domingo, 14 de março de 2021

Fazer o que o povo quer?

 

Em uma live, o presidente da República fez acusações, ataques, críticas e menção ao uso das Forças Armadas, tendo aproveitado o ensejo para dizer que faz "o que o povo quiser", em clara referência que espera o sinal verde dos brasileiros para agir com a liberdade de salvador da pátria que passa na cabeça dele.

Sem perceber que mente, o presidente brasileiro voltou a afirmar que nunca se referiu à Covid-19 como uma "gripezinha", quando ele utilizou o termo gripezinha duas vezes, sendo uma em entrevista no dia 20 de março do ano passado, exatamente nestes termos: "depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, não".

Em 24 do mesmo mês, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, ele declarou, verbis: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho".

O presidente do país reafirmo também que nunca foi contra a vacina, o que igualmente não procede, porque há registro de diversas manifestações dele se posicionando contra a vacinação, como o que foi feito em 29 de outubro de 2020, quando disse: "Ninguém vai tomar tua vacina na marra, não, tá ok? Procura outra. E eu, que sou governo, não vai comprar sua vacina também não. Procura outro pra pagar sua vacina".

Em 15 de dezembro de 2020, o presidente afirmou: "Eu não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu".

Em 13 de janeiro último, enquanto Um homem falava sobre a importância da vacina contra a Covid-19, o presidente disse, rindo: “Essa de 50% é uma boa?”, evidentemente se referindo à CoronaVac, que acabara de ser aprovada pela Anvisa.

Na mesma data, o presidente ironizou a eficácia de 50,38% da CoronaVac, dizendo que a "verdade" está aparecendo, sem especificar a que se referia, mas repetiu que o governo comprará qualquer vacina que tenha o registro da Anvisa.

Em 22 de  janeiro último, o presidente instruiu a população a ler sobre as particularidades de cada vacina, antes de se imunizar, nestes termos: "Peço que o pessoal leia a bula, os contratos com as empresas para tomar pé de onde chegaram as pesquisas, porque não se concluiu ainda dizendo que uma vacina é perfeitamente eficaz".

O presidente também voltou a fazer menção às Forças Armadas e ao período da ditadura militar no Brasil, tendo afirmado que "Eu faço o que o povo quiser. Digo mais: eu sou o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas acompanham o que está acontecendo. As críticas em cima de generais, não é o momento de fazer isso. Se um general errar, paciência. Vai pagar. Se errar, eu pago. Se alguém da Câmara dos Deputados errar, pague. Se alguém do Supremo errar, que pague. Agora, esta crítica de esculhambar todo mundo? Nós vivemos um momento de 1964 a 1985, você decida aí, pense, o que que tu achou (sic) daquele período. Não vou entrar em detalhe aqui".

O presidente aproveitou o ensejo para fazer críticas aos governadores, com destaque para os de São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, por causa de medidas restritivas que estão sendo adotadas para tentar conter a disseminação do novo coronavírus.

Ele disse que o governador fala que não é, mas é “estado de sítio", ao comentar o toque de recolher noturno em vigor no Distrito Federal.

O presidente disse ter como "garantir a nossa liberdade" e que ele é o "garantidor da democracia", além de ser "a pessoa mais importante neste momento".

Ele disse que os governadores "Usam o vírus para te oprimir, para te humilhar, para tentar quebrar a economia. Quanto mais atiram em mim, de forma covarde, mais você está enfraquecendo quem pode resolver a situação. Eu tenho que ter apoio. Se eu levantar minha caneta BIC e falar 'shazan', vou ser ditador".

Ainda na live, o atual presidente xingou o ex-presidente da República petista, a quem chamou de jumento e canista (bebedor de cana).

Em forte réplica à afirmação do petista, no sentido de que o mandatário brasileiro é “terraplanista”, este se pôs em frente a um globo terrestre na mesa, para declarar que "O canista  mandou dizer que a terra é redonda".

É evidente que não se pretende que o presidente do país seja insensível em tudo, mas não é de bom tom que a autoridade da República representada por ele se disponha a se nivelar por baixa, ao ficar retrucando em público adjetivações nada compatíveis com a relevância do cargo, que precisa ser dignificado por meio de bons exemplos de equilíbrio, maturidade e principalmente de tolerância e humildade, procurando compreender a fraqueza e o desespero de seus adversários políticos.

Por outro lado, é extremamente lamentável que o presidente do país, diante do registro dos fatos, ainda tente ignorar as marcantes declarações nada respeitosas ao combate ao Covid-19, porque os brasileiros sabem perfeitamente como ele vem se comportando, diante dessa tristeza que se abateu sobre as cabeças deles.

A bem da verdade, em momento algum o mandatário se houve, nesse caso do combater à pandemia, com sensibilidade e dignidade de verdadeiro estadista, que tem dever, em forma de compromisso intrínseco de trabalhar devota e incansavelmente somente em defesa das causas da população, com a abnegação própria de quem foi eleito exatamente para ser escravo do seu mandato mesmo que a sua índole seja diferente, porque isso é natural, mas não é normal que o comportamento pessoal possa influenciar ou prevalecer sobre o interesse público.

Ao contrário disso, desde o início da pandemia, o presidente foi o primeiro a vincular o desastre de que se trata em tema político, elegendo governadores e até prefeitos como inimigos dele, em campanha que precisa de unidade e compromissos perante a sociedade.

