quinta-feira, 10 de agosto de 2017

A degeneração dos princípios

A Câmara dos Deputados decidiu rejeitar a denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República contra o presidente da República, pela possível prática do crime de corrupção passiva, o que permite que a tramitação da acusação fique paralisada até que o mandato do peemedebista acabe.
O resultado da votação confirmou a expectativa da base aliada do governo de que o importante não é investigar atos suspeitos de ilicitude, preferindo fechar os olhos para malfeitos e prosseguir com o governo, como se nada de errado tivesse acontecido, a exemplo do que acontecia na gestão anterior, onde as irregularidades gritantes aconteciam à céu aberto, mas as autoridades do Congresso Nacional as respaldavam, em nome da continuidade administrativa, embora os princípios republicanos eram simplesmente estrangulados às claras.
          De nada adiantou as estratégias adotadas pela oposição para contrariar a vontade governista de blindar o presidente contra o pedido de investigação, porque não fazia sentido que a verdade fosse esclarecida, no momento, prevalecendo o desrespeito aos conceitos de moralidade e legalidade.
Embora a denúncia contra o presidente contenha elementos passíveis de investigação, por conterem acusações graves aos princípios da administração pública, os discursos dos governistas alegavam que ela era frágil, por não apresentar provas suficientes, a par de haver críticas no sentido de que a gravação feita pelo empresário da JBS, um dos principais pilares da acusação por corrupção passiva contra o presidente, apresentava falhas e ruídos capazes de distorcer o sentido da conversa, a ponto de o relator da comissão pertinente dizer que “Entre cinco perícias, quatro a condenam por causa de ruídos”.
Já o advogado do presidente foi bastante ardiloso e o defendeu afirmando que a denúncia continha “um rol de equívocos” cometidos pelo procurador-geral da República, entre os que o coloca como réu, enquanto o “criminoso delator é colocado em um pedestal”, referência ao empresário da JBS.
O defensor do presidente, em brado no plenário, disse que a decisão da Câmara não influencia o julgamento, porque “É apenas uma questão temporal. Um ano e meio? Será que não podemos esperar um ano e meio para julgar o presidente? Ele é um facínora? Será que a sociedade não prefere um ano e meio de benefícios com o presidente? Será que não se pensa no homem Michel Temer?”.
Concluindo, o advogado do presidente também criticou o órgão acusador, ao afirmar que “O Ministério Público está desrespeitando o tripé da Justiça. Está acusando com provas, sem provas. Não pode acusar a esmo e com base em suposições e hipóteses”.
Acontece que as acusações são simplesmente incontestáveis, porque elas existem gravadas em fitas autênticas, com reconhecimento das vozes pelos autores e confirmado o encontro entre eles, bastando apenas a verificação sobre a veracidade sobre os fatos nada republicanos tratados fora da agenda presidencial, que vieram à tona situações extremamente comprometedoras e incompatíveis com a liturgia do principal cargo da República.
Nos países sérios, civilizados e evoluídos política e democraticamente, os parlamentares que votaram pelo não prosseguimento das investigações, no Supremo, ficariam com a sua vida pública marcada para sempre, inclusive sob risco de ser eliminados definitivamente das atividades políticas, justamente por sua adesão a ato com o timbre que desabona a conduta exemplar que precisa imperar nas lides político-administrativas.
Em termos de moralização dos princípios, competia à Câmara tão somente autorizar que a Suprema Corte de Justiça investigasse o presidente do país, conquanto a negativa sugere que ela passa a ser cúmplice com ele, que perdeu excelente oportunidade para provar a sua inculpabilidade acerca dos fatos de que trata a denúncia em referência, ficando a marca da suspeita, enquanto os fatos não forem apurados.
Convém que os brasileiros tenham a sensibilidade e a dignidade de reconhecer o grave erro político praticado pela Câmara dos Deputados, em não permitir a investigação de fatos suspeitos de irregulares, sob a autoria do presidente da República, para exigir que os homens públicos tenham a consciência de honrar a nobreza dos cargos delegados pelo povo para defender a preservação dos princípios basilares da República e da democracia, não permitindo que a Presidência do país possa ser exercida por alguém suspeito da prática de corrupção. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 10 de agosto de 2017

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