O adolescente que atirou e matou dois colegas e
feriu outros quatro, em uma sala de aula em Goiânia, disse, em depoimento à Polícia
Militar, que se inspirou nos tiroteios de Columbine, nos Estados Unidos da
América, e de Realengo, no Rio de Janeiro, para agir de forma irracional, à vista
do resultado da sua atitude impensada.
O lamentável episódio teria acontecido em razão de
bullying no ambiente escolar e isso chama atenção por ser situação muito
peculiar entre adolescentes, fato que precisa ser objeto de maior preocupação por
parte de pais, educadores, escolas e governos, como forma de se encontrar maneira
mais adequada de estudos e tratamento dessa questão, de modo a se evitar novas
tragédias.
De acordo com o delegado que apura o caso, “O adolescente agiu motivado pelo bullying
que sofria de outro adolescente. Segundo informação do próprio, ele se inspirou
em duas tragédias. Uma que aconteceu (em 1999) nos Estados Unidos, no colégio
Columbine, e outra (em 2011) no Realengo, no Brasil. Dessa inspiração fez
nascer a ideia nele. Depois, motivado por esse bullying que sofria por parte de
um de seus colegas, ele resolveu executar e matar pessoas”.
O delegado disse à imprensa que o adolescente não
relatou já ter sido feita alguma reclamação à escola sobre os ataques que
estava sofrendo. Funcionários do colégio também afirmaram à polícia que não
havia registro de bullying em relação ao jovem que cometeu os crimes.
Trata-se de fato emblemático envolvendo adolescente,
que é filho de policiais militares e usou a arma da mãe: uma pistola calibre .40
para praticar os crimes. O pai do garoto declarou que a arma ficava “escondida”
em móvel da casa e o garoto teria visto um dos pais guardando-a.
O adolescente disse que “começou a pensar em atirar contra os colegas há cerca de dois ou três
meses, quando começou a se inteirar” do assunto e isso demonstra que houve
planejamento sobre o desfecho trágico.
Uma psicóloga que trabalha com adolescentes disse
que o caso reclama por atenção: "A
começar por como o bullying é tratado por nós. Essa é uma questão de todos que
participam da vida de uma criança ou de um adolescente e deve ser conversada e
exposta com exaustão dentro das escola e famílias. É importante que saibamos:
quando uma tragédia como essa acontece, é quase sempre um gatilho, um sintoma
de algo que já estava inflamado há algum tempo.".
A psicóloga questiona se, "Ao que sabemos, não foi por impulso, houve
tempo de pensar, de se decidir como agir. Me pergunto se o bullying que o
garoto sofria nunca foi observado dentro da sala de aula por alunos e
professores? Me pergunto ainda se os pais desse rapaz não notaram que ele
poderia estar em sofrimento pelo que passava na escola?".
A psicóloga vai além e indaga: "Por que somente paramos para pensar em
bullying quando ele chega nessas dimensões?! Bullying é diário e é tão antigo
quanto às escolas. Devemos nos comprometer a ouvir nossos filhos, devemos
exigir que as escolas ou quaisquer instituições onde eles estão façam o mesmo.
Conversa é fundamental, cria vínculos e evita 'guardar feridas'".
Por fim, o delegado fala sobre o acesso à arma
usada, ao mencionar que "Tudo fica
mais delicado quando pensamos nisso. Para além da raiva do menino, que se achou
acima da lei e entendeu que podia matar, existe uma arma de fogo na história,
uma arma da qual ele não deveria ter tido acesso.".
Uma das vítimas fatais era o principal autor das
chacotas que motivaram o adolescente a cometer o crime e segundo o delegado: “Ele resolveu executar e matar pessoas.
Primeiro esse colega, desafeto dele, e em seguida, ficou com vontade de matar
mais. Isso no momento da execução. Ele inclusive se prontificou e falou para
todo mundo ‘vocês vão todos morrer’”.
É
evidente que ainda é prematuro se fazer juízo de valor quanto à culpabilidade, responsabilidade,
dos pais do menor causador desse horroroso e trágico acontecimento, mas a
existência da arma na residência deles, mesmo que ela estivesse escondida, não
parece justificar, desde logo, inculpabilidade deles, eis que isso não foi
suficiente para que o garoto a encontrasse e o pior pronta e em condições de
uso para a letalidade, diante da boa quantidade de munição junto com ela, fato
que comprova total negligência dos país que, na condição de militares, poderiam
ter guardado a arma em lugar diferente de onde deveriam ficar as munições.
