segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Título da desonra

            O presidente da  República brasileiro foi eleito “Pessoa Corrupta do Ano” pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), um consórcio internacional que reúne jornalistas investigativos e centros de mídia independente.

O grupo diz, em comunicado, que o mandatário brasileiro “venceu por pouco” o chefe da Casa Branca e o líder da Turquia, devido a seu suposto papel na promoção do crime organizado e da corrupção.

O OCCRP afirma que “Eleito após o escândalo da Lava Jato como candidato anticorrupção, Bolsonaro se cercou de figuras corruptas, usou propaganda para promover sua agenda populista, minou o sistema de justiça e travou uma guerra destrutiva contra a região da Amazônia que enriqueceu alguns dos piores proprietários de terras do país”.

O consórcio destaca a denúncia contra o senador filho do presidente, no caso das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando ele era deputado estadual.

Além disso, ressalta as investigações contra o vereador filho do presidente, também por um suposto esquema de repartição de salários de assessores, o dinheiro depositado por um assessor e a esposa dele, na conta bancária da primeira-dama e as acusações contra o próprio presidente.

O editor do OCCRP disse que “A família de Bolsonaro e seu círculo íntimo parecem estar envolvidos em uma conspiração criminosa em andamento e têm sido regularmente acusados de roubar do povo”.

O diretor do Arab Reporters for Investigative Journalism e um dos jurados do prêmio afirmou que “A destruição contínua da Amazônia está ocorrendo por causa de escolhas políticas corruptas feitas por Bolsonaro. Ele encorajou e alimentou os incêndios devastadores”.

Vejam-se que o presidente do país nunca escondeu de ninguém que vem atuando ativamente em defesa de seus filhos, tendo levado cada caso em que eles estão sendo investigados para acompanhamento na agenda presidencial e há ainda notícia de que até órgãos do Palácio do Planalto os ajudaram, em forma de interferência por meio de emissão de pareceres técnicos.

Quem não se lembra, a propósito, do célebre momento de reunião presidencial em que o mandatário demonstrou ter entrado em rota de colisão com o ex-ministro da Justiça, exatamente porque ele entendeu que precisava mudar a cúpula da Polícia Federal, para proteger sua família?

Nesse evento, o presidente disse que queria a troca na Polícia Federal do Rio de Janeiro, porque não iria esperar que a família dele fosse prejudicada, em clara alusão aos seus filhos investigados por suspeita da prática de atos irregulares.

A ameaça foi tão evidente que o presidente declarou que, se não houvesse essa mudança, ele trocaria o diretor-geral da Polícia Federal e o próprio ministro da Justiça.

Tudo o que o presidente ameaçou fazer na reunião, de fato aconteceu dias depois, tendo exonerado o diretor-geral da Polícia Federal, cujo ato resultou no pedido de exoneração do ministro da Justiça.

O outro caso emblemático diz com as incontroláveis queimadas da Amazônia, onde o fogo arde insistentemente e de dimensão incrível, inclusive havendo informações de recorde de áreas transformadas em cinzas, mas o governo se mantém apenas bastante atento a justificar o injustificável, quando o seu dever constitucional e legal é o de agir e com pulso forte, para reverter urgentemente essa situação de tristeza, omissão, incompetência e irresponsabilidade perante a humanidade.

Todo esse cenário relatado só contribui para alimentar e consolidar a posição do grupo que concedeu o desonroso título em causa ao presidente brasileiro.   

Enquanto isso, digo que, se eu fosse membro desse grupo, a minha principal contribuição para justificar o título em comento teria sido o fato de o presidente brasileiro ter formado aliança com o grupo político denominado Centrão, tanto pela reputação nada elegante dele, com notórios envolvimentos em casos de investigações sobre corrupção com recursos públicos, como pela liberação de emendas parlamentares e nomeações para cargos públicos, a título compensatório, de pessoas ligadas a esse grupo de fama nada republicana, que são fatos que caracterizam o desvio da dignidade exigida para o exercício de mandatário do país.

À toda evidência, tais procedimentos envolvem o uso indevido de recursos públicos para cooptar a consciência de inescrupulosos parlamentares, no sentido de prestar apoio aos projetos do governo e mais especificamente do próprio presidente, no que diz com a possível abertura de processo de impeachment contra ele e isso não é novidade para ninguém, mas tem o condão de tanger o princípio da moralidade para bem longe do Palácio do Planalto, onde somente pudesse inalar o perfume da dignidade na gestão dos interesses dos brasileiros.

Em tese, diante disso, o presidente brasileiro mereceria dois títulos de “Pessoa Corrupta do Ano”, o que já foi anunciado pelo citado grupo e o outro por sua indiscutível desmoralização a partir da vexaminosa aliança com o indigno Centrão, porque, neste caso, são inegáveis os atos de corrução envolvendo desvio de recursos públicos, para a compra de parlamentares para servirem de biombo contra o possível processo de afastamento do presidente do cargo, ou seja, não fosse o temor dessa medida, ele não se atreveria de se lambuzar com os suspeitos políticos do Centrão, que são tratados como autênticos fisiologistas da pior espécie, que conseguem, mesmo assim, não somente ter livre acesso ao palácio presidencial, mas também fazer parte da bancado do governo, no Congresso Nacional.

À toda evidência, a definição clássica de corrupção não é somente a que se referem aos atos de irregularidades envolvendo recursos públicos, porquanto há outras maneiras muito graves de desvio de finalidade na administração pública, como os casos eleitos pelos organizadores do título notoriamente depreciativo concedido ao mandatário, sob a alegação de que ele teria se cercado de amigos corruptos, para a promoção da propaganda populista, ou seja, o presidente teria aproveitado a influência do cargo para tirar proveito pessoal.

Por certo, o presidente “laureado” não vai se conformar facilmente com a homenagem que tem como representatividade algo apenas espetaculoso, em forma muito mais a título sarcástico, mas não resta a menor dúvida de que o fato em si é bastante deplorável, porque a repercussão envolve a imagem do Brasil, que não merece ser comandado por quem é eleito “Pessoa Corrupta do Ano”, mesmo que os fatos objeto de fundamento para a declaração do desonroso prêmio careçam de convalidação e comprovação, no sentido de autenticação sobre a sua veracidade.

A bem da verdade, teria sido bem melhor para a imagem do Brasil que nada disso tivesse acontecido, diante da indiscutível repercussão negativa oferecida pela notícia em si, quanto à opinião internacional, que presume como sendo tudo verdadeiro e que o país é comandado por pessoa corrupta, assim reconhecida por entidade da imprensa internacional, independentemente se os fatos são ou não verdadeiros e dignos de reconhecimento.

Na verdade, os brasileiros honrados, que defendem a moralidade como princípio essencial na administração pública, não se conformam que o presidente do Brasil possa se envolver em critério de avaliação que resulte na indignidade tanto da sua imagem como a do país, que, repita-se, não merece passar por situação vexatória dessa natureza, cujos fatos motivadores do prêmio até podem nem ter o peso para justificá-lo, mas todos eles são objeto de permanente discussão na mídia e isso não é nada bom para o conceito nem do presidente e muito menos do Brasil.  

         Brasília, em 4 de janeiro de 2021

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