segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O bullying é evitável?

O adolescente que atirou e matou dois colegas e feriu outros quatro, em uma sala de aula em Goiânia, disse, em depoimento à Polícia Militar, que se inspirou nos tiroteios de Columbine, nos Estados Unidos da América, e de Realengo, no Rio de Janeiro, para agir de forma irracional, à vista do resultado da sua atitude impensada.
O lamentável episódio teria acontecido em razão de bullying no ambiente escolar e isso chama atenção por ser situação muito peculiar entre adolescentes, fato que precisa ser objeto de maior preocupação por parte de pais, educadores, escolas e governos, como forma de se encontrar maneira mais adequada de estudos e tratamento dessa questão, de modo a se evitar novas tragédias.
De acordo com o delegado que apura o caso, “O adolescente agiu motivado pelo bullying que sofria de outro adolescente. Segundo informação do próprio, ele se inspirou em duas tragédias. Uma que aconteceu (em 1999) nos Estados Unidos, no colégio Columbine, e outra (em 2011) no Realengo, no Brasil. Dessa inspiração fez nascer a ideia nele. Depois, motivado por esse bullying que sofria por parte de um de seus colegas, ele resolveu executar e matar pessoas”.
O delegado disse à imprensa que o adolescente não relatou já ter sido feita alguma reclamação à escola sobre os ataques que estava sofrendo. Funcionários do colégio também afirmaram à polícia que não havia registro de bullying em relação ao jovem que cometeu os crimes.
Trata-se de fato emblemático envolvendo adolescente, que é filho de policiais militares e usou a arma da mãe: uma pistola calibre .40 para praticar os crimes. O pai do garoto declarou que a arma ficava “escondida” em móvel da casa e o garoto teria visto um dos pais guardando-a.
O adolescente disse que “começou a pensar em atirar contra os colegas há cerca de dois ou três meses, quando começou a se inteirar” do assunto e isso demonstra que houve planejamento sobre o desfecho trágico.
Uma psicóloga que trabalha com adolescentes disse que o caso reclama por atenção: "A começar por como o bullying é tratado por nós. Essa é uma questão de todos que participam da vida de uma criança ou de um adolescente e deve ser conversada e exposta com exaustão dentro das escola e famílias. É importante que saibamos: quando uma tragédia como essa acontece, é quase sempre um gatilho, um sintoma de algo que já estava inflamado há algum tempo.".
A psicóloga questiona se, "Ao que sabemos, não foi por impulso, houve tempo de pensar, de se decidir como agir. Me pergunto se o bullying que o garoto sofria nunca foi observado dentro da sala de aula por alunos e professores? Me pergunto ainda se os pais desse rapaz não notaram que ele poderia estar em sofrimento pelo que passava na escola?".
A psicóloga vai além e indaga: "Por que somente paramos para pensar em bullying quando ele chega nessas dimensões?! Bullying é diário e é tão antigo quanto às escolas. Devemos nos comprometer a ouvir nossos filhos, devemos exigir que as escolas ou quaisquer instituições onde eles estão façam o mesmo. Conversa é fundamental, cria vínculos e evita 'guardar feridas'".
Por fim, o delegado fala sobre o acesso à arma usada, ao mencionar que "Tudo fica mais delicado quando pensamos nisso. Para além da raiva do menino, que se achou acima da lei e entendeu que podia matar, existe uma arma de fogo na história, uma arma da qual ele não deveria ter tido acesso.".
Uma das vítimas fatais era o principal autor das chacotas que motivaram o adolescente a cometer o crime e segundo o delegado: “Ele resolveu executar e matar pessoas. Primeiro esse colega, desafeto dele, e em seguida, ficou com vontade de matar mais. Isso no momento da execução. Ele inclusive se prontificou e falou para todo mundo ‘vocês vão todos morrer’”.
É evidente que ainda é prematuro se fazer juízo de valor quanto à culpabilidade, responsabilidade, dos pais do menor causador desse horroroso e trágico acontecimento, mas a existência da arma na residência deles, mesmo que ela estivesse escondida, não parece justificar, desde logo, inculpabilidade deles, eis que isso não foi suficiente para que o garoto a encontrasse e o pior pronta e em condições de uso para a letalidade, diante da boa quantidade de munição junto com ela, fato que comprova total negligência dos país que, na condição de militares, poderiam ter guardado a arma em lugar diferente de onde deveriam ficar as munições.
