terça-feira, 23 de março de 2021

Onde está o valor da vida?

 

O Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Camaquã (RS), solicitou ao Ministério Público estadual e ao Conselho Regional de Medicina (Cremers) que investiguem a conduta profissional de uma médica, por ela ter utilizado procedimento experimental sem comprovação científica em pacientes da emergência, conforme notícia publicada na imprensa.

A médica estava atuando como intensivista na instituição, tendo utilizado a hidroxicloroquina inalável em pacientes para combater a Covid-19, que não possui eficácia comprovada cientificamente.

O referido medicamento era diluído em soro fisiológico e aplicado sob a forma de nebulização.

Segundo a reportagem, a assessoria jurídica do hospital informou que a médica “descumpria protocolos de segurança, de forma contumaz”, e por isso foi desligada do corpo de profissionais que atendem a instituição.

O hospital justificou que o procedimento utilizado pela médica não tem aval de protocolos de saúde nem do hospital e muito menos do fabricante do produto, fato que pode colocar em risco a segurança dos pacientes.

Foi esclarecido que a médica era contratada de empresa que intermedeia serviços médicos em clínicas e hospitais e atuava no hospital, que deveria, por força de contrato, atuar apenas no serviço de pronto-socorro do hospital, mas ela estava aplicando nebulização de hidroxicloroquina em pacientes internados na UTI e nos leitos clínicos, sem a devida autorização para frequentar ou atuar nesses ambientes.

Segundo a reportagem, enfermeiros e auxiliares de enfermagem relataram terem sido pressionados pela médica para a aplicação das nebulizações com o citado remédio em pacientes.

O caso veio à tona depois que paciente do hospital ter dito que foi curado da Covid-19 após a médica utilizar citado método nele.

Ele relatou que estava com metade do pulmão comprometido, mas que melhorou após inalar a solução de cloroquina com soro fisiológico aplicada pela própria médica, após recusa dos integrantes da equipe do hospital.

Recentemente, o presidente da República exaltou o tratamento experimental em sua live e, no dia seguinte, em uma fala na rádio local, criticou o hospital por ter pedido o desligamento da médica, nestes termos: “Os médicos têm o direito, ou o dever, no momento em que falta medicamento específico para aquilo, com comprovação científica, ele pode usar o que chama de off label, fora da bula. Mas no Brasil virou um tabu, praticamente é criminoso quem fala disso”.

É preciso que esse caso seja analisado com muito cuidado, para não se fazer juízo de valor precipitado, em se tratando que a questão pode envolver o emprego da ética médica e a responsabilidade tanto da profissional como do hospital.

Em primeiro lugar, os fatos mostram que a médica, na ânsia natural de ajudar o paciente, estava atuando em local diferente daquele para o qual ela tinha sido designada, para exercer a sua profissão, o que caracteriza desvio de função e, como consequência, falha no cumprimento laboral.

Em segundo lugar, ela estava receitando, para pacientes do hospital, e não dela em particular, medicamento não aprovado pelo protocolo da unidade de saúde, e isso também caracteriza descumprimento contratual, tendo em vista que os médicos são obrigados a seguir as normas estabelecidas pelo hospital, mesmo que isso possa não se coadunar com o sentimento profissional ou humano que ela considera normal e assim precisaria mostrar que ela estaria agindo em estrita fidelidade ao seu exclusivo entendimento, em contrariedade às regras do hospital.

À toda evidência, a médica incorreu em erro no cumprimento do seu dever contratual, porque, como profissional do hospital, ela precisa seguir à risca as normas padronizadas por ele, porquanto, embora ela considere correto, justo e humano a sua forma de proceder, não o é por parte do seu patrão que paga o seu salário e, nesse caso, ela não pode contrariar os regulamentos firmados por ele, que tem o dever de responder se as normas são ou não compatíveis com as suas atribuições operacionais ou funcionais.

Sob o prisma humanitário, não há a menor dúvida de que a médica teria acertado quanto ao dever de salvar vidas, mas isso funciona como gesto profissional por parte dela, que poderia fazer tudo isso fora da unidade hospitalar, com quem ela tem vínculo empregatício e não pode infringir as regras ali prevalentes, sob pena de sanção, como realmente aconteceu, com o seu afastamento do emprego.

Este episódio extremamente deplorável, em que o profissional da saúde é terminantemente impedido de salvar vidas humanas, remonta à necessidade de urgentes estudos por parte do Ministério da Saúde ou por quem de direito, como forma especial destinada à salvação de vidas humanas, para se chegar à conclusão sobre a conveniência ou não da aplicação da hidroxicloroquina exatamente no tratamento precoce da Covid-19.

No caso de o governo concluir sobre a eficácia do tratamento, que parece que seja possível, à vista de muitos resultados já comprovados, seria recomendado, por meio de medida legislativa apropriada, a aplicação obrigatória do procedimento pertinente, ficando o Ministério Público com a incumbência de fiscalizar o cumprimento da norma legal e de, quando for o caso, entrar imediatamente na Justiça contra os hospitais que inobservarem tão importantes regras humanitárias.

Diante da gravidade da crise da saúde pública, à vista da pandemia, todas as medidas necessárias à pacificação dos entendimentos precisam ser tratadas com urgência, urgentíssima, com a finalidade de salvar vidas, não importando se o medicamento tenha ou não comprovação científica, porque a vida sempre tem primazia sobre as demais questões meramente burocráticas.

É mais do que evidente de que, se depender da vontade das autoridades incumbidas da execução das políticas inerentes à saúde brasileira, nada, absolutamente nada, será feito em benefício do povo e cada hospital pode sim, de acordo com as suas normas, estabelecer os critérios que estejam em conformidade com os seus padrões de operacionalidade e funcionamento, inclusive impedir que seus profissionais deixem de salvar vidas humanas, como nesse horroroso caso, em que a médica é simplesmente dispensada do trabalho por salvar vidas e tudo precisamente na conformidade com o ordenamento jurídico pátrio.

A verdade é que muita gente critica a incompetência na condução das políticas de saúde pública referentes ao combate à pandemia, tendo por base justamente a ausência de normatização, estudos e orientações precisos e seguros sobre prevenção e tratamento da doença, a exemplo do caso em comento, em que não se pode mais sanear o ocorrido, mas é possível perfeitamente se adotar urgentes medidas no sentido de que, à vista da constatação de salvamento de vidas por meios métodos que ainda não estejam reconhecidos cientificamente, que é o caso referente ao uso da hidroxicloroquina, que o governo obtenha, em caráter emergencial, autorização do Poder Judiciário, sob determinação expressa do uso desse remédio contra a Covid-19, nos casos recomendados pelos médicos, salvo nas situações em que não sejam aconselháveis o seu uso, à vista de comorbidades ou outros problemas com o paciente, por exemplo.

A esperança dos brasileiros é a de que a luz divina tenha alcance para iluminar as mentes das autoridades públicas que têm a incumbência de cuidar da saúde e da vida da população, para que elas tenham o imediato discernimento para agirem na busca das medidas capazes da melhor solução para as questões suscitadas em relação ao combate à pandemia do coronavírus, tendo por finalidade o salvamento de preciosas vidas humanas, em estrita sintonia com o seu dever institucional.

Brasília, em   de março de 2021     

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