terça-feira, 8 de agosto de 2017

Condenação justa?

Diante da sentença proferida pelo juiz da Operação Lava-Jato, condenando o ex-presidente da República petista a nove anos e seis meses de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, alguns especialistas de direito foram ouvidos pela Folha de S.Paulo, na tentativa de avaliá-la quanto aos acertos e aos deslizes que possam ter sido cometidos, segundo o ponto de vista jurídico.
Alguns juristas entendem que o juiz da Lava-Jato extrapolou a sua função ao ter recriminado a defesa do petista pelas críticas feitas aos investigadores e à Justiça, por entenderem que isso faz parte do sistema democrático de manifestar insatisfação sobre determinado procedimento.
Na sentença, o juiz disse que "até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva" do ex-presidente, dadas as "táticas bastante questionáveis como de intimidação do julgador" e "de outros agentes da lei" com ações de indenização e declarações "no mínimo inadequadas".
Contrariando o juiz, um professor de direito disse que "É absolutamente equivocada e fora de lugar. Lula tem o direito de denunciar o que ele entende ser um processo injusto, não pode ser amordaçado, e a defesa não pode ser impedida de invocar essa tese porque incomoda Moro ou elimina, no seu entender, o prestígio e a autoridade moral do processo.".
Outro ponto bastante criticado por especialistas diz respeito à afirmação do magistrado de que todos são iguais perante a lei, mas, em se tratando de ex-presidente do país, a decretação da prisão foi simplesmente delegada à segunda instância, quando ele mesmo poderia ter decidido pela reclusão do político.
O juiz da Lava-Jato escreve que, "considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela corte de apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação (a prisão)".
Um jurista entende que o juiz foi contraditório, tendo afirmado: "Ora, ele mesmo diz na própria sentença que a lei é igual para todos, mas, nesse caso, deixa de prender porque causaria comoção. O critério pode ser qualquer coisa, menos jurídico.".
Um professor da USP disse que, ainda que não haja prova inquestionável que incrimine o ex-presidente, “a interpretação do juiz se baseou não apenas em depoimentos, mas também em documentos. A sentença, em si, me parece absolutamente adequada, ainda que você possa ter divergência aqui ou ali na interpretação da lei ou dos fatos".
Outro festejado jurista internacional afirmou que a peça é "muito bem fundamentada" e apresenta "matéria fática importante", com provas, tendo acrescentado que o juiz da Lava-Jato "foi extremamente cauteloso em afastar os argumentos dos advogados do Lula de suspeição de condução".
Outros especialistas disseram que a fixação da pena levou em conta critérios além de subjetivos, alheios ao caso julgado, o que configura erro técnico.
Um professor questionou o cálculo da pena fixada de cinco anos de reclusão por crime de corrupção passiva, cuja pena pode variar de 2 a 12 anos de prisão, mas o juiz argumentou que a prática se insere em "esquema de corrupção sistêmica na Petrobras", do qual o PT teria obtido R$ 16 milhões.
Observa-se que, no contexto geral, o juiz da Lava-Jato se houve, nesse episódio, com muito mais acerto do que deslizes, demonstrando que a punição ao petista pode ter sido no tamanho ou próximo da pena por ele merecida, à vista da efetiva prática de atos contrários aos princípios republicanos que os homens públicos precisam observar com absoluta fidelidade, como acontece nos países sérios, civilizados e evoluídos política e democraticamente.
          O que importa mesmo é que o processo teve desfecho na primeira instância e ainda precisa passar pelo crivo do Tribunal de apelação, para se confirmar ou não a condenação do ex-presidente, de modo que, sendo ela chancelada, o seu veredicto se torne paradigma para punir com severidade os agentes políticos inescrupulosos, que sempre atuaram na certeza de que jamais seriam  apanhados pela Justiça, porque o mais importante é que a punição seja aplicada indistintamente a todos homens públicos, não importando a relevância da sua autoridade no cenário nacional, de modo que os corruptos sejam devidamente enquadrados e punidos.
Em se tratando de sentença, dificilmente alguma será considerada absolutamente perfeita, sob a ótica dos princípios jurídicos, tanto assim é que existem os tribunais de apelação, exatamente para que ela possa ser revista e aprimorada, como forma de se evitar injustiça, ou seja, a possibilidade de recurso visa eventual correção sobre aspectos materiais e jurídicos, próprios da praxe jurídica.
Ainda que a sentença condenatória do ex-presidente não seja obra-prima, no sentido eminentemente jurídica, o recurso de apelação ao TRF-4 terá o condão de aperfeiçoá-la, quer para mantê-la, modificá-la ou anulá-la, conforme a circunstância, à vista do entendimento dos desembargadores, que vão sopesar os argumentos elencados pelo magistrado de Curitiba.
É evidente que a sentença em tela não seria tão criticada se as provas sobre os crimes da corrupção e da lavagem de dinheiro tivessem deixado seus rastros, por meio de recibos, documentos, demonstrativos, planilhas, assinatura de seu autor, entre outras evidências incontestáveis, mas os elementos levantados e apontados nos autos acenam para conclusões suficientes para a materialização dos crimes neles configurados.
          Embora passível de crítica, os pontos básicos da sentença guardam o necessário respaldo jurídico com os fatos denunciados, demonstrando que o juiz da Lava-Jato se houve implacável contra a corrupção disseminada na Petrobras, causando imensurável estrago ao seu patrimônio, não se intimidando com as ameaças recebidas no desempenho de seu mister.
É notório que a prisão do ex-presidente, no momento, poderia causar não comoção nacional, mas alguma forma de transtorno, diante do seu indiscutível carisma no seio de grupos e organizações sociais, sendo prudente evitá-la.
Não há dúvida que a sentença em tela até pode ter causado polêmica, o que é normal, em se tratando do envolvimento do principal político nacional, mas notáveis juristas avaliam, na essência, que a peça acha-se muito bem fundamentada, apresenta matéria fática importante, com provas, e afasta, de forma cauteloso, os argumentos dos advogados sobre a suspeição de condução da causa, tudo a respaldar a decisão judicial, na primeira instância, conquanto os possíveis deslizes incorridos pelo magistrados não têm o condão de macular o fundamento das denúncias.
Na sentença, com mais de 200 laudas, o juiz da Lava-Jato resume as acusações sobre a prática de crimes cuja autoria é atribuída ao ex-presidente, com base nos argumentos da defesa e na análise das provas documentais (demonstrativos, documentos, fotos, imagens, e-mails e mensagens telefônicas), pericias (documentos periciados e testemunhais) e depoimentos. 
Urge que a Justiça cumpra a sua importante missão institucional de também zelar pela moralização da administração do país, ao julgar, com independência e autonomia constitucionais, as ações submetidas à sua jurisdição, tendo como alvo a defesa do interesse público, não importando a relevância dos envolvidos, uma vez que as leis do país precisam ser aplicadas e respeitadas na sua plenitude, em harmonia com a evolução da humanidade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
       Brasília, em 8 de agosto de 2017

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