sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Fora do figurino da legalidade

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça acharam por bem transferir o feriado que cai no sábado, que não há expediente nas repartições públicas, para a próxima sexta-feira (3/11), dia normal de expediente.
O diretor-geral do Supremo transferiu o feriado do Dia do Servidor Público, comemorado em 28 de outubro, que cai num sábado, para o dia 3, na próxima sexta-feira, de modo que os servidores possam emendar essa data com o Dia de Finados, no dia 2.
O Supremo aproveita o ensejo para considerar, ao que parece, por pura esperteza, "excepcionalmente o dia 3 de novembro de 2017 (sexta-feira) como ponto facultativo na Secretaria do Tribunal, para comemoração do Dia do Servidor Público".
Diante desse “jeitinho” brasileiro, os servidores da Corte poderão emendar o feriado, usando para isso um dia de folga que acabou caindo num sábado, porém antecipado da comemoração propriamente dita.
Por meio da assessoria de imprensa, o Supremo afirmou ser praxe transferir o Dia do Servidor Público para uma sexta ou uma segunda-feira. Já havia precedente de a data ter caído num fim de semana e o feriado ter sido transferido para um dia de semana.
Diante do ineditismo e da estranha “excepcionalidade” da medida, um ministro do Supremo  endereçou ofício à presidente da Corte, manifestando seu descontentamento, nestes termos: ”Surpreendido com a Portaria nº 183, de 23 do corrente mês, do Diretor-Geral da Secretaria do Tribunal, mediante a qual transfere para o dia útil o relativo à comemoração do Dia do Servidor, a recair, neste ano, num sábado – 28 de outubro -, externo a Vossa Excelência perplexidade, no que alterado o artigo 236 da Lei nº 8.112/90 – “o Dia do Servidor Público será comemorado a vinte e oito de outubro”. Desnecessário seria consignar que a previsão legal terá sido tomada como a revelar feriado, ante o silêncio da Lei nº 10.607/2002. Em última análise imprópria, sob a minha óptica, é a alteração procedida, porquanto vinga, no âmbito da Administração Pública, o princípio da legalidade. Muito embora não se trate de antecipação de feriado, porquanto a transferência o foi para o dia 3 de novembro de 2017, tem-se que a Lei nº 8.087/1990 revogou a de nº 7.320/1985, no que autorizava as antecipações de comemoração de feriados, conduzindo, interpretação teleologicamente, à conclusão de também não ser possível a projeção no tempo.”.
De fato, não tem a menor lógica e muito menos previsão legal essa absurda e abusiva transferência da comemoração de feriado, que tenha caído num fim de semana, para o dia de semana normal, porque isso não tem amparo na lei de regência e não passa de interpretação magnânima mais descabida que se possa imaginar na administração moderna.
Como se vê, trata-se de medida indiscutivelmente estapafúrdia, injustificável e ingênua de se transferir para dia útil a data dedicada à comemoração do Dia do Servidor Público, justamente porque ele recaiu em dia não útil, que se justifica mais ainda que ele seja comemorado exatamente nessa data, que não tem expediente e nada mais justo que isso ocorra na data prevista na lei de regência.
Causa perplexidade que a medida esdrúxula tenha origem exatamente no órgão principal do Poder Judiciário que, além de ter a obrigação de dar o exemplo de segura e correta interpretação sobre a aplicação das leis e da Constituição do país, precisa ser modelo de ações estritamente em harmonia com os princípios de inquestionáveis legalidade e moralidade, porque não faz o menor sentido que, nos casos normais, o dia que seria útil seja transformado, por lei, em dia não útil, exatamente para se possibilitar a comemoração dessa importante classe de servidores públicos, e que, sem amparo legal, ao contrário, seja transformado, por meros oportunismo e conveniência, dia não útil, como desta vez, por ele ter caído em um sábado, a pretexto de ser comemorado no dia 3 de novembro, que seria dia útil, o que mostra claramente a inadequação do ato administrativo em comento.
O mais grave de tudo isso é que um ministro do Supremo ainda fez alerta a presidente do Supremo sobre a inadequação e a aberração do ato dela, como visto acima, mas não se tem notícia de que houve a percepção sobre a gritante falha, absolutamente insustentável, em termos de legalidade, tendo inclusive levado outros órgãos do Judiciário a acompanhá-la.
Convém que a sociedade fique atenta sobre possíveis falhas na interpretação das normas jurídicas e repudie os casos em que ela não se enquadre no figurino da legalidade e da moralidade, a exemplo desse ato espertamente protagonizado pelo principal órgão do Poder Judiciário, que, à toda evidência, é dissonante com o regramento jurídico do país. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 27 de outubro de 2017

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