terça-feira, 9 de março de 2021

O destroço da moralidade?

 

De maneira surpreendente e tsunâmica, diante das repercussões jurídicas, à vista do tempo decorrido, ou seja, mais de quatro anos, inclusive dos desdobramentos processuais, um ministro do Supremo Tribunal Federal houve por bem anular decisões, julgamentos, condenações e atos judiciais referentes ao ex-presidente da República petista, tendo por base a incompetência jurisdicional do Tribunal Regional de Justiça, sediado em Porto Alegre/RS, ao qual era subordinada a Operação Lava-Jato, que cuidava dos processos pertinentes.

A referida decisão, para o bem da clareza, não examina o mérito dos fatos delituosos denunciados à Justiça, objeto das condenações do ex-presidente à prisão, pelos supostos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Ou seja, os referidos fatos vão ser julgados novamente, a depender do entendimento do novo juiz, que poderá aproveitar as instruções já existentes nos processos ou fazer tudo de novo, de modo que ele tenha condições para proferir, com a devida segurança, as suas sentenças quanto ao mérito das ações, tal qual já foi feito na Operação Lava-Jato, igualmente com o estabelecimento de culpa ou declaração da inocência dele, conforme for a sua visão sobre os fatos constantes dos autos.

Enquanto isso acontece, o ex-presidente ainda não pode contar vitória, em razão das anulações objeto da decisão em apreço, porque ela ainda poderá ser analisada pelo plenário do Supremo, diante da informação de que a Procuradoria Geral da República vai entrar com recurso contra o questionado ato.        

A primeira consequência dessa medida é a de que o político fica, neste momento, livre para se candidatar a cargo público eletivo, visto que ele passa a se desvincular das amarras da Lei da Ficha Limpa, que o impediram de concorrer à Presidência da República, em 2018.

Os referidos processos vão ser enviados para outra jurisdição da Justiça, em Brasília, como em passo de mágica, onde tudo vai ser reanalisado, repensado e rejulgado, como algo caprichosamente calculado, planejado, tendo como beneficiário exatamente o político que se consagrou como símbolo maior da corrupção, por ter liderado o maior desastre moral da história republicana brasileira, com o desvio de bilhões de reais dos cofres da Petrobras.

Diante do legado horroroso e degradante deixado para os brasileiros, com a roubalheira perpetrada aos cofres da petrolífera brasileira, o líder petista certamente não merecia jamais receber o que se pode chamar de prêmio de ouro, ao puder voltar a se candidatar a cargo público, que tem o condão da blindagem criminal, caso ele seja eleito, quando ele também poderá ganhar o direito à impunidade, por passar a ocupar cargo público relevante, que tem sinônimo de imunidade no mundo da criminalidade.

Agora, é preciso que ninguém se esqueça que o péssimo histórico político permanece com a tarja preta indicando que ele continua carregando o pesado fardo das acusações de ter se beneficiado do recebimento de propina, que é dinheiro sujo destinado ao acréscimo do seu patrimônio, pelo caminho desviado do controle do Fisco, por meio da lavagem de dinheiro, não declarada legalmente a sua origem, conforme as provas constantes dos processos objeto das questionadas anulações.

Ou seja, inocente o político somente poderá ser assim declarado quando conseguir mostrar a legitimidade da origem dos recursos que foram empregados na aquisição de imóveis e reformas, que nunca foram declarados, justamente porque quem pratica fraude fiscal, com o beneficiamento de dinheiro ilegal, nunca vai colocar bens em seu nome, exatamente como ocorreu nos casos suspeitos de irregularidades.  

A verdade é que o político não foi inocentado pela Justiça e isso precisa ficar bem claro, agora.

Outra verdade é que, pelo andar da carruagem, se mantida a surrealista e absurda decisão, ao se enviar para a Justiça do Distrito Federal os processos em questão, é o mesmo que se dizer que, pela idade dele e à vista da conhecida fama da “celeridade” da Justiça fora da Operação Lava-Jato, que foi o único órgão judicial que funcionou no Brasil, em termos de julgamento e condenação, é evidente que o líder petista jamais será julgado nem condenado outra vez, o que significa se afirmar que o crime compensa, porque ele nunca será obrigado a restituir ao erário a dinheirama desviada dos cofres públicos, porque as decisões anuladas broquearam vultosos valores para o ressarcimento do dinheiro roubado e agora ele ficaram livres para a movimentação dele.

