Em
momento lamentável para a história do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal
Federal, evidentemente liderado por sua presidente, que foi responsável pelo
voto de Minerva, conseguiu, além de salvar da degola o mandato do senador tucano
mineiro, mandar para o espaço sideral a nuvem negra da anunciada e indesejável crise
institucional com o Congresso Nacional.
Na
forma do disposto no art. 53 da Carta Magna, consta rescrita a imunidade
parlamentar, no sentido de que o deputado ou senador só pode ser preso em caso
de flagrante delito e em se tratando de crime inafiançável, sob a condição de que
os autos devem ser enviados, em 24 horas, ao Senado Federal ou à Câmara dos
Deputados, que vão confirmar ou não a sentença judicial.
Não
obstante, desde 2011, o Código de Processo Penal estabelece, no seu art. 319,
punições alternativas à prisão, em forma de medidas cautelares, como o comparecimento
em juízo, recolhimento noturno, proibição de acesso a locais ligados às
infrações, de contato com pessoas específicas, de viagem, apreensão do
passaporte, fiança, monitoração eletrônica e, em seu inciso VI, a suspensão do
exercício de função pública, como no caso do mandato eletivo.
Com
relação a essas medidas alternativas, os ministros do Supremo sempre
apresentaram divergência entre eles e isso ficou patente na decisão que decidiu
pelo afastamento de parlamentar, com o racha meio a meio do plenário, a favar e
contra.
Diante
disso, coube à presidente do Supremo proferi o voto de desempate, que se
constitui em verdadeira exposição de vacilações e obscuridades raramente vistas
na corte, em termos de contradições e de confusão na interpretação jurídica,
que parece se justificar diante da compreensível sujeição à pressão política, que
poderiam ter sido evitáveis em condições normais e sérias, sem o peso das
negociatas havidas para tanto com o Congresso, de que o Supremo cuidaria de
aliviar a grave situação imposta ao senador tucano mineiro, que se envolveu em
crime de corrupção, mas precisa ser socorrido exatamente por quem jamais
deveria, ou seja, o principal órgão do Poder Judiciário, denotando claro quadro
surrealista no âmbito do Poder Judiciário.
Nem
de longe, parecia que a votação não tinha a preocupação senão de focar o caso do
senador tucano mineiro, que havia sido condenado pela Primeira Turma do Supremo
ao afastamento do mandato, ao recolhimento noturno e à proibição de viajar, no
inquérito da Lava-Jato que apura, entre outros eventos ligados à delação da
J&F, a propina de R$ 2 milhões que ele foi flagrado pedindo ao empresário da
JBS.
De
início, a presidente disse ser favorável à aplicação de todas as punições de
trata o citado art. 319, sem necessidade de autorização do Parlamento, com
exceção do seu inciso VI, que permitiria a suspensão do mandato, em clara
contradição com a decisão adotada, por unanimidade, pelo Supremo justamente
contra o ex-deputado e ex-presidente da Câmara dos Deputados.
De
tergiversação e conversas desconexas, a presidente do Supremo foi cedendo à
pressão de ministros, passando de quem dissera ter concordância com “quase tudo” de restrição para
simplesmente afirmar que o Supremo não pode suspender o mandato parlamentar,
exatamente como queria o Congresso.
Em
demonstração de absoluto desorientação, coube ao ministro decano conciliar as
sutilezas entre as diferentes posições do plenário, com relação à interpretação
do disposto no art. 319, em que pese ele ter sido voto vencido, ao formular a
redação que salvou a pele do senador tucano mineiro, nestes termos: “Apenas no caso da imposição de medida que
dificulte ou impeça, direta ou indiretamente, o exercício regular do mandato, a
decisão judicial dever ser remetida, em 24 horas, à respectiva Casa
Legislativa para deliberação, nos termos do artigo 53, parágrafo 2º, da
Constituição Federal”.
O
certo é que fica assente que o Supremo conseguiu abrir mão das suas autonomia e
prerrogativa de instância maior na decisão de questões constitucionais, o
chamado o direito de “errar por último”, para permitir que isso seja feito pelo
Congresso, em relação às penalidades aplicadas aos parlamentares.