Ao contrário disso, a autoridade do presidente do país tem o dever de liderar a maior aproximação dos políticos, notadamente em situação tão grave, não importando partidos nem ideologias, em torno da causa principal de combate à doença terrivelmente letal, tendo em vista que se trata de verdadeira guerra que não se ganha quando seus principais generais estejam lutando em terrenos contrários, que é exatamente a estratégia encampada pelo presidente, que sempre coloca mais lenha na fogueira, quando o ideal para o momento seria que todos estivessem unidos na mesma ala de combate, quando todos têm o único compromisso em derrotar o inimigo comum do coronavírus.

Na verdade, o que não é novidade para ninguém que governo, que tem o órgão a nível ministerial, somente evidencia falta de iniciativa em combate ao coronavírus, porque não se conhece absolutamente nada que tenha sido apresentado como medida efetiva no combate à doença.

Não obstante, em contraposição, praticamente, todos os dias surgem criticadas pesadas contra quem age em benefício da população, ou seja, a notável contribuição do presidente do país tem sido o de criticar o que ele acha que está errado, mas ele não tem a iniciativa de convocar os governadores e prefeitos, para, juntos, encontrarem alguma alternativa que possa minimizar a tragédia que só aumento ao meio das queixas e críticas inúteis e nada produtivas.

Se o presidente entende que o isolamento social total é pior do o próprio vírus, como já afirmou nesse sentido, sem que ele tenha nada para apoiar o que diz, por que então o governo federal não apresenta medida que possa, ao menos, atenuar a deplorável situação, quando as críticas somente servem para potencializar o inaceitável estado de incompetência, diante da inexistência de ideias úteis?

Ao dizer que “Eu faço o que o povo quiser”, o presidente deixou muito claro que ele simplesmente está boiando na poltrona presidencial, não tendo qualquer noção sobre a essencialidade do seu dever presidencial, porque o estadista consciente das suas atribuições jamais se dignaria a se oferecer a tão irresponsável entendimento presidencial.

É tão irrealista essa afirmação presidencial, porque, nesta altura do campeonato, o povo talvez queira que ele ceda o seu lugar para quem tenha competência para cuidar e zelar da saúde e da vida dos brasileiros, com plenos esforços, dedicação e amor à causa humanitária, mas certamente que ele não vai fazer o que o povo quiser.

O povo quer que o presidente se transforme em mandatário que seja apenas sensível aos princípios humanitários e se empenhe além da sua índole pessoal no combate à pandemia, sendo compreensível ao máximo aos problemas causados pela Covid-19 e gentil com os governadores e demais autoridades, no sentido da construção de entendimento único para se alcançar medidas úteis e viáveis ao combate à doença, mas certamente que ele não vai fazer o que o povo quer, porque o seu coração já disse que ele se satisfaz ao seu modo de desprezo àqueles princípios, à vista dos fatos já conhecidos pelos brasileiros, no curso da pandemia.

Por outro ângulo de interpretação mais aguda da sinalização de “bondade” do presidente, no sentido de que ele faz o que o povo quiser, parece que essa ideia maquiavélica tem algo mais voltado com golpe à democracia, em que as maciças manifestações populares têm, no seu bojo, o desejo ou a forma de intenção de autorizar que ele decida em nome do povo em adotar ato de exceção, sob o argumento de que nada foi feito contra a democracia senão com respaldo na vontade soberana dos brasileiros.

Na verdade, ao dizer que “Eu faço o que o povo quiser”, o presidente pede carta branca para adotar medidas com cunho de ruptura do Estado Democrático de Direito, sob a alegação de que ele não é ditador, precisamente porque teria agido simplesmente em atendimento à vontade do povo, a quem ele, nesse caso, se diz que é escravo e que precisava agir, com urgência, para se evitar crises ainda maiores para a administração do país.

Pessoalmente, compreendo que o presidente da nação precisa sim fazer tudo o que o povo quiser, mas apenas no que se refere ao atendimento do interesse público, em estrita observância ao regramento constitucional e legal e em conformidade com os princípios republicanos e democráticos, incluindo-se nesse entendimento o extremo zelo com a saúde e a vida dos brasileiros, na melhor maneira de se cuidar do integral combate à pandemia do corona, por exemplo.

Por último, penso que não seria de bom tom se fazer ou praticar qualquer medida extrema apenas por achar que o povo quer, sendo imprescindível, em atenção aos princípios do contraditório, do bom senso, da racionalidade e da civilidade, que a sociedade seja previamente consultada, pela via constitucional do plebiscito, porque mostra seriedade e respeito aos princípios republicano e democrático, de se possibilitar que as pessoas se manifestem acerca da aceitação ou não da medida a ser implantada, à vista do seu cabimento, em termos de atendimento do interesse público.

Enfim, os brasileiros esperam apenas que o presidente da República realmente faça o que o povo quer, em especial, quanto à preocupação em ficar em silêncio e procurar apenas exercer, com fidelidade, o seu mandato, exatamente na estrita observância às cartilha e agenda inerentes às atribuições constitucionais e legais, com relação ao zelo e aos cuidados pertinentes aos interesses do Brasil e dos brasileiros, sendo responsável pelos próprios atos, sem o insensato comprometimento da sociedade nas medidas relacionadas ao cargo presidencial.   

Brasília, em 14 de março de 2021

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