio, onde há possibilidade de culpa concorrente dos governantes.
Ainda com relação ao isolamento social, que tanto o
presidente do país abomina, diante do seu reflexo na economia, em detrimento da
importância da preservação da vida, ele e seu governo se mostram absolutamente
omissos, por deixarem de estudar a matéria pertinente a essa medida e extrair
as conclusões apropriadas para o manejo do isolamento, como forma de
normatização criteriosa de controle e sanitização, de modo a se permitir todas
as atividades em ritmo de normalidade, garantindo-se a preservação da vida das
pessoas mais vulneráveis à doença, como os idosos e os portadores de
comorbidades.
Ao contrário disso, o governo não fez absolutamente
nada, no sentido de estudar e normalizar medida tão importante, o que permite a
continuidade do caos na vida das pessoas, tendo-se apenas a grande vantagem de
se permitir que o presidente do país ponha culpa no isolamento pela quebradeira
da economia, o que é pura verdade, mas grande culpa cabe a quem tem a obrigação
de cuidar do combate à pandemia, inclusive tendo a iniciativa de estudar os
casos, a exemplo do isolamento, e estabelecer normas técnicas apropriadas,
consistentes na devida orientação à população, que poderia continuar
trabalhando normalmente, caso houvesse norma federal tratando desse importante
assunto.
Não há a menor dúvida de que não somente o
presidente do país, mas todos os brasileiros, precisam se preocupar com o
isolamento social, diante do reflexo na economia, porque esta é a mola que move
a vida do país, mas é preciso preocupação com a vida das pessoas, no sentido de
preservá-la, algo que o governo demonstra muito pouco interesse, como a falta
de normatização e instrução à sociedade sobre a convivência social, cujos
cuidados foram e são aprendidos por meio das relações sociais, o que é bem
diferente se houvesse orientação oficial escrita e divulgada para os
brasileiros.
À toda evidência, não há a menor dúvida de que é
inadmissível que decisão da Justiça, absolutamente clara, tenha sido
aproveitada pelo governo para o respaldo da sua injustificável omissão no
combate à pandemia do novo coronavírus, permitindo que a quantidade de vítimas
só aumentasse, o que demonstra o elevado grau da insensibilidade diante de
crise tão grave, fato este que jamais poderia ter acontecido, ante a
possibilidade de recurso, para o fim do esclarecimento dos fatos, o que
certamente resultaria em benefício para a vida dos brasileiros, caso houvesse
boa vontade por parte dos governantes.
É bastante
lamentável que, em momento da maior gravidade da saúde pública, por causa da
pandemia, quando se contabiliza mais de 1.800 mortes somente em um dia, a maior
autoridade da República ainda tenha o disparate de fazer chacota com a situação,
para dizer, ipsis litteris: "Criaram pânico, né? O problema está
aí, lamentamos. Mas você não pode entrar em pânico. Que nem a política, de
novo, do fique em casa. O pessoal vai morrer de fome, de depressão?".
O
presidente do país dá a impressão de que a culpa pelo caos reinante no país é
da impressa, que somente cumpre o seu sublime e religioso papel de publicar os
fatos da vida, mostrando a calamidade que grassa no nariz do Palácio do
Planalto e apenas faz pouco caso e chacota da tragédia, por meio da suposição de
que criaram pânica, como se tamanha desgraça fosse possível ser criada por
simples publicação de notícia que é a síntese real da precariedade da administração
pública, perante o efetivo combate à pandemia no novo coronavírus.
Causa
perplexidade que, de maneira impressionante, surrealista e inadmissível, o
presidente do país entenda, de maneira simplista, o desenrolar de gravíssima pandemia,
à vista de se tratar do principal líder do país com as grandezas social e econômica
do Brasil, em se dignar a manifestar-se em claras insensibilidade e desumanidade
diante de insuportável calamidade prevalente na saúde pública, ao mostrar
atitude visivelmente esdrúxula como a de apenas estranhar a criação de pânico em
cima de fatos irrefutavelmente suscitados por força da Covid-19, quando a sua autoridade
deveria ser de compaixão, lamento e abatimento, por tão infausta situação de tragédia
nacional.
Brasília, em 4 de março de 2021
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