sexta-feira, 24 de junho de 2022

Equidistância às questões eleitorais?

        Um texto que circula nas redes sociais diz que o general representante das Forças Armadas entrou na reunião do Tribunal Superior Eleitoral mudo e saiu calado, tendo concluído que ele teria tido boas razões para isso.

O texto esclarece que o Serviço Cibernético das Forças Armadas quer se reunir com quem tem poder decisório, justamente para discutirem problemas que precisam ser solucionados antes das eleições, segundo entende assim a competência da área militar.

Segundo o texto, há um dispositivo, identificado na simulação exposta para os participantes externos do TSE, que tem capacidade para tirar votos de candidato e desviá-los para outro candidato, além de aproveitar votos nulos ou brancos em votos válidos a serem atribuídos a quem o programa indicar, de modo que essa aberração pode contribuir, de maneira decisiva, para eleger quem o TSE quiser, sem que seja possível a comprovação da fraude, que é algo realmente estarrecedor.

Esse absurdo, no entendimento das Forças Armadas, precisa ser eliminado antes do próximo pleito eleitoral, mas o órgão competente resiste e está absolutamente irredutível para mudanças, talvez na presunção da sua efetiva utilidade, no caso de possível necessidade de manipulação dos resultados das urnas, segundo pensamento dos militares, na forma indicada acima.

O texto fala em pressão gigantesca da sociedade, que deverá ocorrer no próximo dia 7 de setembro, quando a população poderá se manifestar acerca desse dispositivo espécie “chupa-cabra” de votos, que precisa ser eliminado do sistema de votos, antes dessa data, para se evitar conflito de proporções gigantescas, de cunho histórico.

Com esse propósito, cita-se inclusive o dispositivo de que trata o art. 142 da Constituição, que sinaliza para a possibilidade de intervenção militar, evidentemente no Tribunal Superior Eleitoral, cujo ato poderia ensejar eventual adiamento das eleições de outubro vindouro, em face da necessidade da reorganização do sistema eleitoral brasileiro, nos moldes pretendidos pelo governo, que insiste, mesmo sem provas, na ideia da existência urnas fraudáveis.

Na realidade, o texto versa sobre caso extremamente bombástico, sob tom ameaçador quanto ao futuro político do Brasil, embora ele tenha sido completamente incapaz de apontar um caso sequer de fraude da urna eletrônica.

          Na minha modesta avaliação, tenho como certo que essa questão já se transformou em animada queda de braço entre o TSE e as Forças Armadas, incentivadas pelo presidente da República, que parece mais próxima de briga entre gatos e ratos, sem se permitir chegar a lugar algum.

O certo é que o cerne da questão é bastante claro, à medida que, na forma constitucional, somente quem tem competência institucional para cuidar do processo eleitoral é o TSE, pouco importa se o sistema em si seja questionável, ante a existência de imensuráveis problemas conjunturais, em termos operacionais, em especial na operalização das urnas eletrônicas e daí?

De nada adianta alguém ou as Forças Armadas estrebucharem, fazendo birras e tentando se passarem por injustiçadas ou algo que valha, inclusive mandando recados e até ameaças, com já o fez o nobre general e seus comandantes, inclusive por meio de ofícios, mostrando formas de insatisfação acerca do status quo, e daí?

Nadas disso conseguirá mover nenhuma pena do centro desse imbróglio, em forma de sensibilização para a aceitação de mudanças de absolutamente nada do que se aponta de efetivamente errado no sistema eleitoral, como de fato está na cara e daí?

Será que ninguém entende que é exatamente esse o jogo de provocação pretendido pela cúpula do TSE, no sentido de que o governo não suporte as indiferenças e resistências daquele órgão e decida cometer a tão propalada loucura golpista, na forma que bem entender, precisamente nos moldes descritos por especialistas do assunto, dizendo que o silêncio de um general seria forma de claro sinal de que a tolerância dos militares tem limite e daí?

O TSE tem a seu lado a cômoda e segura competência respaldada pelo art. 118 da Constituição e somente renuncia a ela se quiser e achar conveniente para ele, obviamente por sua espontânea anuência, que, nas circunstâncias, à vista da prevalência político-ideológica que permeia a direção do órgão, dificilmente isso será possível ser modificado, uma vez que o propósito é justamente a construção do clima de tensão já atingido entre o governo e aquele órgão e daí?

À toda evidência, o TSE já demonstrou, desde longa data, que deseja o maior desgaste possível do governo, para mostrar, em especial, nesse particular, a clara incompetência  do Executivo e daí?

Essa assertiva se comprova porque o governo mostrou capacidade para identificar falhas no sistema eleitoral brasileiro, conforme a descrição acima, mas foi extremamente infeliz em tentar corrigi-las pelo pior caminho possível, qual seja, na base do grito, com o uso da autoridade, com a tentativa de mostrar a força do poder, por meio das Forças Armadas, que, nas circunstâncias, vêm apenas se desgastando e se humilhando em vão e de forma penosa e desnecessária.