É possível que esse fato possa contribuir para que os pais sejam indiciados por prática de crime culposo, pelo fato de terem guardado a arma e as munições, na sua residência, mesmo que em alegado local escondido, mas em plenas condições de uso e de causar a tragédia, que poderia ter sido evitada se as munições também estivessem escondidas, porém em local diferente, separado, da arma, o que teriam impedidos os disparos, diante da falta de munições.
Não há a menor dúvida de que está mais do que provado de que bullying é provocação fora dos hábitos humanos de relacionamento e a sua forma costumeira e reiterada pode levar a situações extremas, porque ela pode se transformar em tortura psicológica e é preciso que quem a pratica deve ter consciência dos riscos de se expor ao limite humano ou às consequências inesperadas e até trágicas.
É muito difícil se compreender o sentimento do ser humano, porque ele tem limite, por mais tolerância que se possa alcançar e ainda pelo fato de que dificilmente alguém consegue se colocar no lugar do outro, por mais que se possa imaginar que se trate de "brincadeira" boba e até normal, quando é sabido que as pessoas não são iguais e a tolerância tem limite, diante das pressões psicológicas.
É preciso que as pessoas compreendam que o bullying não pode ser confundida com simples brincadeira, porque ele é diferente disso, por ser recorrente, repetitivo, duradouro, humilhante e incômodo, fato este que precisa ser objeto de cuidados e atenção onde ele esteja acontecendo, porque não faz sentido que alguém possa se beneficiar e se divertir por algo que incomoda outrem, que se sente sobretudo desrespeitada, por ter menosprezado seu direito de individualidade e de liberdade como ser humano.
Não faz o menor sentido que, em escolas e ambientes de trabalho, ainda se permitam fazer vista grossa às brincadeiras que têm por propósito a falta de respeito à individualidade das pessoas, mesmo que elas sejam apenas sem a intenção de ofender, mas a sociedade precisa atentar para os limites da convivência e das relações humanas.
É preciso que os pais de adolescentes - idade normalmente da desconcentração e da imaturidade, que tem muito a ver com a gozação e as piadinhas próprias desse momento da vida - se interessem em acompanhar e discutir as relações de seus filhos com os amigos, podendo se discutir, em especial, situações de bullying, de modo a suscitarem possíveis orientações com vistas a serem evitadas tragédias irreparáveis como essa de Goiânia.
Certamente que poderiam ter sido evitadas e poupadas importantes vidas se tivessem havido conversas com orientação e esclarecimentos sobre a questão, no sentido de convencimento às partes sobre os transtornos causados por essa situação de bullying, mostrando que a sua disseminação somente contribui para infernizar, de forma graciosa, a vida da pessoa incomodada.
O país precisa criar mecanismos apropriados ao combate ao bullying, principalmente nas escolas, onde há maior incidência dessa desgraça, de modo que os alunos possam ser mais esclarecidos e contribuam para acabar com algo que tem sido bastante pernicioso às relações humanas, em tensa idade, que, ao contrário, se engrandecem quando há compreensão sobre os defeitos das pessoas.
Já não é de agora que o bullying constitui questão que enseja cuidados especiais, notadamente com a sua incidência no âmbito das escolas públicas e privadas, porque ele se expande com maior facilidade entre os adolescentes, que nem sempre estão preocupados com a situação daquele que tem sido alvo do incômodo, embora este nem sempre tem estrutura suficiente para suportar enorme pressão a perturbar seus neurônios, que podem entrar em choque com a realidade e causar inevitável tragédia, como essa ocorrida em Goiânia.
Convém que os governos, nas três esferas da administração, se esforcem para que as escolas tenham atividades periódicas e constantes, capazes de discutir entre profissionais da educação, pais e alunos fórmulas destinadas à abordagem desse importante tema do bullying, em auditório, salas de aula, encontros e sempre que possível e houver oportunidade para tanto, com vistas a se discutir medidas que possam contribuir para manter viva a questão que envolvem, em especial, sentimentos humanos de respeito recíproco entre as pessoas, que merecem o máximo da sua privacidade como ser humano. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 23 de outubro de 2017

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