terça-feira, 15 de agosto de 2017

Desprezo à vontade do povo

Inconformados com as recentes reformas aprovadas na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, partidos da oposição logo formaram frente de luta contrária à criação do denominado "distritão", modelo que prevê que deputados federais, estaduais e vereadores passem a se eleger apenas com os votos contabilizados em seu nome, no sistema majoritário.
Os principais partidos de esquerda encabeçaram as críticas ao sistema proposto pela citada comissão, cujo projeto deverá passar pelo crivo dos plenários da Câmara e do Senado Federal, que, se aprovado, terá vigência já na próxima eleição.
Os parlamentares inconformados argumentam que se trata de manobra para assegurar a reeleição dos atuais deputados federais.
Convém se observar que a proposta foi aprovada, na comissão, com placar bem apertado de 17 a 15, prevendo-se que, em cada plenário do Congresso Nacional, onde se exigem votos de 308 de deputados, na Câmara, e 54 senadores, no Senado, para aprovação, as dificuldades serão maiores, principalmente agora, que os ânimos vão se acirrar de vez.
Já sabe que a cúpula do Congresso e os aliados de presidente do país defendem a proposta aprovada na comissão, que é a mesma rejeitada no passado, quando foi defendida pelo então presidente da Câmara, que mais tarde foi afastado e preso, por corrupção.
Um deputado contrário à ideia disse que "Eles vão ter muita dificuldade com o 'distritão', para recompor a base. Eu espero que tenha subido no telhado e não passe".
Com a aprovação do "distritão", fica extinto o famigerado e absurdo quociente eleitoral, onde um supercandidato elege vários outros em voto, passando a prevalecer a vontade do povo de eleger os candidatos da sua preferência, aqueles que forem mais votados.
Na prática, o que de fato muda com o “distritão” é o caráter majoritário da eleição de deputados e vereadores, como já acontece na escolha de presidente da República, governador, prefeito e senador.
No retrógrado modelo atual, denominado proporcional, a eleição depende do quociente eleitoral, levando-se em conta o cálculo dos votos válidos no candidato e também no partido, quando então, com base nesse índice, são calculadas quantas vagas cada partido consegue preencher e, assim, as cadeiras disponíveis são ocupadas.
Os defensores do modelo “distritão” argumentam que, sem o financiamento empresarial das campanhas e minguados os recursos, a menor quantidade de candidatos se harmoniza com menos votos, fato que se adequa àquele sistema, por possibilitar que o partido lance apenas nomes com chances reais de se eleger, perdendo importância o maior número de votos.
Um deputado disse que "Essa é uma tentativa de seguro-reeleição para os atuais deputados federais. Quem estuda sistema eleitoral sabe que a renovação é praticamente impossível dentro do 'distritão'".
É evidente que a presente reforma cogita tão somente facilitar as situações políticas dos atuais parlamentares, interessados, na expressiva maioria, em manter o foro privilegiado, com vistas à impunidade dos crimes praticados com o recebimento de propina, principalmente por meio do caixa 2, em troca da sua influência no poder, em benefício de empreiteiras.
Certamente que os parlamentares se interessariam por reforma política tão somente com o propósito de modernização e aperfeiçoamento do sistema eleitoral, que passaria por outros caminhos de seriedade, principalmente com a eliminação do profissionalismo ou vergonhosa hereditariedade política, em que toda família se sucede na vida pública, não permitindo a alternância no poder, porquanto são sempre os mesmos, de longa data, a exercerem os mesmos cargos públicos eletivos.
Convém que seja proibida a reeleição e permitida a candidatura em outro cargo e mesmo assim uma única vez, de modo que os cargos públicos eletivos possam ser ocupados não por aqueles que se profissionalizam com a exclusividade de se beneficiar do poder para satisfazer seus objetivos pessoais, como tem sido a regra no sistema atual, conforme mostram os projetos de iniciativas de reforma oferecidas claramente nesse sentido.
É bastante estranho que a iniciativa do formato para a escolha dos representantes do povo, nos parlamentos, não leve em consideração, em momento algum, a opinião do principal interessado, a essência da representatividade democrática, ou seja, a lídima vontade do povo, que precisa dizer de que forma ele quer que a sua vontade de cidadão seja exercida nos parlamentos.
Na verdade, ele sequer existe quando os caciques do poder eleitoral se digladiam feroz e exclusivamente para colocar no pódio das eleições os sistemas que melhor possam satisfazer seus objetivos indispensáveis à conquista do poder, em completo desrespeito aos comezinhos princípios de civilidade democrática.
O que se vê são os parlamentares criando regras que possam garantir a sua eleição e a do seu grupo de asseclas, não importando, como tem sido sempre o pensamento da velha e matreira regra dos conchavos políticos destinados à solução das questões, como forma de facilitar os caminhos para se alcançar a perpetuidade no poder, evidentemente com desprezo à evolução e à modernidade da humanidade, que exigem que até mesmo o sistema político-eleitoral seja aperfeiçoado permanentemente, sem ignorar a salutar regra segundo a qual o processo só tem sentido com povo como beneficiário, porque é assim que deve funcionar o instituto da democracia moderna.
As reformas, as mudanças, precisam ser feitas levando-se em conta não os caprichos e os interesses da classe política dominante, mas tão somente a vontade primacial da população, segundo a orientação maior do princípio constitucional que prescreve que o poder emana do povo e em seu nome será exercido, caso em que, ao contrário, não se vislumbra o mínimo de respeito aos salutares princípios republicano e democrático, mas sim a indesejável consagração à arraigada e à inescrupulosa prática da politicagem dos mundos ainda incivilizados e atrasados, diante da cristalina inversão da ordem natural dos fatos, que precisa ser corrigida com urgência, em estrita consonância com o desenvolvimento da humanidade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 15 de agosto de 2017

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