O certo é que às Forças Armadas falece qualquer competência constitucional para se imiscuir em assuntos eleitorais, que são completamente estranhos às atribuições insculpidas no art. 142 da Carta Magna, que são mais especificamente quanto “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”.

Ou seja, o aludido dispositivo não menciona poderes das Forças Armadas para a possibilidade da sua incursão em nada que diga respeito ao sistema eleitoral brasileiro, o que vale dizer que a sua “forçação de barra”, como se diz no popular, somente tem o condão de desprestigiar a sua grandeza como instituição que tem sido brava defensor, de forma intransigente, dos salutares princípios da constitucionalidade e da segurança jurídica.    

Caso se pretenda realmente a abrangência das atribuições das Forças Armadas, para também tratarem legitimamente do sistema eleitoral, como parece ser o caso, visivelmente de maneira casuística e atabalhoada, diante da visível falta de amparo legal, apenas com clara intenção oportunista e eleitoreira, isso somente será possível com a aprovação de medida constitucional pertinente.

É preciso que se escreva com clareza, na Constituição, dizendo que as Forças Armadas, em conjunto com o TSE, terão competência para tratar dos assuntos referentes à manutenção e ao aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro, compreendendo, em especial, a operalização das urnas eletrônicas e a apuração das eleições.

Dito isso, fica patente ser risível a mendicância de general implorando para ser ouvido onde a sua competência é absolutamente inexistente, nula de pleno direito, o que só demonstra falta de consciência sobre as competências das instituições republicanas, inclusive de se entender que convite para participar de comissão do TSE não significa autonomia de nada, em forma de competência para as Forças Armadas se acharem no direito de alterar o que elas bem quiserem e daí?

Ou seja, uma coisa é ser convidado para participar de comissão, tudo bem, mas isso não convalida competência senão apenas para marcar presença, sem direito a modificar absolutamente nada, repita-se, por falta de amparo legal, porque o TSE certamente não vai ceder um milímetro da sua competência constitucional e daí?

O certo mesmo é que o governo não precisaria passar por tamanho vexame nem se submeter ao ridículo de se humilhar e se arrastar às portas do TSE, para tentar aperfeiçoar o sistema eleitoral brasileiro, porque isso ele não tem interesse, conquanto o sistema atual satisfaça plenamente seus verdadeiros propósitos, que seriam evidentemente alterados com a aceitação de sugestões.

Caso o governo tivesse o mínimo de sensibilidade e consciência político-administrativas, quanto ao interesse em realmente alterar os dispositivos das urnas eletrônicas e a sistemática de apuração, bastaria ter conduzido as questões simplesmente pela via da normalidade, exatamente por meio de medidas legislativas, precisamente, em especial, com a aprovação de medida permitindo a participação das Forças Armadas no processo eleitoral e a indicação precisa de como os equipamentos eletrônicos precisariam funcionar para a coleta dos votos e a apuração dos resultados da votação.

É mais do que evidente de que a incompetência administrativa termina beneficiando, como se percebe facilmente no caso em comento, a parte podre da gestão pública, em detrimento dos interesses nacionais, que poderiam funcionar com a devida eficiência, como é do seu dever institucional, caso as questões fossem tratadas exclusivamente com a necessária competência.

É inadmissível que as Forças Armadas passem por esse deplorável processo de vexame e humilhação imposto não somente pela insensibilidade administrativa do seu comandante-em-chefe, mas sim porque se trata de falta de competência, à luz do disposto nos arts. 118 e 142 da Constituição, que dão competência à Justiça eleitoral e aos militares federais, respectivamente, e isso precisa se harmonizar com o Estado Democrático de Direito, em que cada órgão deve cuidar exclusivamente das suas atribuições específicas.

Por fim, convém que se esclareça que a expressão “e daí?” diz muito com a forma de indiferença da Justiça eleitoral, que sabe perfeitamente das precariedades questionadas no sistema eleitoral, mas é do seu interesse que tudo permaneça tal e qual como está, principalmente porque é assim que ela quer e ninguém tem condições de contraposição saneadora, salvo por meio apenas de medidas legislativas pertinentes.

Ante todo o exposto, apelam-se no sentido de que as Forças Armadas tenham a grandeza de reconhecer o seu verdadeiro lugar de equidistância às questões eleitorais, precisamente por absoluta falta de amparo legal, cuidando, se for o caso, de providenciar a medida legislativa pertinente, com vistas à legitimação da sua competência para atuar também como Justiça eleitoral e ter condições de mudar as regras de funcionamento do sistema eleitoral brasileiro, tudo em harmonia com os princípios de civilidade, cidadania e brasilidade.

        Brasília, em 24 de junho de 2022

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