Um ministro do Supremo Tribunal Federal rejeitou a
ação apresentada pelo presidente da República cogitando a anulação de decretos
dos governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul, que, segundo
o mandatário, impuseram “toque de recolher” à população, de modo a endurecer
as restrições à circulação de pessoas, à vista do agravamento da pandemia do novo
coronavírus.
O recurso foi assinado pelo próprio presidente do
país, quando a competência institucional, nesse caso, é da Advocacia Geral da
União, a quem cabe representar judicialmente os interesses da Presidência da
República perante o Supremo, motivo pelo qual o pedido em apreço foi rejeitado,
por não atender à formalidade legal.
O ministro aproveito o ensejo para repreender o
chefe do Executivo, nestes termos: “O Chefe do Executivo personifica a
União, atribuindo-se ao advogado-geral a representação judicial, a prática de
atos em Juízo. Considerado o erro grosseiro, não cabe o saneamento processual”.
Na decisão, o ministro ressaltou, com ênfase, que o
governo federal não está isento de agir na pandemia, ao afirmar, in verbis:
“Ante os ares democráticos vivenciados, impróprio, a todos os títulos, é a
visão totalitária. Ao Presidente da República cabe a liderança maior, a
coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros”.
O trecho acima representa duro recado ao presidente
do país, que tem procurado se isentar das responsabilidades na condução da
crise da pandemia, ao alegar, de maneira reiterada, que o Supremo o proibiu de
cuidar do combate à Covid-19, o que não é verdade, conforme já mostrei tal disparate
em algumas crônicas.
Na
avaliação do presidente do país, os questionados decretos afrontam as garantias estabelecidas
na Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica e “subtraíram parcela
importante do direito fundamental das pessoas à locomoção, mesmo sem que
houvessem sido exauridas outras alternativas menos gravosas de controle
sanitário”.
O
presidente também queria que o Supremo estabelecesse que medidas de fechamento
de serviços não essenciais exigissem a aprovação de leis locais, porque ele
entende que elas não podem ser determinadas unilateralmente por simples decretos
de governadores.
Como
justificativa, o presidente argumentou que “Tendo em vista o caráter geral e
incondicionado dessas restrições à locomoção nos espaços públicos, elas podem
ser enquadradas no conceito de “toque de recolher”, geralmente associado à
proibição de que pessoas permaneçam na rua em um determinado horário. Trata-se
de medida que não conhece respaldo legal no âmbito do ordenamento jurídico
brasileiro”.
Por
falta de consenso entre os entes da federação, desde o início da pandemia, o
Supremo tem sido chamado para arbitrar discussões em torno das estratégias referentes
à contenção do surto do novo coronavírus, fato este que evidenciam muitas
divergências quanto aos cuidados da doença, quando o ideal seria a união de
esforços e dedicação à causa de interesse dos brasileiros, em que o antagonismo
somente contribui para dificultar a execução das políticas essenciais ao
combate à pandemia.
Em
abril do ano passado, o Supremo decidiu que governantes e prefeitos também têm
autonomia para adotarem medidas de quarentena e isolamento social e isso tem
sido motivo de queixa do presidente, que resolveu abandonar tão importante
causa de combate à pandemia.
Em
tom de desrespeito e agressividade, o presidente do país chamou governadores e
prefeitos que decretam medidas restritivas de “projetos de ditadores”
que teriam, pelos atos, segundo ele, poder de “usurpar” a Constituição
Federal.
Em princípio, tem-se que a situação de calamidade
pública que se instalou na prestação da saúde pública, quando a União não
consegue atender, a contento, aos serviços da melhor qualidade aos brasileiros,
pode ser caracterizada como verdadeiro estado de guerra.
Nessas condições, não assiste razão ao presidente
de falar em usurpar dispositivos da Lei Maior do país, visto que o Brasil se
encontra em crise, em razão da pandemia, cujas medidas adotadas por governadores
estão em harmonia com a situação de desestruturante anormalidade que o chefe do
Executivo finge ignorar, diante de seu posicionamento refratário às medidas
destinadas à contenção da doença.
É bem possível que o presidente desconheça que os
hospitais desses entes da federação já estão atendendo doentes no chão de
corredor, a exemplo do Distrito Federal, conforme notícia divulgada na
imprensa.
Nessas condições aflitivas, cabe aos governadores
adotarem as medidas que estão sob a sua alçada e o isolamento social é uma
delas, porque a União não tem o menor interesse em chamar para si o problema e coordenar
medidas junto com os estados e municípios, com a finalidade de se buscar mecanismos
capazes de, ao menos, minimizar o estado desesperador de tantas mortes, que ainda
são incapazes de sensibilizar as principais autoridades federais sobre a
conscientização da tragédia que se intensifica a todo instante, em verdadeira
calamidade, que somente exige compreensão e sensibilidade para a convergência
de ações destinadas ao combate por meio de frente única.
As autoridades do Executivo não têm a mínima
competência para cruzarem os braços e muito menos para impedirem que os governadores
adotem as providências que estão ao alcance deles, porque eles estão sentindo
na pele o estraga causado pela pandemia, enquanto tem autoridade só criticando,
acusando, sem nenhuma iniciativa no sentido de liderar e coordenar a convocação
de quem tem experiência com saúde pública e sanitarismo, para estudarem urgentes
medidas capazes de, ao menos, frear essa escalada absurda de intermináveis e
alarmantes mortes.
No dia em que as autoridades do Executivo passarem
a ter o mínimo de preocupação com as insuportáveis perdas de vidas humanas,
logo elas vão procurar resolver as questões da pandemia em conjunto, em união
de todas as forças do país, sepultando de vez as brigas por motivação política,
enquanto as vidas estão sendo consumidas em galopante processo alimentado por conta
das extremas incompetência, irracionalidade e falta de amor ao ser humano.
Enquanto os homens públicos não resolveram içar a
bandeira branca e darem-se às mãos para trabalharem em conjunto com um só propósito
para salvar vidas, muitas mortes ainda hão de ser consumidas e o mais grave é
que ninguém tem a dignidade para assumir a culpa pela pior tragédia que poderia
não ter chegado a tanto, se essa benfazeja união em benefício da causa da vida
já tivesse acontecido desde o início da pandemia, porque o trabalho, a responsabilidade
e os louros das vitórias poderiam ser partilhados igualmente entre os homens
públicas dignos e respeitados, os quais, ao contrário, poderiam entrar para a história
da pandemia como heróis, mas infelizmente eles certamente deverão ser
reconhecidos exatamente pelo que deixaram de fazer, no sentido de evitar milhares
de mortes.
Há muita tristeza nos corações dos brasileiros que
pensam exclusivamente no bem da população, que merece ser tratada com a
dignidade apenas de ser humano, se tivesse havido essa conscientização desde
pouco mais de um ano, quando o desastre eclodiu nas cabeças dos brasileiros e
até agora ninguém, no alto comando da nação, consegue calçar a sandália da
humildade para assumir a culpa, em grande parte, pela tragédia das mortes.
O sentimento que reina é o errático protagonismo da
vaidade, da autoridade, da incompetência, da irresponsabilidade e do despreza
aos princípios humanitários, quando tudo isso poderia apenas se resumir no
aperto de mão e no convite para a união da luta de todos juntos contra o mal
que já devastou a vida dos brasileiros e o pior é que ele há de continuar
exatamente diante do império da irracionalidade.
Brasília,
em 24 de março de 2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário