sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A leveza do desabafo

Diante da repercussão negativa causada pela nova crise entre o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara dos Deputados, em razão da nota da lavra do seu advogado, que teria classificado de “vazamento criminoso” o vídeo com a delação do operador do PMDB, o presidente do país resolveu mandar carta de quatro páginas aos parlamentares, na tentativa não somente para se defender das acusações feitas pelo citado operador, mas para dar “explicações” e “satisfações”, além de “desabafar”, com referência à denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República contra ele.
O presidente declarou que “É um desabafo. É uma explicação para aqueles que me conhecem e sabem de mim. É uma satisfação àqueles que democraticamente convivem comigo”, não tendo se referido à trapalhada nota de seu advogado, ou aos posteriores “esclarecimentos” dele de que chamou de vazamento criminoso porque não sabia que o conteúdo da delação estava no site da Câmara.
O episódio gerou novo desgaste na relação entre o presidente da Câmara e o presidente do país, exatamente às vésperas da votação, nesse órgão. da segunda denúncia contra ele, mesmo se sabendo que o presidente da Câmara Baixa é o responsável por ditar o ritmo da votação, que poderá surpreender com retaliação ao presidente.
O presidente, que não tem nada de bobo, prega “a pacificação” e diz da sua disposição para conversar e dialogar, alegando que não acredita na tese do “nós contra eles”, mas “na união dos brasileiros”, com “serenidade, moderação, equilíbrio e solidariedade” certo de que, com esta carta, “a verdade dos fatos será reposta”.
A carta fala da sua “indignação” e diz que decidiu se dirigir aos parlamentares, apesar de conselhos para ele não se pronunciar, mas “Para mim é inadmissível. Não posso silenciar. Não devo silenciar. Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da Presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis”.
Na carta, há contundentes críticas ao ex-procurador-geral, que teria acertado com o dono da JBS as acusações contra ele, que reiterou serem mentirosas e fazerem parte de “uma urdidura conspiratória. Tudo combinado, tudo ajustado, tudo acertado, com o objetivo de: livrar-se de qualquer penalidade e derrubar o presidente da República”.
O presidente diz que a delação divulgada agora, do “delinquente conhecido de várias delações premiadas não cumpridas para mentir, investindo contra o presidente, contra o Congresso Nacional, contra os parlamentares e partidos políticos”, tendo adiantado, em reiteração, que é “vítima de uma campanha implacável com ataques torpes e mentirosos, que visam a enlamear meu nome e prejudicar a República”, a par de dizer “indignado” e “ser vítima de gente tão inescrupulosa” e avisou que todos estes episódios “estão sendo esclarecidos”.
Após agradecer o “apoio decisivo” dos congressistas, que “possibilitou a retomada do crescimento no país”, o presidente apresenta dados da economia de hoje, comparados ao período em que chegou à Presidência da República.
Em conclusão, o presidente fala da agenda de “modernização reformista do país” que, na sua avaliação, avança com medidas aprovadas pelo Congresso, como o teto de gastos públicos, a lei das estatais, a modernização trabalhista, a reforma do ensino médio, a proposta de revisão da Previdência, a simplificação tributária, tendo afirmado que, “Em toda a minha trajetória política, a minha pregação foi a de juntar os brasileiros, de promover a pacificação, de conversar, de dialogar”, pregando a “união dos brasileiros”.
Está certo que o presidente do país tem o direito de se indignar com o que acha que os fatos denunciados por delatores são mentirosos e até de se achar de vítima, diante das circunstâncias, mas o estadista precisa entender que o esperneio não é a caminho natural para contestar os fatos denunciados, quando se sabe que a melhor maneira de contraditar acusações mentirosas é apresentar provas verossímeis e plausíveis, infirmando um por um os fatos irregulares cuja autoria lhe é atribuída, para o fim de não restar qualquer dúvida quanto à sua inocência sobre eles.
Aliás, essa história de se escrever carta desabafo só cola mesmo nas republiquetas, onde o sistema político tem pouca credibilidade e não passa de verdadeira bagunça.
Nos países sérios, civilizados e evoluídos político e democraticamente, o que prevalece mesmo, em caso de acusações e denúncias, é a apresentação de provas válidas juridicamente, para justificar e contestar as acusações, como forma de prestação de contas à sociedade sobre a lisura do político na vida pública.
Aconselha-se ao presidente da República que não perca tempo escrevendo carta para parlamentares, porque a sociedade exige que os fatos inquinados de irregulares, sob graves suspeitas, como parece ser o caso, sejam devidos e imediatamente impugnados por meio de provas materiais, consistentes e plausíveis, à luz dos princípios republicanos da transparência e da legalidade.
Ao contrário disso, corre-se o risco de ninguém acreditar em palavras vazias e desacompanhadas de credibilidade, quando se sabe, de antemão, que as delações premiadas têm o peso da verdade, em especial se os fatos apontados estejam acompanhados da devida comprovação, posto que ninguém vai suscitar denúncia sobre irregularidade se isso não implicar benefício na redução de pena, o que vale dizer que as delações, em princípio, têm o peso da credibilidade enquanto elas não forem devidamente contestadas com provas sólidas, fortes demolidoras, sob pena de, ao contrário, servir de elementos para benefício na redução de pena do acusador e punição ao acusado que ficar perdendo tempo escrevendo carta desabafo, inútil e ineficiente. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 20 de outubro de 2017

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