Nessa
linha, o Supremo abriu também enorme avenida para livrar a cara dos políticos
acusados na Lava-Jato, caso eles sejam um dia julgados pela corte, uma vez que,
no caso de condenação deles, a decisão precisa ser convalidada pelo Congresso,
à vista da ampliação da imunidade parlamentar agora concedida com a decisão em
comento.
O
Supremo laborou na ampliação da imunidade garantida pela Constituição aos
parlamentares, por elastecê-la também para a proteção à prática de crimes sob a
jurisdição que era exclusiva da corte, em termos da palavra final, que agora
foi repassada para o Congresso.
A
verdade é que o Supremo pôs pá de cal na sonhada esperança dos brasileiros, por
perceber que a corrupção foi robustecida com essa humilhante decisão de
submissão ao Congresso, ao permitir que os crimes dos congressistas sejam
decididos pelos próprios delinquentes, em clara demonstração de
subdesenvolvimento e de involução jurídicos, tendo por protagonismo a nata dos
juristas do país, que nem se roborizaram diante de situação tão degradante, notadamente
por parte daqueles que votaram pela perda da prerrogativa da corte.
Causa
perplexidade que o decana do Supremo, em palavreado rebuscado, disse exatamente
a verdade sobre o que precisa ser o Supremo, instituição com autonomia e
independência que precisam ser respeitadas, como forma de fortalecimento dos
Poderes da República, mas logo em seguida desmunhecou ao formular exatamente, no
ajuste final da decisão, os termos do acordo anteriormente firmado com o
Congresso, ficando acertado que o Executivo é o poder que manda de forma absoluta,
o Congresso é submisso a ele e Judiciário passa a ser subserviente a este, a
partir de agora.
Na
verdade, o que ficou decidido é que os deputados e senadores ficam liberados
para fazerem tudo, em termos de criminalidade, e se forem punidos eles gozam do
direito de, em caso de punição decidida pelo Poder Judiciário, de votarem a
própria liberdade, porque a decisão judicial somente tem eficácia se porventura
e por milagre o Legislativo concordar com o entendimento da Justiça, o que vale
dizer, que, enfim, a harmonia entre os Poderes Legislativo e Judiciário foi
formalizada em grande estilo, ficando o Parlamento com a palavra final, quando
o entendimento secular sempre foi de que ela era dada pelo Supremo.
Com
sua decisão histórica, o Supremo apenas mostrou que existem duas espécies de
brasileiros: aqueles que estão submetidos aos rigores da lei penal, que podem
ser punidos normalmente, e os outros que estão acima da lei, ficando a salvo da
punição, porque estão oficializados para praticar delinquências livremente, na
certeza de que não vai acontecer absolutamente nada com eles, e assente que a criminalidade
no Congresso tem a conivência na Justiça.
Ou
seja, a conivência do Supremo agora é oficializada e os parlamentares ganham o
direito à bandidagem, considerando que o espírito cooperativista sempre protege
a sua classe, por mais grave que seja a situação delituosa, como no caso do
senador tucano mineiro, que teve seu processo de quebra de decoro arquivado no órgão
que é chamado, pasmem, de Conselho de Ética.
A
decisão do Supremo tem o condão de pavimentar, de forma cristalina, a
impunidade para a classe política, que já até gozava desse privilégio, só de
forma implícita, eis que ela já se beneficiava do foro privilegiado, cujos
processos são da jurisdição do Supremo, que é famoso por simplesmente não
julgar absolutamente ninguém, eis que, por milagre haja algum julgamento, não
vai acontecer nada com o apenado, que será certamente absolvido por decisão do
Congresso, que agora tem a palavra derradeira.
Trata-se
de apenas pomposo ritual para a formalização do que já estava previsto e
acordado entre dois poderes da República, que se harmonizam na falta de
dignidade no descumprimento dos preceitos constitucionais, onde um dos quais,
conforme mostram os fatos, se aprimora no acolhimento de corruptos e o outro se
esmera em proteger e fomentar, em nome da lei, a impunidade, tudo sob os
auspícios da ignorância do povo, que, diante desse quadro dantesco, bate palmas
em regozijo aos arranjos próprios da corrompida República secular. Acorda,
Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 13 de outubro de 2017
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