Neste momento de enorme euforia da esquerda, pela anulação de condenações de importante líder político que possui a ficha pessoal mais suja com a lama da corrupção, estranhamente, multidões comemoram como se pessoa de bem tivesse sido beneficiada por decisão revestida do devido mérito, à vista de o reconhecimento de incompetência para julgá-la terem se passado mais de 4 anos, quando todos os tribunais, inclusive o próprio Supremo, terem negado exatamente o mesmo apelo ora deferido, por um ministro que poderia, por cautela judicial, submeter previamente o pleito ao plenário da corte, ante a inexistência de urgência nem relevância para a questionável decisão.

Esse fato de enorme nebulosidade judicial suscita infindáveis questionamentos, em termos de motivações e jogadas de interesses, precisamente pelas circunstâncias como ele aconteceu, praticamente sem a menor razão plausível para justificá-lo, em termos estritamente jurídicos.

Isso só reforça o sentimento de completa inutilidade do Poder Judiciário brasileiro, no que se refere à defesa dos princípios da moralidade, competência e responsabilidade, sob a compreensão de que, se a sede do tribunal que julgou o político tivesse sido considerada logo no início da ação, os autos teriam sido enviados imediatamente para a jurisdição competente e certamente o julgamento já teria ocorrido, possivelmente, há bastante tempo.

Ao contrário disso, somente agora o ministro encarregado do caso reconhece que está tudo errado e, o pior, ninguém é considerado culpado por tão grave erro judicial nem punido, como devia, porque as anulações em causa implicam na perda de milhões de reais que voltariam aos cofres públicos, à vista do bloqueio de bens e valores em poder do político, para o fim de ressarcimento e pagamento de multas, já determinadas pela Justiça, nas condenações anuladas.

Outro aspecto sensível dessa decisão diz com os princípios da moralidade pública, em que se exige dos brasileiros conduta ilibada e imaculabilidade para o exercício de cargos públicos eletivos, o que não é o caso do político, que continua pendurado com pencas de acusações pela prática de atos irregulares, como o recebimento de propina, conforme a robusteza das comprovações das provas materiais constantes dos autos questionados pelo Supremo, que apenas de pronunciou pela incompetência de jurisdição e não quanto aos crimes em si, porque estes permanecem gravados, enquanto não houver prova em contrário.

Nessas condições, se muitos brasileiros tivessem a consciência quanto aos princípios da moralidade, pouco importava que as condenações em apreço tivessem sido anuladas, porque o homem público precisa ser avaliado pelo seu caráter moral, por sua conduta de dignidade na vida pública, sem qualquer mácula, independentemente do julgamento de seus atos na vida pública pela Justiça, principalmente a brasileira, que já demonstrou o seu total desprezo pela segurança jurídica e pelos princípios da moralidade.

Não bastasse a tristeza que grassa no Brasil, pela terrível pandemia do coronavírus, eis que surge, praticamente de repente e do nada, ante a falta de motivação capaz de justificar, sob o prisma da razoabilidade jurídica, decisão monocrática mandando para a lixeira importantes esforços, em termos de investimentos materiais e humanos, em ato revestido de completa insensibilidade jurídica e sem a menor preocupação com os interesses nacionais e muito menos da sociedade, porque os prejuízos resultantes dessa abusiva e irresponsável decisão são imensuráveis e irreparáveis, com reiteração do trágico destroçamento dos princípios da moralidade.   

Enfim, como reza o velho e sábio provérbio: “não há nada tão ruim que não possa piorar ainda mais”, à luz dessa desastrada decisão proferida pela Excelsa Corte de Justiça, cujo resultado é extremamente prejudicial aos interesses do Brasil, por deixarem de ser ressarcidos expressivos valores desviados de cofres públicos, desmoralizar e desacreditar a missão institucional do principal órgão da Justiça, fragilizar o princípio da segurança jurídica, reafirmar literalmente que o crime compensa e principalmente por colocar no jogo político pessoa símbolo da corrupção na administração pública, à vista dos fatos constantes dos processos objeto das questionadas anulações.

Brasília, em 9 de março de 2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário