domingo, 22 de outubro de 2017

Sublime desprezo ao decoro

De forma nada surpreendente, o Senado Federal decidiu reverter a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, pondo fim ao afastamento parlamentar do senador tucano mineiro, pelo placar de 44 a 26, marcando, mais uma vez, página negra da história de importante instituição da República, diante da demonstração da supremacia do espírito corporativista, que lhe é peculiar, como mostram os fatos do cotidiano, ao evidenciar vexaminosa e deprimente situação de desprezo aos princípios republicano e democrático.
A aludia votação se tornou possível após a maioria dos ministros do Supremo ter decidido que o tribunal não pode afastar parlamentares do mandato por meio de medidas cautelares, sem o aval do Congresso Nacional, e isso transferiu da Corte para o Parlamento o poder de punição a parlamentares criminosos, fato que significa privilegiar ainda mais o sistema da impunidade, uma vez que jamais aquela instituição vai aplicar penalidade a seus integrantes, diante do sentimento de impunidade ali reinante.
Antes da votação, alguns senadores favoráveis e contrários ao parlamentar corrupto se manifestaram, sendo que um deles disse que “(...) Com todo respeito a ele (ao tucano), estou longe de aceitar sua procuração ou sua causa. Não estou nesta tribuna anunciando voto em razão do que envolve o senador. Voto em favor da Constituição. Ministro do Supremo não é legislador, não é poder constituinte. Quem escreve a Constituição é quem tem mandato popular”.
Já outro senador criticou o que classificou de “impasse” surgido a partir do instituto do foro privilegiado, tendo afirmado que “A decisão do Supremo Tribunal Federal, corroborada pelo Senado, vem na contramão da aspiração dos brasileiros, que é de eliminar os privilégios. Nós estamos alimentando-os. Não votamos contra o senador, votamos em respeito à independência dos Poderes, em respeito a quem compete a última palavra em matéria de aplicação e interpretação da Constituição, que é o Supremo Tribunal Federal”.
Um senador disse que “(...) Não há que se falar em impunidade. Isso até é um desrespeito à Suprema Corte. Os ministros do STF vão, a partir dos autos do processo, se isso virar um processo, porque estamos na fase de inquérito, absolver ou condená-lo, de acordo com as provas que tiver nos autos desse processo”.
O tucano afirmou que “A decisão restabeleceu princípios essenciais de um Estado Democrático, garantindo tanto a plenitude da representação popular, como o devido processo legal, assegurando ao senador a oportunidade de apresentar sua defesa e comprovar cabalmente na Justiça sua inocência.”, tendo dito que recebe a notícia com “serenidade” e que ela o permitirá retomar ao mandato “conferido pelo voto de mais 7 milhões de mineiros”.
Enquanto alguns comemoravam discretamente a vitória do senador corrupto, parlamentares da oposição, que votaram pela manutenção das medidas cautelares, criticaram com dureza a decisão do Senado, como no caso de um senador, que disse que a decisão “amplia a falta de credibilidade no Congresso Nacional”.
Outro senador afirmou que a decisão demonstra que o Poder Judiciário não é independente e repassou ao Senado a prerrogativa de “julgar e interpretar a Constituição. O corporativismo instalado estabelece como regra a defesa dos seus integrantes, e não a defesa da instituição. Estamos na contramão do que deseja a sociedade brasileira. Pega mal para a instituição (Senado), que foi condenada hoje. Na defesa de um de seus integrantes, a maioria condenou a instituição. Há um desgaste inevitável”.
Como se sabe, o tucano havia sido afastado do mandato, entre outras medidas cautelares, por determinação do Supremo, no inquérito em que ele foi denunciado por corrupção passiva e obstrução de Justiça, com base nas delações premiadas dos donos da empresa J&F, sob a suspeita do recebimento do valor de R$ 2 milhões em propina, conforme gravação sob controle da Polícia Federal, em conversas suspeitas.
Em compensação pelo dinheiro sujo, o senador mineiro teria oferecido sua influência política para a escolha de um diretor da mineradora Vale, embora tudo isso é negado por ele, que afirma que a quantia em causa se refere a empréstimo particular, cuja parte do dinheiro foi transportada em mala, completamente diferente de transação financeira regular, que normalmente se efetiva pela via bancária, por meio de conta corrente, tendo por base contrato regular.
Com certeza, nem nas republiquetas uma casa do Parlamento chegaria a situação de tamanha vileza, ao restabelecer o mandato de senador indiscutivelmente envolvido com a prática de corrupção, conforme as lamentáveis cenas gravadas de áudios e vídeos mostrando negociatas e mala de dinheiro sujo, fatos que caracterizam inapelavelmente quebra do decoro parlamentar, que é crime grave incompatível com o exercício de cargo público eletivo, notadamente da relevância de senador da República.
Os senadores que votaram pelo retorno do tucano corrupto às atividades legislativas deram prova suficiente e cabal da sua cumplicidade com o crime de corrupção praticado por ele, o que não chega a ser nenhuma novidade no Senado, onde pelo menos 19 senadores respondem a processos na Lava-Jato, igualmente pela suspeita da prática de recebimento de dinheiro sujo, sob a forma de caixa 2, os quais, invariavelmente, votaram pelo retorno do senador mineiro às atividades legislativas.
Resta aos brasileiros cumprirem a sua obrigação patriótica e cívica de não votar nessa classe política que se profissionalizou na vida pública, de modo que ela seja eliminada para sempre da situação de representantes do povo, como forma de lição cívica que precisa ser dada àqueles que não respeitam os princípios da ética, da moral, do decoro, da dignidade, da honestidade, entre outros que devem ser rigorosamente observados nas atividades políticas.
A verdade é que os senadores, que são representantes do povo, deram às costas para a sublime vontade popular, que era de mostrar ao senador corrupto que ele precisava ficar afastado do cargo, mesmo que ainda não tenha sido julgado pela Justiça, como forma de conscientização de que as atividades legislativas não se harmonizam com o ato de indignidade por ele protagonizado, conforme os fatos maléficos e indignos reiteradamente mostrados pelos meios de comunicação.
Se o senador tucano mineiro tivesse o mínimo de sensatez e sensibilidade morais, é evidente que ele teria, há muito tempo, reconhecido seu grave erro e renunciado ao relevante cargo de senador, que certamente atenderia aos princípios do bom senso e da dignidade que precisam estar presentes na índole dos homens públicos honestos, em respeito aos sublimes conceitos de honradez e dignidade ínsitos dos eleitores, que os elegeram com o melhor dos propósitos de que eles fossem apenas fiéis defensores do interesse público. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 22 de outubro de 2017

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