sábado, 30 de janeiro de 2021

Injustificável insensatez

 

Nem mesmo se importando com a repercussão negativa da sua reação aos comentários sobre os gastos com alimentação do governo, o presidente da República voltou a afirmar que as supostas latas de leite condensado inseridas nas compras de alimentos pelo Executivo, no valor de R$ 15 milhões, são “para enfiar no r... de jornalista".

Anteriormente, o presidente já havia sido eternamente estúpido, ao disparar contra pergunta de jornalista, a seguinte “pérola”: "Vai para p... que o pariu. Imprensa de m.... essa daí. É para enfiar no r... de vocês aí, vocês não, vocês da imprensa essa lata de leite condensado", ou seja, possivelmente pessoa insana nem tivesse condições de tratar a imprensa com tanta indelicadeza, fato esse que só evidencia ausência de racionalidade para o mandatário da grandeza do Brasil.

À toda evidência, a atitude do presidente do país vem se mantendo em absoluta coerência com o seu comportamento de animosidade perante a imprensa, que vem sendo tratada a ferro e fogo, talvez por ele entender que ela mente sobre seu governo e merece ser tratada com bastante desprezo e truculência, mesmo que o assunto se refira à execução de atos relacionados com a despesa pública, de interesse direto da sociedade, à vista dos tributos provindos dela, para a manutenção da máquina pública.       

O que se verifica foi que o presidente decidiu adotar política que tem por base o entendimento segundo o qual o governo não tem obrigação de dar satisfação sobre seus atos, além de achar que é normal tratar a imprensa com dureza e firmeza, ao estilo do palácio, em forma de represália, em razão de parte dela ter adotado linha de ação contrária ao pensamento governamental.

Esse fato, por si só, não justifica a generalização de entendimento, independentemente de que a obrigação do governo é a de tratar a imprensa em geral com o máximo respeito, sob o prisma de que não faz o menor sentido se apelar para se revidar absolutamente nada, porque isso não passa de atitude medíocre, quando o agredido aceita se igualar ao agressor e ambos entram no jogo extremamente prejudicial ao relacionamento civilizado e ao interesse público, que exige o máximo de respeito.

Certamente que os governos sérios, evoluídos e civilizados procurariam tratar a imprensa que os ofendem com a normalidade recomendada em situações que tais, respondendo aos agressores por meio dos canais próprios do governo, com o emprego dos devidos esclarecimentos sobre os fatos noticiados, em forma de denúncia ou outras acusações envolvendo o desempenho do governo, de modo que isso teria o condão de mostrar a regularidade, por parte dele, sobre os casos publicados com alguma suspeita.

Agora, se a situação envolver acusações de irregularidades mais graves, mesmo assim, o governo também não precisaria agredir a imprensa, porque o caminho correto é o de se recorrer à Justiça, para se dirimir as questões pertinentes e a vida do governo e da imprensa continuaria normalmente, cada qual desempenhando o seu importante papel, respectivamente, de administrar os negócios de interesse do povo e de informar à sociedade, de acordo com as suas normais atribuições institucionais.

Não obstante, o governo houve por bem ignorar completamente os comezinhos princípios de civilidade e cidadania, preferindo mostrar ao mundo e aos seus fiéis apoiadores, a virilidade do homem público que não leva desaforo para casa, assim entendido pelo presidente, que tem sido a maneira mais deselegante adotada pelo estadista que poderia se notabilizar por meio de atitude elevada e de engrandecimento do cargo que ocupa, que, ao contrário, cada vez mais vem perdendo a sua significância como aquele que somente deveria dar bons exemplos e ensinamentos de valorização da coisa pública         

Desta feita, o presidente do país agrediu a imprensa sob palmas em palmas, exatamente no dia em que houve o lamentável registro de 220 mil mortes pela Covid-19, o que mostra a triste imagem pessimamente de governo em condolência do comandante-em-chefe perante essa triste realidade vivida dolorosamente por famílias de brasileiros.

Na verdade, o presidente foi eleito tendo por base a promessa de fazer tudo diferente de seus antecederam, porque fazia questão de apontar os erros deles e, sobre isso, convém dar o braço a torcer: realmente ele vem conseguindo demonstrar que é sim muito diferente dos outros, principalmente na irracionalidade quanto a determinados assuntos, que poderiam ser tratados em conformidade com os princípios de civilidade e razoabilidade, a exemplo do relacionamento com a imprensa que não há a menor plausibilidade para ser da maneira como vem sendo, quando não justifica o erro dela para ele agir da mesma forma.

Nada disso importa, porque o presidente, de maneira estratégica, vem conquistando a simpatia de muitos apoiadores exatamente porque ele trata os fatos com dureza e sinceridade, mesmo que isso possa destoar do rito previsto de equilíbrio para o cargo que ocupa, ou seja, tudo tem limite, não para ele, que acredita que está investido de direito divino, sem essa de possibilitar questionamento sobre atos do governo, porque o interlocutor poderá receber a resposta sob coturnadas.

É evidente que a indignação mostrada pelo mandatário contrária não somente os princípios de educação, equilíbrio, civilidade e seriedade para com a coisa pública, mas, em especial com as salutares normas constitucionais de transparência sobre a execução dos orçamentos públicos, em que o governo tem obrigação de prestar contas à sociedade quanto à regularidade das despesas públicas, exatamente na conformidade da indagação em tela.

Essa prestação de contas é simplesmente obrigatória, por força de disposição constitucional, por meio da qual o governo mostra aos contribuintes a compatibilidade dos custos com os benefícios hauridos por meio dos serviços e produtos adquiridos para a satisfação do interesse público, tendo a obrigação de explicar à sociedade, em ambiente de seriedade, serenidade, disciplina e respeito, conforme mandam os princípios constitucional e de civilidade.

Ao contrário disso, o mandatário incorre em cristalino ato de indignidade e brutal repulsa à cartilha que rege a liturgia do cargo de príncipe da República, que tem como base à fidelidade ao respeito e à grandeza do homem público de não se permitir, no caso, ao inevitável apequenamento das suas funções presidenciais.

Preferindo ignorar os bons princípios, o mandatário do país tenta ridicularizar indagação da imprensa, a princípio, sobre ato do seu governo, quando, por mais absurda que ela possa ter sido, no sentido de realmente merecer resposta indelicada, é preciso se atentar, sobretudo, para a relevância do cargo presidencial, que aconselha, nesses casos, que o chefe do Executivo conte até dez e apenas diga que já determinou o levantamento dos fatos e prestará, oportunamente, os devidos esclarecimentos, porque é assim que deve proceder o homem público, que tem a obrigação tanto de prestar contas de seus atos como de ser fonte de bons exemplos para a sociedade, de modo a merecer respeito e admiração do povo, tão carente de lições de urbanidade, dignidade e civilidade, entre outras.

Com o maior respeito a quem possa pensar em contrário, mas os verdadeiros brasileiros, não importando ideologia, fanatismo ou qualquer culto a mitos, precisam repudiar, com veemência, comportamentos incompatíveis com o exercício de cargos públicos eletivos, no sentido de que os seus ocupantes devem atuar com o devido rigor em observância aos princípios que valorizem a dignidade, a racionalidade e a civilidade, entre outros, como forma da disseminação de bons exemplos na vida pública.

Brasília, em 30 de janeiro de 2021

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