segunda-feira, 8 de março de 2021

Tragédia humanitária

O Ministério da Saúde diminuiu, pasmem, em 35% a previsão de doses de vacina contra a Covid-19, disponíveis em março, exatamente quando o vírus se intensifica em disseminação e o presidente do país implora que a população não fique em casa.

A estimativa inicial era de 46 milhões, depois foi reduzida para 38 milhões, posteriormente para 37 milhões e, agora, foi reduzida ainda mais para 30 milhões de doses, fato este que somente fragiliza as medidas de combate à Covid-19 e o aumento de infecções da doença.

O mais grave da desastrada decisão ministerial é que essa redução foi anunciada precisamente no mesmo dia em que o país quebrou mais um recorde de vítimas fatais, ao ultrapassar as 10 mil mortes em apenas 7 dias, em decorrência da Covid-19, tendo atingida a maior média móvel diária já registrada, de 1.455 óbitos.

De acordo com o balanço da vacinação de sábado, realizado pelo consórcio de veículos de imprensa, 8.135.403 pessoas receberam a primeira dose da vacina, cujo número representa apenas 3,84% da população brasileira, enquanto a segunda dose já foi aplicada em 2.686.585 pessoas, que representa cerca de 1,27% da população.

Causa verdadeiro estarrecimento se verificar que, quando se esperava que houvesse expressivo incremento do oferecimento de vacinas, justamente diante do progressivo aumento da doença, que já atingiu patamar alarmante, a contribuir para elevar significativamente o desespero dos brasileiros, o principal órgão do governo anuncia a redução, em mais de um terço, da quantidade de vacinas para distribuição aos postos de imunização.

Trata-se de fato bastante espantoso no combate à pandemia, que somente aceita medidas que sejam de maior efetividade contra a doença, o que fale dizer que, em hipótese alguma, tem cabimento a redução das doses anunciadas, porque isso tem o condão de provar o menor grau de zelo para com a vida dos brasileiros.

Diante disso, fica muito evidente a falta de planejamento do governo em relação ao programa de imunização, à vista da escassez de vacinas, que precisam existir em estoque suficiente para proteger a população contra a Covid-19, porque, ao contrário, a tendência será a continuidade de muitas mortes, uma vez que somente a imunização pode frear a sanha mortífera de terrível vírus.

O pior de toda essa falta de cuidado e zelo para com o interesse da população, mais especificamente pelo descaso com a integridade da vida humana, é o governo não demonstrar o mínimo de humildade para reconhecer as suas gravíssimas falhas no combate à pandemia no novo coronavírus, senão sempre afirmando que vem diligenciando no sentido de atender às demandas pertinentes, a despeito de que são notórias a desorganização e a gritante falta de planejamento reinantes nos procedimentos inerentes à imunização.

Sem dúvida alguma, esses fatos são dignos do merecimento do desonroso título de gestão insensata e incompetente, em comparação às necessidades mínimas das vacinas imprescindíveis à imunização dos brasileiros, que deveriam ter sido estocadas há muito tempo.

Há que se notar que as nações que se prepararam e se precaveram sobre a necessidade de vacinas suficientes para a imunização, providenciaram a compra das vacinas com bastante antecedência, exatamente em razão da imperiosidade da existência delas, evitando as dificuldades que vem enfrentando o governo tupiniquim, que não consegue adquirir imunizante exatamente porque os laboratórios somente estão fornecendo o produto imunizante para os governos precavidos e organizados, que fizeram seus pedidos ainda quando as empresas estavam tendo capacidade para o atendimento das demandas das encomendas, que agora estão sendo entregues.

Nesse contexto, não se pode acusar autoridades públicas por crimes contra a sociedade, exatamente por falta de amparo legal, mas os fatos mostram, à toda evidência, que a demora para a compra da vacina tem o condão de comprovar que o governo não foi diligente nem capaz de se organizar e se planejar para a formação de estoque de vacinas, fato este que certamente seria capaz de contribuir para se evitar milhares de importantes vidas humanas.

A verdade é que nada, absolutamente nada, pode ser alegado pelo governo como álibi para justificar a prática de gigantesca omissão, que se traduz em imperdoável falha administrativa, que tem como consequência, por certo, a perda de milhares de vidas humanas, que seriam evitadas se todos os cuidados tivessem sido adotados com o máximo de antecedência, na linha do que fizeram os governantes conscientes dos seus deveres e atribuições constitucionais e legais, em estrita consonância com o sentimento de respeito aos princípios humanitários.

Como demonstração de maior desprezo à vida dos brasileiros, um importante colunista do UOL disse que o presidente da República teria determinado ao ministro da Saúde, ontem, que “corre para evitar que estados e municípios comprem as vacinas que a União negligenciou”, tendo afirmado ainda que um executivo daquele órgão disse que o mandatário teria sido “taxativo” nessa ordem, ao dizer que não admite que consórcio de prefeitos ou aliança de governadores negocie a compra de vacinas com fabricantes.

Ou seja, quando se não imaginava que a desgraça não poderia ser pior, o presidente do país tenta proibir que os governos estaduais e municipais não possam adquirir as vacinas que ele não conseguiu comprar, pondo ainda mais obstáculos no caminho do salvamento de vidas humanas, fato este que é bastante lamentável, inaceitável e imperdoável, à luz da essencialidade dos princípios humanos, tão aviltados no combate à pandemia da temível e letal Covid-19.

É evidente que, no momento da maior gravidade na prestação da saúde pública, seria normal que houvesse somente convergência e consolidação das ações no combate à pandemia, sempre contando com a participação, em forma de liderança e coordenação do governo federal, para que a união de esforços e forças pudesse contribuir para o trabalho conjunto em benefício da saúde dos brasileiros, no mais do que objetivado salvamento de vidas humanas.

Infelizmente, os fatos mostram verdadeira e potencial disputa política, em consonância com os interesses pessoais de poder, extremamente prejudiciais às causas do interesse público, em detrimento do bem comum, em especial da vida humana, que contabiliza imensuráveis estragos com as perdas de milhares de brasileiros, que poderiam ser minimizadas caso houvesse sensatez e sensibilidade na condução das políticas públicas inerentes ao combate à tão terrível pandemia.               

Certamente que os brasileiros não merecem enfrentar castigo tão pesado como esse de precisar pagar, em martírio, com a própria vida, em muitos casos, por insuportável ônus, em razão das notórias omissão e incompetência da administração pública, conforme mostram os fatos, onde o Estado fraquejou horrivelmente não somente na imunização, mas na prestação de outros serviços inerentes ao combate ao Covid-19.

É muito difícil para a sociedade, que se depara com terrível situação como essa, em que ela vem sendo notoriamente prejudicada pela omissão de fazer do Estado, conforme mostram os fatos, mas não existem culpados e ninguém poderá ser responsabilizado por tão graves irregularidades, à vista do envolvimento de perdas de vidas humanas, que poderiam ter sido evitadas caso houvesse a adoção de efetivas medidas preventivas em parâmetros compatíveis com as que foram adotados por nações cujos governos se anteciparam na formação de estoque de vacinas, em condições suficientes para a imunização da população.

É evidente que a impossibilidade de responsabilização decorre por força da inexistência de legislação específica para a tipificação de crimes bárbaros dessa natureza, diante de muitas mortes em razão da incompetência gerencial de incumbência do Estado, mas os fatos em si são suficientemente capazes para mostrar o tamanha da maldade materializada contra a população, quer por ação ou omissão do poder público, que tem sim culpado pela potencialização dessa tragédia humanitária.

Brasília, em 8 de março de 2021


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