É
possível que esse fato possa contribuir para que os pais sejam indiciados por
prática de crime culposo, pelo fato de terem guardado a arma e as munições, na
sua residência, mesmo que em alegado local escondido, mas em plenas condições
de uso e de causar a tragédia, que poderia ter sido evitada se as munições
também estivessem escondidas, porém em local diferente, separado, da arma, o
que teriam impedidos os disparos, diante da falta de munições.
Não
há a menor dúvida de que está mais do que provado de que bullying é provocação fora
dos hábitos humanos de relacionamento e a sua forma costumeira e reiterada pode
levar a situações extremas, porque ela pode se transformar em tortura psicológica
e é preciso que quem a pratica deve ter consciência dos riscos de se expor ao
limite humano ou às consequências inesperadas e até trágicas.
É
muito difícil se compreender o sentimento do ser humano, porque ele tem limite,
por mais tolerância que se possa alcançar e ainda pelo fato de que dificilmente
alguém consegue se colocar no lugar do outro, por mais que se possa imaginar
que se trate de "brincadeira" boba e até normal, quando é sabido que
as pessoas não são iguais e a tolerância tem limite, diante das pressões
psicológicas.
É
preciso que as pessoas compreendam que o bullying não pode ser confundida com
simples brincadeira, porque ele é diferente disso, por ser recorrente,
repetitivo, duradouro, humilhante e incômodo, fato este que precisa ser objeto
de cuidados e atenção onde ele esteja acontecendo, porque não faz sentido que
alguém possa se beneficiar e se divertir por algo que incomoda outrem, que se sente
sobretudo desrespeitada, por ter menosprezado seu direito de individualidade e
de liberdade como ser humano.
Não
faz o menor sentido que, em escolas e ambientes de trabalho, ainda se permitam fazer
vista grossa às brincadeiras que têm por propósito a falta de respeito à
individualidade das pessoas, mesmo que elas sejam apenas sem a intenção de
ofender, mas a sociedade precisa atentar para os limites da convivência e das
relações humanas.
É preciso que os pais de adolescentes - idade
normalmente da desconcentração e da imaturidade, que tem muito a ver com a
gozação e as piadinhas próprias desse momento da vida - se interessem em
acompanhar e discutir as relações de seus filhos com os amigos, podendo se
discutir, em especial, situações de bullying, de modo a suscitarem possíveis
orientações com vistas a serem evitadas tragédias irreparáveis como essa de
Goiânia.
Certamente que poderiam ter sido evitadas e
poupadas importantes vidas se tivessem havido conversas com orientação e
esclarecimentos sobre a questão, no sentido de convencimento às partes sobre os
transtornos causados por essa situação de bullying, mostrando que a sua disseminação
somente contribui para infernizar, de forma graciosa, a vida da pessoa
incomodada.
O país precisa criar mecanismos apropriados ao combate
ao bullying, principalmente nas escolas, onde há maior incidência dessa
desgraça, de modo que os alunos possam ser mais esclarecidos e contribuam para
acabar com algo que tem sido bastante pernicioso às relações humanas, em tensa
idade, que, ao contrário, se engrandecem quando há compreensão sobre os
defeitos das pessoas.
Já não é de agora que o bullying constitui questão
que enseja cuidados especiais, notadamente com a sua incidência no âmbito das
escolas públicas e privadas, porque ele se expande com maior facilidade entre
os adolescentes, que nem sempre estão preocupados com a situação daquele que
tem sido alvo do incômodo, embora este nem sempre tem estrutura suficiente para
suportar enorme pressão a perturbar seus neurônios, que podem entrar em choque
com a realidade e causar inevitável tragédia, como essa ocorrida em Goiânia.
Convém que os governos, nas três esferas da
administração, se esforcem para que as escolas tenham atividades periódicas e
constantes, capazes de discutir entre profissionais da educação, pais e alunos
fórmulas destinadas à abordagem desse importante tema do bullying, em
auditório, salas de aula, encontros e sempre que possível e houver oportunidade
para tanto, com vistas a se discutir medidas que possam contribuir para manter
viva a questão que envolvem, em especial, sentimentos humanos de respeito
recíproco entre as pessoas, que merecem o máximo da sua privacidade como ser
humano. Acorda,
Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 23 de outubro de 2017
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