segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Irresponsabilidade sanável

O Supremo Tribunal Federal decidiu pelo arquivamento de denúncia feita contra o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, em caso que ficou conhecido como a “farra das passagens aéreas”, tendo por base o argumento da famigerada prescrição, em razão da impossibilidade da punição ao denunciado.
A denúncia foi feita pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal, sob o enquadramento do crime de peculato, cuja ação foi encaminhada ao Supremo após a posse do denunciado no cargo de ministro, em condição tal que ele passou a ter foro privilegiado e consequentemente a impunidade, no caso em comento.
A assessoria de imprensa do denunciado esclareceu que o ministro não se manifestaria sobre o caso em epígrafe, o que é normal, já que o processo foi arquivado, em benefício dele.
Consta do processo que a denúncia se refere à utilização indevida, entre os anos de 2007 e 2008, no exercício do mandato de deputado federal, da sua cota de passagens aéreas disponibilizadas pela Câmara dos Deputados, para o exercício da atividade parlamentar, desviando-a em favor de terceiros sem qualquer vínculo com a atividade pública.
Ocorre que não é mais possível a condenação do denunciado por esse grave crime, devido à extinção da punibilidade, ou seja, ocorreu a prescrição justamente porque o Poder Judiciário deixou de julgar a ação, tendo contribuído para beneficiar o ministro criminoso, por ter utilizado passagens aéreas de forma irregular, e obrigado o erário a absorver o prejuízo.
Como a pena máxima para peculato é de 12 anos, a prescrição ocorreria em 16 anos, mas, como o ministro já tem 70 anos, esse tempo diminui pela metade, ou seja, para 8 anos, período de tempo que já foi excedido, considerando que os fatos aconteceram nos anos de 2007 e 2008.
Diante disso, só restava ao Supremo o reconhecimento da extinção da punibilidade do denunciado, em razão da incidência da prescrição, com o consequente arquivamento dos autos, em mais um caso a se lamentar para os cofres públicos e para a contabilização da impunidade envolvendo ilustres integrantes do seleto time de colarinho branco.
A propósito, o ministro tinha alegado na sua defesa que não havia indícios de autoria do investigado, ausência de dolo específico e ausência de proibições da Câmara sobre o tema, ou seja, era mais um daqueles que jura, de mãos juntas, santidade na atividade pública e absoluta inocência, que certamente nem eles acreditam nisso.
É sempre extremamente desagradável e injustificável que ações penais sejam arquivadas no Supremo Tribunal Federal, em razão de prescrição, ou seja, por não terem sido julgadas dentro do prazo legal, como no caso em comento, em que uma denúncia contra um ministro do governo deixa de existir exatamente porque não foi apreciada no decorrer de nove anos.
Isso só comprova a morosidade no exame dos processos sob a jurisdição daquela corte, que a todo instante é obrigada a reconhecer a prescrição de processos sob a sua incumbência constitucional, com incidência justamente entre políticos com foro privilegiado, que simplesmente comemoram o andamento de seus escabrosos processos para o arquivo.
Esse fato apenas confirma o motivo pelo qual os congressistas não querem acabar com a excrescência do foro privilegiado, que beneficia criminosos e prejudica o interesse público, em razão de a infração normalmente se referir a fraude com o desvio de recursos públicos ou outra forma de apropriação indébita, como no caso em comento, em que o prejuízo é automaticamente assumido pelo Tesouro Nacional, ou seja, pelos tolerantes contribuintes.
Diante da reincidência de casos de prescrição de crimes, que obriga o injustificável arquivamento do processo, já passou do tempo de o Supremo adotar alguma forma de providência no sentido de se evitar a incidência de prescrição, que poderia ser tentada por meio da adoção de mutirões no exame dos processos que mereçam prioridade de julgamento.
É absolutamente inconcebível que, em pleno século XXI, com os avanços da modernidade e das conquistas do conhecimento humano, adjutorados com o aprimoramento da ciência e da tecnologia, a Excelsa Corte de Justiça quede-se à sua incapacidade de decidir, em tempo hábil, sobre os processos da sua alçada e o pior é que nada se faz nem se cogita fazer para alterar esse insuportável e inadmissível quadro de extremas precariedade e debilidade administrativas, a expor situação periclitante como essa, como se isso fosse absolutamente normal em um pais da importância do Brasil, que ainda aceita passivamente situação de tamanho degeneração da instituição da importância do Supremo Tribunal Federal, que não se insurge contra indiscutível irresponsabilidade absolutamente evitável. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 9 de outubro de 2017

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